Embora fora do debate da reforma política, a regulamentação do lobby pode trazer um avanço significativo para a vida política brasileira
Embora fora do debate da reforma política, a regulamentação do lobby pode trazer um avanço significativo para a vida política brasileira
A negação histórica da existência de um povo palestino, necessária para afirmar o status da terra como res nullius, como uma terra sem povo destinada ao povo a que fora prometida, mantém-se constante até hoje e é acompanhada da vilificação daqueles que estão “do outro lado”, daqueles menos civilizados, dos radicais, dos amantes da morte
O lobby lícito integra o conjunto de direitos à disposição dos movimentos sociais. Foto: Marcelo Casal Jr./ABr
Na discussão sobre reforma política, um ponto importante tem ficado de fora: a regulamentação do lobby. O objetivo deste artigo é lançar alguma luz sobre essa atividade e o debate acerca de sua regulamentação.
A palavra lobby vem da língua inglesa e designa originalmente o salão de entrada de prédios. O uso do conceito passou da arquitetura à política, e o substantivo passou a indicar a atuação de representantes de interesses, que esperavam no salão de entrada de prédios a passagem dos tomadores de decisões públicas a fim de apresentar seus pleitos. Em termos gerais, portanto, lobby passou a significar a ação de defesa de interesses junto a membros do poder público que podem tomar decisões.
A atividade é exercida por vários atores, desde o indivíduo isolado até as espécies mais diversas de coletividade. No entanto, grande parte é patrocinada por dois tipos de entidade: aquelas voltadas para outras atividades econômicas ou sociais que eventualmente a praticam em defesa de seus interesses (empresas e igrejas, por exemplo) e aquelas voltadas, por natureza, para o trabalho de lobby em nome de seus públicos-alvo ou membros – sejam eles indivíduos, sejam outras organizações (como sindicatos, federações e confederações de empresários e de trabalhadores, ONGs etc.).
O alvo dos lobistas são as agências em que decisões públicas são tomadas, num leque muito diversificado. Algumas vezes, são organismos internacionais como a ONU, a União Europeia e o Mercosul. Outras vezes, agências da administração pública nacional (Presidência, ministérios, secretarias etc.) ou subnacional (governos estaduais e municipais e suas secretarias) – incluindo as reguladoras da prestação de serviços públicos pela iniciativa privada. A ação dos lobistas também é dirigida ao Poder Legislativo nas três esferas: Congresso Nacional, Assembleias Legislativas e Câmaras de Vereadores. O Judiciário, por sua vez, se abre ao lobby por meio de institutos como as audiências públicas e o amicus curiae.
Os interesses organizados podem atuar em diferentes momentos do processo decisório. Antes do estágio deliberativo, na escolha dos próprios tomadores de decisão. Nas diversas etapas do processo deliberativo, que incluem a definição da agenda decisória, a formulação de propostas referentes aos itens da agenda, o debate e negociação em torno das propostas existentes e a tomada de decisão. E nas fases posteriores à deliberação, como a regulamentação e a revisão judicial das decisões.
A onipresença do lobby pode ser ilustrada com um caso específico: a atuação do empresariado durante o processo de produção legislativa de nível federal. Os empresários interferem na escolha dos candidatos que concorrerão às eleições para todos os níveis e cargos. O empresariado pode apoiar a candidatura de indivíduos oriundos de suas próprias fileiras e/ou candidatos afinados com as suas posições. Os empresários também financiam a campanha dos candidatos que apoiam e/ou que são apontados pelos institutos de pesquisa como os contendores principais. Os empresários podem ainda indicar ou vetar nomes para cargos relevantes na burocracia de ministérios, instituições públicas de financiamento da produção, agências reguladoras e vários outros organismos do Poder Executivo. Os ocupantes desses cargos podem tornar-se elementos-chave no processo de produção legislativa.
O empresariado também faz lobby ao longo de todo o processo deliberativo, que compreende, em nível federal, o período que vai da apresentação de propostas ao Congresso à votação parlamentar sobre eventuais vetos presidenciais às proposições aprovadas pelo Legislativo nacional.
Por fim, o empresariado estende seu lobby ao momento que sucede o estágio deliberativo. Focaliza a regulamentação das peças legislativas, feita por meio de atos, portarias, circulares, notas técnicas e outros instrumentos à disposição da burocracia do Executivo federal. Ainda nesse momento, pode solicitar a revisão judicial de decisões, por meio, por exemplo, de Ações Diretas de Inconstitucionalidade (Adins) no STF, interpostas por confederações sindicais patronais ou entidades de classe de âmbito nacional.
O lobby não é lícito ou ilícito por definição. Pode ser realizado de forma ilícita, quando os lobistas barganham benefícios com membros do poder público, seja por meio de ameaças, seja em troca de recompensas ilegais. Lobby ilícito é sinônimo de crime contra a administração pública – corrupção ativa, tráfico de influência, fraude de concorrências públicas, entre outros delitos. Mas a Constituição faculta o lobby lícito, pois garante os direitos à liberdade de manifestação de pensamento; à expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação; à liberdade de reunião e associação para fins lícitos; ao acesso à informação pública de interesse particular, coletivo ou geral; e à petição aos poderes públicos, em defesa de direitos ou contra ilegalidade ou abuso de poder. O lobby lícito integra, portanto, o conjunto de instrumentos à disposição dos segmentos sociais para a promoção de seus interesses. Além do lobby lícito, a Constituição proporciona aos cidadãos outros meios de promoção de interesses, como o voto em plebiscitos e referendos (dispositivos pouco utilizados no Brasil), a iniciativa popular de proposições legislativas e as eleições regulares para o preenchimento de cargos públicos.