Cultura

Chico César fala sobre política nacional, cultura popular e erudita, do fazer político, militância e prioridades à frente da Secretaria de Cultura da Paraíba

O cantor e compositor paraibano Chico César à frente da Secretaria da Cultura da Paraíba, desde 2011, avalia que o discurso tecnocrata das esferas de governo afastam as pessoas comuns. Para enfrentá-lo é preciso ter vontade política, pois o desejo de participação popular transcede e subverte. "Cada vez mais pessoas normais que não são descendentes de famílias políticas, mas cidadãos, devem tirar um tempo do seu cotidiano para empregar na prática política"

A cultura produzida na Paraíba precisa ser reconhecida no estadoO cantor e compositor paraibano Chico César está à frente da Secretaria da Cultura da Paraíba, desde 2011, convidado pelo governador Ricardo Coutinho (PSB), quando dirigia a Fundação Cultural de João Pessoa. Foto: Kleide Teixeira

Sobre sua gestão, o artista diz pautar-se pelas orientações do Ministério a partir de discussões amadurecidas nas conferências municipais, estaduais e nacionais de Cultura e trabalhar a valorização e divulgação dos artistas da terra. “O que sinto é que a cultura produzida na Paraíba precisa ser reconhecida no estado”, declara o secretário empenhado em concluir um levantamento das manifestações culturais do estado e identificar aquelas que se encontram mais fragilizadas precisam do apoio do Estado.

Nesta entrevista à Teoria e Debate, Chico César fala da política nacional, de cultura popular e erudita, do fazer político, de sua militância e de suas prioridades à frente do cargo.

A maioria dos artistas tem certa dificuldade em fazer parte das esferas de governo. Sentem-se estranhos à burocracia estatal. Como é para você habitar esse mundo?

Qualquer ser humano acostumado a uma vida civil sente dificuldade quando lida com a burocracia. Esse um dos principais entraves. Há uma certa tecnocracia, uma linguagem de poder, de exclusão. Ela existe para que as pessoas tenham medo de participar. Todo esse discurso de leis e procedimentos existe para espantar o cidadão comum da política. É como se dissessem: “Aqui não é lugar para você, deixe que nós cuidamos disso para você”. Esse nós trata-se de um grupo de técnicos a serviço de um sistema, de um jeito de fazer governo e gestão pública. É um desafio grande, não apenas para um artista, mas para um professor, atleta, dentista, para uma pessoa normal.

Primeiro é preciso haver o desejo político, legítimo, em todas as pessoas. Temos uma história recente e pioneira de um líder metalúrgico, nascido no interior do Nordeste, com baixo grau de escolaridade, que se tornou presidente da República. E estava tudo organizado para dizer: “Esse homem não pode ser presidente da República, ele é despreparado”.

E a política não diz isso apenas através do discurso político, mas também pelo discurso burocrático, jurídico, fiscal. “Chegou no sindicato, fica aí mesmo... Deixe que a gente cuida disso”. Quem é a gente? São os tecnocratas. Mas o desejo de participação popular transcende e subverte. É por isso que temos na história recente a presença de Lula, eleito duas vezes, e Dilma, uma ex-presa política como a primeira mulher na Presidência do país.

Temos de trazer o cotidiano para dentro das decisões políticas e arejar a área técnica. As decisões são sempre políticas.

Como você avalia e como se posiciona a respeito da gestão Gilberto Gil no Ministério da Cultura? Acompanhou, tem concordância com a orientação, faz uso de algumas dessas experiências?

A gestão de cultura do governo Lula é uma revolução não apenas do ponto de vista cultural, mas como política de inclusão econômica e política. Antes, imaginávamos que cultura era patrocinar orquestras, livros grossos, exposições e balé. E, de repente, a gestão de Gilberto Gil nos mostrou que política cultural era reconhecer a cultura viva, onde estivesse.

Fui bastante reticente nos dois primeiros anos porque não sabia para onde é que apontava. Quando fui à primeira Teia, no Ibirapuera, na sacrossanta Bienal de São Paulo – sacrossanta porque era um espaço da manifestação reconhecidamente como cultura, arte – e ali estavam Pontos de Cultura do Brasil inteiro, Três Lagoas, Pelotas, Macapá, Catolé do Rocha, tive um choque e percebi que algo novo estava acontecendo. Algo que reconhece que há cultura no cotidiano, a diferença entre cultura e arte, entre arte e entretenimento, que há algo vivo no nosso dia a dia que é cultura; que a cultura pode ter uma dimensão econômica, cidadã, inclusiva, em que todos possam participar. Esse foi o grande legado das duas gestões de Gilberto Gil e do ministro Juca Ferreira: os Pontos de Cultura ainda estão aí.

