Mundo do Trabalho

Em entrevista, Artur Henrique, alerta para o perigo do parque industrial brasileiro se transformar em um parque de montagem

O presidente da CUT, Artur Henrique, prioriza na relação com o governo Dilma o debate sobre a política macroeconômica, como queda de juros, intervenção no câmbio, reforma tributária, e vê como necessária a criação de um espaço de negociação mais permanente do ponto de vista estratégico com os trabalhadores

Pauta ampla do mundo do trabalho continua trancada no Congresso

Pauta ampla do mundo do trabalho continua trancada no Congresso. Foto: Roberto Parizotti

A poucos meses de deixar a presidência da Central Única dos Trabalhadores (CUT), Artur Henrique fala à Teoria e Debate sobre a crise econômica mundial, o forte impacto no mundo do trabalho e as repercussões no Brasil. Mesmo reconhecendo que o país vive um bom momento, com geração de emprego e bons resultados das políticas sociais, considera necessário discutir a qualidade do emprego gerado, a situação da indústria brasileira e o papel dos bancos privados, enfim medidas mais estruturantes para o médio e longo prazos.

A CUT é a maior central da América Latina e quinta do mundo, atua no campo e na cidade, no setor público e privado, em todos os estados do Brasil e tem 7,5 milhões de trabalhadores associados. Em julho realizará o seu 11° congresso, quando debaterá temas estratégicos para o movimento sindical e o país.

Qual sua avaliação do impacto que a crise está tendo no mundo do trabalho, no cenário internacional?

Vivemos uma conjuntura internacional de verdadeira inversão de valores em um curto período, em alguns casos de perigo à democracia. Em 2008, depois da quebra do banco Lemman Brothers, havia um entendimento geral de que a responsabilidade pela crise americana era da desregulamentação do mercado e do sistema financeiro. A ideia neoliberal de que o mercado resolveria os problemas fora derrubada a partir de setembro de 2008.

Ato da CUT contra a desindustrialização | Roberto Parizotti

E hoje o debate travado sobre a necessidade de regulamentar o sistema financeiro, acabar com os paraísos fiscais, de uma governança diferente sobre os organismos internacionais está esquecido. Estamos assistindo à culpa pelo sistema de Bem-Estar Social. “Os países da Europa gastaram muito dinheiro, ou mais do que deveriam em determinadas políticas públicas e sociais”, é o que alegam. Nenhuma palavra sobre o sistema financeiro. Ao contrário, há um esforço para utilizar dinheiro dos bancos centrais da Europa e dos Estados Unidos para salvar bancos e empresas, toda a cadeia do sistema financeiro afetado pela crise.

As medidas que estão sendo adotadas pelos bancos centrais (pelo Banco Mundial), pelo sistema financeiro e pelo FMI conhecemos muito bem, porque são as mesmas impostas ao Brasil e a alguns países da América Latina na década de 1990: diminuir gasto do governo, o papel do Estado, privatizar e, principalmente, no caso da Europa, reduzir direitos dos trabalhadores. Lá estão chegando ao absurdo de reduzir salários. No setor público, redução de direitos e de salários, com aumento da idade para a aposentadoria, das horas de trabalho e diminuição de direitos como hora extra e férias.

Na Itália e na Grécia, pessoas do mundo financeiro assumem como primeiro-ministro. Ou seja, estão tomando conta dos governos para acenar ao mercado que as medidas serão implantadas. Isso é um problema do ponto de vista da democracia.

O ex-primeiro ministro grego, quando propôs um plebiscito sobre as medidas adotadas pelo Banco Central Europeu, foi pressionado a recuar por todos os países, mas principalmente por França e Alemanha.

O povo é que está sendo massacrado pelas novas medidas. Na Europa, 48% da juventude está desempregada. A Espanha tem 24% de desemprego, um a cada quatro trabalhadores não tem emprego.

O movimento sindical europeu, que durante muito tempo teve uma situação semelhante à nossa – sendo atacado pelos direitos –, está tendo de retomar um conjunto de mobilizações que nem sempre surtem resultado. Na Grécia, já vai para a décima quarta greve, a Espanha já fez quatro greves gerais, Portugal está chamando uma greve geral para o final de abril. Todas manifestações nacionais muito grandes, pressionando o Parlamento. No entanto, com muitas dificuldades, porque não têm conseguido convencer partidos a votar medidas que fortaleçam o emprego, o mercado interno dos países, e a rejeitar as que aprofundarão a crise.

O cenário europeu pode repercutir no mundo do trabalho no Brasil?

Sem dúvida. Vejo o impacto em dois campos, em dois momentos. O primeiro é a enxurrada de dólares e de euros que os bancos centrais da Europa e dos Estados Unidos estão despejando na Europa. Nos últimos dois anos, emitiram algo em torno de € 6 trilhões para salvar bancos. Como não há regulação do sistema financeiro nem orientação dos Estados nacionais ou da Comunidade Europeia no sentido de obrigar esses bancos a investir na geração de emprego, eles podem segurar o dinheiro, como já estão fazendo, e aplicar em países onde a taxa é alta e o retorno, rápido. Pega-se dinheiro do Banco Central Europeu a 1% e aplica-se em papéis do Tesouro do governo brasileiro a 9,75%.

Esse é um primeiro impacto para o qual temos de nos preparar. É preciso dar continuidade à redução da taxa de juro no Brasil. Não podemos permanecer como atrativo para a especulação financeira. Temos de ter medidas mais ousadas de controle do dinheiro que entra no Brasil. Quem aplicar no Brasil na produção e, portanto, gerar ciência, tecnologia, transferência de valor, emprego, deve ser incentivado. Mas quem tem a intenção de, com um aperto de uma tecla do computador, investir US$ 400, 500 milhões em papéis do Tesouro ou na Bolsa de Valores e no dia seguinte, porque o juro em Cingapura sobe um pouco, passa para lá – o que acontece hoje no mundo globalizado financeiro – tem de ter taxação. Ou seja, é preciso taxar a especulação e incentivar a produção.

