A ausência de lei que regulamenta a terceirização no trabalho, em amplo uso desde os anos 1990 no país, leva a discussão sobre o tema a parâmetros bem distintos
A ausência de lei que regulamenta a terceirização no trabalho, em amplo uso desde os anos 1990 no país, leva a discussão sobre o tema a parâmetros bem distintos
Grandes corporações utilizam exército de terceirizados, discriminados, segmentados e em situações precárias. Sindicatos e Tribunais do Trabalho fazem o debate sobre a terceirização em suas agendas, a cada dia mais trabalhadores buscam direitos desrespeitados
Funcionários de empresa terceirizada que presta serviços na USP fizeram greve em junho passado. Foto: Luiz Carlos Murauskas/Folhapress
Trabalhadores sem direitos
Sabe-se que os terceirizados, em muitas situações, têm deixado de receber os direitos mais básicos, como décimo terceiro salário, FGTS, multa em caso de desligamento e recolhimento para a Previdência, pois as empresas fecham e somem, deixando muitos sem nem sequer o salário do mês. Em outros casos, amplamente reeditados, ficam sem férias, pois o fato de trocar a todo momento de empresa impõe a abstenção desse descanso, além de terem de aguardar o novo registro em carteira, perdendo assim meses de contribuição ao INSS e, consequentemente, esticando o tempo para a aposentadoria.
A única referência jurídica existente no país para tratar do tema é a Súmula 331 do TST, que permite a terceirização apenas em algumas atividades determinadas e proíbe nas demais. A questão ocupou a agenda dos juízes dos Tribunais do Trabalho, que observam o crescimento extraordinário de milhares de ações movidas por trabalhadores em busca de direitos não respeitados. Ao mesmo tempo, tornou-se pauta de muitos sindicatos, que, diante das consequências negativas para os trabalhadores, tiveram de buscar formas de resistência a essa prática que se expande a cada dia.
Os sindicatos com tradição de luta levaram décadas para organizar os trabalhadores, criando espaços de negociação, fiscalizando o cumprimento de direitos, e por essas vias elevaram a relação entre capital e trabalho no Brasil a patamares civilizatórios aceitáveis, conquistando acordos coletivos mais vantajosos que o mínimo estabelecido pela CLT. A terceirização, em termos gerais, faz ruir esse processo social ou, indo mais fundo, faz ruir a própria CLT.
Os empresários, sob o discurso pouco consistente da modernidade, vêm pressionando há anos pela regulamentação da prática no Brasil, com vistas a se livrar dos passivos trabalhistas que crescem a cada dia. Buscam segurança jurídica, e para isso querem alterar em profundidade as relações do trabalho no país.
Os governos, em âmbito local, estadual e federal, têm se valido da terceirização como forma de contornar a Lei de Responsabilidade Fiscal, em que pesem argumentos de que a decisão pode favorecer práticas de corrupção e ainda implicar orçamentos que podem custar duas vezes mais do que contratar diretamente.
Projetos no Congresso
Hoje existem mais de 26 Projetos de Lei sobre o tema na esfera federal. Alguns têm avançado no Congresso Nacional, caso do PL nº 4.330/2004, do deputado Sandro Mabel (PMDB-GO), e do PL nº 4.302/1998, de autoria de FHC (PSDB), com características bem similares. Em contraponto ao conteúdo desses projetos surgiu o PL nº 1.621/2007, do deputado Vicentinho (PT-SP), e outro construído em consenso com as seis centrais sindicais brasileiras, apresentado através do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), que se encontra depositado na Casa Civil.
Entretanto, dadas a relevância da matéria e as disputas colocadas, o presidente da Câmara Federal, deputado Marco Maia (PT-RS), propôs em 2011 criar uma Comissão de Estudos sobre Terceirização, com a incumbência de olhar o conjunto dos projetos e apresentar um relatório final. A presidência da comissão ficou com o deputado Sandro Mabel e a relatoria com o deputado Roberto Santiago (PSD-SP). Ao fim dos trabalhos, os parlamentares propusera um PL substitutivo que desagradou amplamente as representações sindicais dos trabalhadores. Em que pese a contradição, o substitutivo contou com o apoio do deputado Paulo Pereira, da Força Sindical, e de alguns aliados da UGT.
Na arena das lutas em torno do tema se posicionaram outros atores. Dessa vez, acadêmicos, pesquisadores, economistas e diversos operadores do Direito do Trabalho, como juízes, procuradores, advogados e associações, que se juntaram a representantes das centrais sindicais CUT, CTB e NCST e lançaram, em novembro, manifesto contrário à aprovação do substitutivo do deputado Roberto Santiago. Essa iniciativa marcou o lançamento do Fórum Nacional Permanente em Defesa dos Trabalhadores Ameaçados pela Terceirização, uma articulação plural que tem como denominador comum a certeza de que a terceirização tem significado retrocesso dos direitos dos trabalhadores brasileiros.
Nesse escopo, a discussão em torno da regulamentação da terceirização atende a parâmetros bem distintos, a depender do interlocutor consultado. Os participantes do fórum terão de pensar uma regulamentação que contenha a precarização causada pela prática. De outra parte, o setor empresarial focará na relação entre empresas, buscando deixar claro aquilo que parece ser a tônica: “ter uma empresa sem empregados”, repassando a responsabilidade para com os trabalhadores para outrem, o sonho de ouro de qualquer capitalista.