Mundo do Trabalho

A ausência de lei que regulamenta a terceirização no trabalho, em amplo uso desde os anos 1990 no país, leva a discussão sobre o tema a parâmetros bem distintos

Grandes corporações utilizam exército de terceirizados, discriminados, segmentados e em situações precárias. Sindicatos e Tribunais do Trabalho fazem o debate sobre a terceirização em suas agendas, a cada dia mais trabalhadores buscam direitos desrespeitados

Funcionários de empresa terceirizada que presta serviços na USP fizeram greve em

Funcionários de empresa terceirizada que presta serviços na USP fizeram greve em junho passado. Foto: Luiz Carlos Murauskas/Folhapress

Trabalhadores sem direitos

Sabe-se que os terceirizados, em muitas situações, têm deixado de receber os direitos mais básicos, como décimo terceiro salário, FGTS, multa em caso de desligamento e recolhimento para a Previdência, pois as empresas fecham e somem, deixando muitos sem nem sequer o salário do mês. Em outros casos, amplamente reeditados, ficam sem férias, pois o fato de trocar a todo momento de empresa impõe a abstenção desse descanso, além de terem de aguardar o novo registro em carteira, perdendo assim meses de contribuição ao INSS e, consequentemente, esticando o tempo para a aposentadoria.

O Tribunal Superior do Trabalho (TST), em evento inédito na história da entidade, convocou em outubro de 2011 uma Audiência Pública para discutir o tema da terceirização. O motivo? Divergências. Amplas divergências diante da ausência de lei para um fenômeno que ganha força desde a década de 1990 no Brasil.

A única referência jurídica existente no país para tratar do tema é a Súmula 331 do TST, que permite a terceirização apenas em algumas atividades determinadas e proíbe nas demais. A questão ocupou a agenda dos juízes dos Tribunais do Trabalho, que observam o crescimento extraordinário de milhares de ações movidas por trabalhadores em busca de direitos não respeitados. Ao mesmo tempo, tornou-se pauta de muitos sindicatos, que, diante das consequências negativas para os trabalhadores, tiveram de buscar formas de resistência a essa prática que se expande a cada dia.

Os sindicatos com tradição de luta levaram décadas para organizar os trabalhadores, criando espaços de negociação, fiscalizando o cumprimento de direitos, e por essas vias elevaram a relação entre capital e trabalho no Brasil a patamares civilizatórios aceitáveis, conquistando acordos coletivos mais vantajosos que o mínimo estabelecido pela CLT. A terceirização, em termos gerais, faz ruir esse processo social ou, indo mais fundo, faz ruir a própria CLT.

Os empresários, sob o discurso pouco consistente da modernidade, vêm pressionando há anos pela regulamentação da prática no Brasil, com vistas a se livrar dos passivos trabalhistas que crescem a cada dia. Buscam segurança jurídica, e para isso querem alterar em profundidade as relações do trabalho no país.

Os governos, em âmbito local, estadual e federal, têm se valido da terceirização como forma de contornar a Lei de Responsabilidade Fiscal, em que pesem argumentos de que a decisão pode favorecer práticas de corrupção e ainda implicar orçamentos que podem custar duas vezes mais do que contratar diretamente.

Projetos no Congresso

Hoje existem mais de 26 Projetos de Lei sobre o tema na esfera federal. Alguns têm avançado no Congresso Nacional, caso do PL nº 4.330/2004, do deputado Sandro Mabel (PMDB-GO), e do PL nº 4.302/1998, de autoria de FHC (PSDB), com características bem similares. Em contraponto ao conteúdo desses projetos surgiu o PL nº 1.621/2007, do deputado Vicentinho (PT-SP), e outro construído em consenso com as seis centrais sindicais brasileiras, apresentado através do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), que se encontra depositado na Casa Civil.

Entretanto, dadas a relevância da matéria e as disputas colocadas, o presidente da Câmara Federal, deputado Marco Maia (PT-RS), propôs em 2011 criar uma Comissão de Estudos sobre Terceirização, com a incumbência de olhar o conjunto dos projetos e apresentar um relatório final. A presidência da comissão ficou com o deputado Sandro Mabel e a relatoria com o deputado Roberto Santiago (PSD-SP). Ao fim dos trabalhos, os parlamentares propusera um PL substitutivo que desagradou amplamente as representações sindicais dos trabalhadores. Em que pese a contradição, o substitutivo contou com o apoio do deputado Paulo Pereira, da Força Sindical, e de alguns aliados da UGT.

Na arena das lutas em torno do tema se posicionaram outros atores. Dessa vez, acadêmicos, pesquisadores, economistas e diversos operadores do Direito do Trabalho, como juízes, procuradores, advogados e associações, que se juntaram a representantes das centrais sindicais CUT, CTB e NCST e lançaram, em novembro, manifesto contrário à aprovação do substitutivo do deputado Roberto Santiago. Essa iniciativa marcou o lançamento do Fórum Nacional Permanente em Defesa dos Trabalhadores Ameaçados pela Terceirização, uma articulação plural que tem como denominador comum a certeza de que a terceirização tem significado retrocesso dos direitos dos trabalhadores brasileiros.

Nesse escopo, a discussão em torno da regulamentação da terceirização atende a parâmetros bem distintos, a depender do interlocutor consultado. Os participantes do fórum terão de pensar uma regulamentação que contenha a precarização causada pela prática. De outra parte, o setor empresarial focará na relação entre empresas, buscando deixar claro aquilo que parece ser a tônica: “ter uma empresa sem empregados”, repassando a responsabilidade para com os trabalhadores para outrem, o sonho de ouro de qualquer capitalista.