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Governo brasileiro adota medidas eficientes na economia para enfrentar crises conjunturais, mas ainda encontra obstáculos na adoção de medidas mais estruturais

Em reunião dos Brics, a presidenta Dilma foi muito consistente quanto à análise e proposição de alternativas. Ao retornar ao Brasil anunciou uma série de medidas concretas do Programa Brasil Maior de estímulo à indústria

Na agenda internacional, entre outros acontecimentos relacionados aos conflitos no Oriente Médio, destacam-se os desdobramentos da crise política síria, onde a missão coordenada pelo ex-secretário-geral das Nações Unidas Kofi Annan, como enviado especial da ONU com apoio da Liga Árabe, começa a apresentar alguma possibilidade de sucesso. Essa iniciativa também é apoiada pelo governo brasileiro.

Outro evento de muita importância foi a IV Cúpula de Chefes de Estado do Brics, realizada em Nova Délhi, na Índia, em 29 de março. O agrupamento, que se reuniu formalmente pela primeira vez em 2009, normalmente tratava apenas de assuntos econômicos, mas nessa reunião posicionou-se também politicamente frente a temas internacionais por intermédio de soluções pacíficas e negociadas, como o conflito na Síria, apoio a negociações diretas com o Irã sobre seu programa de enriquecimento de urânio e a reconstrução da Líbia. Sobre este último, a presidenta Dilma chamou a atenção na reunião para a desestabilização regional que a intervenção armada da Otan provocou ao derrubar o governo Kadafi, como demonstra a recente tentativa da população tuaregue expulsa da Líbia de ocupar o Mali e outros territórios no noroeste da África. Esse novo conflito provocou inclusive um golpe militar no Mali, sob a justificativa de que o governo civil não estaria proporcionando os recursos necessários para o exército enfrentar os refugiados tuaregues.

Frente à crise econômica, os países desenvolvidos, particularmente da Europa, além de implementar medidas de austeridade por meio de cortes nas despesas sociais, agora deram início a políticas de ajuste no mercado de trabalho, introduzindo medidas de flexibilização dos direitos trabalhistas e, ainda mais grave, extinguindo o direito à negociação coletiva, com tentativas de eliminar o caráter normativo de convenções da OIT que dão sustentação jurídica a esse mecanismo. Essas medidas vêm sendo enfrentadas pelo movimento social e pelos sindicatos europeus, como demonstra a recente greve geral na Espanha que parou o país, e paulatinamente surgem propostas alternativas ao discurso neoliberal da austeridade e do socorro aos bancos que poderão provocar mudanças políticas importantes em alguns países europeus com eleições próximas.

Quanto à crise nos países desenvolvidos e as medidas monetárias que vêm adotando, que têm gerado expressiva liquidez e desestabilizado o câmbio nos países em desenvolvimento, bem como as medidas protecionistas na área comercial, a presidenta Dilma fez na Índia uma intervenção muito consistente quanto à análise e proposição de alternativas.

A posição da presidenta foi transformada, após seu retorno, em uma série de medidas concretas do Programa Brasil Maior, por meio de um pacote de estímulo à indústria no valor de aproximadamente R$ 60 bilhões entre oferta de crédito, renúncias fiscais, estímulo a inovações tecnológicas e desoneração de folhas de pagamentos.

O movimento sindical, a CUT em particular, e alguns setores empresariais já vinham manifestando preocupações diante dos problemas que a indústria brasileira tem enfrentado em decorrência da crise internacional e da valorização do câmbio nacional, que, sobretudo em 2011, prejudicou nossas exportações e inundou o país de produtos importados.
A avaliação feita por vários sindicalistas sobre o pacote é positiva, embora defendam algumas medidas a mais. Entre elas, a realização de acompanhamento tripartite quanto aos efeitos da substituição da contribuição patronal sobre a folha de pagamentos para a Previdência Social por uma contribuição sobre o faturamento, de modo a preservar o financiamento da Previdência, bem como a concessão de contrapartidas das empresas beneficiadas por isenções fiscais quanto à geração e manutenção de empregos de qualidade, saúde e segurança, entre outras condições de trabalho decente. É inaceitável o discurso patronal de creditar a responsabilidade do “custo do trabalho” aos atuais problemas de competitividade.

Os dirigentes sindicais também chamam a atenção para a importância dos incentivos fiscais e da facilitação do crédito, mas observam que esses correm o risco de se tornar medidas pontuais se não houver reforma tributária, redução da taxa básica de juros e regulação da atuação dos bancos privados.

Além disso, com toda a razão, cobram o papel a ser exercido também pelos governos estaduais no que tange à utilização dos instrumentos dos quais dispõem para fortalecer a indústria, como o ICMS e outros, e à participação dos bancos estaduais no Programa Brasil Maior.