Esse legado se impõe como um desafio para todos nós em qualquer das esferas de governo. O que é cultura? Como lidar com ela? Quem faz cultura? É o Estado? Não. O Estado tem de reconhecer que há uma cultura viva que precisa ser apoiada, estimulada, premiada, que não são apenas os artistas, mas é a sociedade.

Como entrosar sua gestão estadual com as orientações nacionais do Ministério da Cultura?

Cabe à nova gestão radicalizar a discussão sobre o financiamento de cultura, a rediscussão da Lei Rouanet e a construção de um Sistema Nacional de Cultura, dentro do qual esteja o Fundo Nacional de Cultura, que se destine a repassar recursos para os fundos estaduais e municipais de modo a não manter concentrada a riqueza da cultura no eixo Rio-São Paulo, como vem acontecendo nesses vinte anos da lei.

A Lei Rouanet teve um papel, foi importante reconhecer que havia algo a ser patrocinado, mas hoje vivemos um novo momento, a partir das gestões de Gilberto Gil e Juca Ferreira. Cabe ao Congresso aprovar definitivamente essas novas leis da cultura porque a sociedade já entendeu que a cultura é muito mais dinâmica do que o financiamento de alguns grupos.

Como é que você faz esse entrosamento?

Ainda na gestão de Gil e depois na gestão de Juca Ferreira, quando eu ainda estava na Fundação de Cultura de João Pessoa, mantivemos contato com o secretário Peixe, seguindo a orientação do Ministério da Cultura de criarmos nosso Sistema Estadual de Cultura, inspirados nas Conferências Estaduais de Cultura.

Na Paraíba, estamos até bem avançados nesse aspecto. Não tínhamos um órgão gestor de cultura e hoje temos a Secretaria Estadual, criada pelo governador Ricardo Coutinho (PSB). Antes era uma subsecretaria ligada à Educação. Já tínhamos o Fundo de Incentivo à Cultura (FIC) e o Conselho Estadual de Cultura agora está nos moldes recomendados pelo MinC, em que os representantes da sociedade não sejam escolhidos pelo governo, mas por ela própria.

Agora estamos trabalhando para elaborar nosso Plano de Cultura, que queremos ter pronto até o final de 2012, para os próximos dez anos, um plano decenal. Não queremos com isso engessar os próximos gestores, mas o plano vai dar as linhas mestras da gestão cultural no estado.

São orientações do Ministério ou você está criando no estado?

São orientações do Ministério a partir de discussões amadurecidas nas conferências municipais, estaduais e nacionais de Cultura. Trata-se de um colegiado imenso que leva para uma conferência nacional algumas orientações básicas, como os conselhos terem representantes escolhidos pela própria sociedade, uma luta política, como também é com os núcleos de governos – Planejamento, Finanças, Tesouro – a criação de um percentual mínimo da arrecadação para a Cultura. Os governos, em geral, têm restrição à medida porque muitas vezes o orçamento já está engessado, um tanto para Educação, outro para Saúde, mais despesas de pessoal. “Se eu tiver mais um fixo previsto e imutável para a Cultura, fico sem ter como governar”, pensa o governante. É uma discussão política para ser feita com nossos parlamentares e gestores.

Em sua opinião, a Paraíba dispõe de especificidades culturais que devem ser promovidas? E, nesse caso, quais?

Precisamos primeiro concluir o mapeamento cultural, que já estamos fazendo, em parceria com o Instituto de Desenvolvimento Municipal e Estadual. É preciso mostrar não de modo empírico, mas de fato, o que temos de cultura na Paraíba. Desde o vaqueiro aboiador, os grupos de dança, a rendeira do artesanato até o jovem que trabalha com tecnologia de ponta – e, assim, produz cultura.

A partir desse mapeamento devemos eleger algumas prioridades. De um lado, há manifestações que já são apoiadas ou viabilizadas pelo mercado. Refiro-me a música de rádio, artistas que já estão nas galerias... Essas não serão prioridade para o estado, com relação a uma política de apoio. De outro, temos uma herança enorme da cultura popular. Essas manifestações se encontram mais fragilizadas e precisam mesmo da presença do Estado, como o aboio, o forró de pé de serra, os congressos dos violeiros, o repente, o cordel. Também é preciso apoiar as manifestações nascentes, dos jovens artistas, criadores, escritores, cineastas, porque eles também não têm ainda uma penetração no mercado. É papel do Estado, através dos seus editais, promover e fomentar essas manifestações culturais.