Dia nacional de luta contra a crise | SeCom CUT

Também não podemos continuar sendo um país que apenas exporta matéria-prima e, portanto, só commodities – minério de ferro, soja, petróleo, açúcar e café. Precisamos ser um país que, além de ter exportação de produtos primários, agregue valor à exportação e à indústria.

Os países centrais que hoje estão nessa situação, a Alemanha, por exemplo, que  tem 3% de crescimento, estão levando seus engenheiros e projetistas de volta para o país. Estão concentrando a expertise, fazendo com que a produção alemã tenha maior valor agregado. E os países periféricos, na velha distribuição sociológica, receberão uma caixa da Mercedes-Benz com o motor, juntarão o chassi, a carroceria e montarão o carro, como já vem ocorrendo.

Se não tomarmos cuidado, podemos, em um curto espaço de tempo, nos transformar em montadoras, maquiladoras, como é no México. Nosso parque industrial vira um parque de montagem, e não de produção.

Para o mundo do trabalho representa continuar a ter um aumento considerável dos trabalhadores na área de serviços, como já está acontecendo, e para a área da indústria sobrarão trabalhadores menos qualificados, que são apenas os montadores, enquanto na matriz dessas empresas há os grandes projetos.

O segundo grande impacto no mercado de trabalho é que esses países vão diminuir a perspectiva de crescimento e também a compra de produtos brasileiros. Mesmo sabendo que há exportação de produtos primários, continuamos tendo exportação de carro, de máquinas e equipamentos. Se diminui a compra e pedidos de compra dos outros países, a indústria e a produção diminuem. A saída é fortalecer o mercado interno, além das medidas de proteção. Não apenas o mercado brasileiro, mas a integração da América Latina. Como a crise é grave, cada um está cuidando do seu mercado, em vez de construir uma estratégia de comum acordo entre os países, em especial do Mercosul, em que se tenha uma verdadeira integração produtiva, de modo a fortalecer o mercado regional e também exportar o excedente para outros países.

Há uma crítica à política econômica do governo em relação à taxa de juros básica, baixada recentemente a um dígito. Qual é a proposta?

É fundamental continuar esse processo de redução da Selic, mas isso só não basta. O grande problema é que tanto pessoas jurídicas quanto físicas estão pagando uma taxa de juro bancária altamente prejudicial à produção e ao consumo. Se comprarem um produto e financiá-lo com cheque especial, pagam até 40% de juro ao mês. Se comprarem com cartão de crédito, pagam 240% ao ano. Talvez isso explique os lucros estratosféricos do sistema financeiro.

Queremos discutir o papel dos bancos públicos. O Banco do Brasil e a Caixa Econômica Federal têm de reduzir a taxa, o chamado spread bancário. Esses bancos não podem atuar para ser lucrativos e comerciais, como o Itaú e o Bradesco. Devem ter a função social de um banco público, que concede empréstimos para programas como o Minha Casa, Minha Vida, ou todo financiamento de políticas públicas e sociais.

Sistema financeiro, bancos e juros são pautas dos trabalhadores | SeCom CUT

Empréstimo consignado, por exemplo.

Mesmo o empréstimo consignado chegou a ter juro a 22%. Quando o Marinho era o presidente da CUT, chamamos uma reunião com os bancos justamente para reduzir a taxa de juro do consignado.

Os bancos alegavam que o spread era caro porque havia risco de inadimplência. Nós propusemos fazer empréstimo consignado na folha de pagamentos, limitado a 30% da renda. Não havia risco. Em um primeiro momento, baixou o juro do crédito consignado.

Esse esforço no sentido de reduzir o spread bancário é essencial, e para isso é preciso ter medidas governamentais fortes, como fazer com que o BB e a CEF tenham um papel mais ativo.

O Brasil, diferentemente dos outros países, tem depósito compulsório. O Banco Central retém uma parte dos recursos dos bancos. Por que não ter um instrumento de política monetária em que seja liberado dinheiro para bancos que tenham crédito mais baixo para aplicar na produção? Assim teríamos um juro menor, mais dinheiro no mercado, para bancos que se comprometerem com investimento de longo prazo, em infraestrutura.

A CUT está propondo chamar uma conferência nacional do sistema financeiro, com todos os atores, para debater o papel dos bancos privados e públicos, dos fundos de pensão, dos fundos de investimento, como o FGTS e o FAT. Tem banco que faz campanha dizendo que tem responsabilidade social porque planta meia dúzia de árvores ou constrói uma creche. Queremos discutir se o Brasil quer ser a sexta potência do mundo, como se desenvolve do ponto de vista sustentável, com melhor distribuição de renda, com valorização do trabalho, inclusão social.

O banco tem de ter um papel na sociedade. O único que empresta a longo prazo hoje é o BNDES. E faz isso, na minha opinião, com uma visão que também precisa ser rediscutida, porque empresta para grandes empresas brasileiras se tornarem internacionais. Queremos debater com o governo o papel de micro e pequenas empresas, economia solidária, que têm enorme importância do ponto de vista da economia real. O Banco do Nordeste Brasileiro fez no último ano cerca de R$ 11 bilhões de empréstimos para a economia solidária; 80% para mulheres donas do próprio negócio.

Um micro e pequeno empresário, para investir, se implantar no Brasil ou ampliar seus negócios, enfrenta as regras de empréstimo draconianas.