Verifica-se mais uma vez a capacidade de nosso governo de adotar medidas eficientes na política econômica para enfrentar crises conjunturais, como em 2003 e 2008. No entanto, tem encontrado dificuldades na adoção de medidas mais estruturais e sustentáveis, como a introdução de taxas de investimento de longo prazo e uma política industrial que possibilite um crescimento econômico maior e perene, pois os índices atuais absorvem o crescimento demográfico, mas são ainda insuficientes para combater as desigualdades brasileiras com eficácia.

Faz dez anos que Lula foi eleito presidente, e esse simbolismo é uma grande oportunidade para promover um debate partidário e na sociedade a partir da constatação de que somente consolidar o que foi conquistado durante esse período não é suficiente, até porque as conquistas alcançadas geram novas demandas. É necessário readequar nosso projeto e responder às necessidades do próximo período histórico. A crise econômica mundial, que já se desdobra em crise social e política, e sem solução no curto prazo, suscita uma boa oportunidade para isso, a partir das medidas que devemos adotar para nos defender e promover alternativas.

Esse diagnóstico nos remete à discussão de dois temas fundamentais: o Projeto Nacional de Desenvolvimento e o Sistema Político do Brasil, pois o Estado que temos foi projetado para atender um “país pequeno”. Muitos dos processos atuais são os mesmos utilizados nos anos 1970 e já não respondem às necessidades do país. Precisamos de um Estado moderno, indutor do desenvolvimento, fiscalizador e presente em todas as áreas sociais e rincões geográficos.

No que tange ao desenvolvimento, o papel do Estado não pode conter apenas visões de curto prazo. Deveria, por exemplo, favorecer investimentos e aplicações de longo prazo por meio de estímulos fiscais, criar um “fundo de desenvolvimento” com a mesma finalidade, considerar especificidades regionais e temáticas, como a Amazônia, e possibilidades como a exploração da biotecnologia, além de adotar algumas das medidas mencionadas anteriormente, como a reforma tributária e a regulação do sistema financeiro.
O debate sobre o sistema político e a reforma política não pode se ater apenas à reforma eleitoral e às eleições municipais de outubro próximo. Inclusive as atuais dificuldades políticas enfrentadas pela coalizão governamental estão relacionadas ao sistema e há limites estreitos do que pode ser alcançado na atual queda de braço entre o Poder Executivo e o Poder Legislativo, sem mencionar a “judicialização” da política promovida atualmente pelo Poder Judiciário.

Esse debate, em particular, inclui a questão democrática no que tange à participação popular e a democratização dos meios de comunicação, o que permitiria uma disputa política mais equilibrada pelo apoio da maioria da sociedade ao projeto de desenvolvimento e combate às desigualdades.

Nesse sentido, merecem atenção os movimentos de “escracho” que jovens e outros ativistas vêm promovendo para denunciar torturadores e seus cúmplices que agiram durante a ditadura militar, como as manifestações em frente ao Clube Militar no Rio de Janeiro e à residência de vários deles. Somados à instalação da Comissão da Verdade, representam a oportunidade de esclarecer o que de fato houve naquele período, quem foram os responsáveis e, em particular, desvendar o ocorrido com as centenas de morto e “desaparecidos”, de modo que os crimes cometidos nunca mais se repitam.

Por fim, o envolvimento do senador pelo DEM Demóstenes Torres com o crime organizado exige uma atuação especial do PT e seus aliados, pois há uma operação “abafa” em andamento, verificada pela pressão exercida sobre ele para que renuncie ao mandato e pela complacência dos meios de comunicação com o caso desde o início. Ele recebeu da imprensa uma “presunção de inocência até que se comprove o contrário” que nenhum denunciado ligado ao governo recebeu, independentemente do mérito da acusação, ao longo dos últimos dez anos, além de o bicheiro Carlinhos Cachoeira ser tratado como “empresário”!

Os fatos que vieram à tona até o momento indicam que o senador pode ser apenas a ponta de um esquema que envolve desde o atual governador do estado de Goiás, Marconi Perillo, do PSDB, até parlamentares da base oposicionista DEM-PPS-PSDB, que é coligada praticamente em todo o país desde o início dos anos 1990 e sustenta candidaturas importantes nas próximas eleições municipais, como a de José Serra em São Paulo, onde o debate nacional estará presente na disputa. As gravações divulgadas até agora também apontam para estreitas relações entre Cachoeira e os meios de comunicação, como demonstram, por exemplo, suas centenas de ligações para o chefe da Sucursal da Veja em Brasília.

Uma CPI para analisar essas questões é absolutamente necessária.

Grupo de Conjuntura da Fundação Perseu Abramo é composto por economistas, cientistas políticos e dirigentes partidários e lideranças dos movimentos sociais, convidados pela diretoria da FPA periodicamente para discutir acontecimentos nacionais e internacionais e suas consequências na situação política, econômica e social do país. Esse texto é uma síntese de reunião realizada em 2 de abril de 2012