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Capital de Goiás tem programa de moradia para famílias de baixa renda que já é modelo para o Brasil

O programa de moradia de baixa renda de Goiânia já serve de modelo para outros municípios do país. As casas são dotadas de equipamentos e benfeitorias normalmente reservados a habitações de classe média, com estação de tratamento de água, coleta de esgoto, energia, asfalto, escola de ensino fundamental e linha de ônibus

Prefeitura petista aposta na cidadania e inclusão por meio da moradia

Prefeitura petista aposta na cidadania e inclusão por meio da moradia. Foto: J.Roberto

[nextpage title="p.1" ]Está em curso em Goiânia, capital do estado de Goiás, a adoção de um novo conceito de moradia para o atendimento às famílias de baixa renda. A prefeitura trocou a velha prática de amontoar pessoas em fileiras de casas, todas iguais, comuns nos conjuntos habitacionais das cidades brasileiras, por um novo conceito de moradia.

As famílias vêm sendo transferidas para edificações denominadas condomínios, onde cada uma recebe sua casa com equipamentos e benfeitorias normalmente reservados a habitações de classe média. O empreendimento é entregue com estação de tratamento de água, coleta de esgoto, energia, asfalto, escola de ensino fundamental e linha de ônibus.

No Jardim do Cerrado VII, já são 1.808 famílias integradas a esse novo conceito, que se tornou modelo para construções similares em todo o país. Situado na região noroeste da cidade, a cerca de dez quilômetros do centro, o condomínio foi construído com casas sobrepostas (semelhantes a sobrados) e cada quatro unidades forma um bloco. Os blocos são reunidos em conjuntos, todos cercados, com parque infantil e porteiro para cada um deles. As casas, com 42 metros quadrados, possuem sala, dois quartos, banheiro e cozinha conjugada com área de serviço.

O prefeito de Goiânia, Paulo Garcia (PT), explica que a ideia foi entregar, junto com as casas, um conceito de cidadania, resgatando a dignidade das famílias de baixa renda. “Essa nova forma de atendimento é como um diamante de nossa administração. Estamos trabalhando com o lado humano das pessoas. É um empreendimento-modelo para o país. Prefeituras de várias localidades estão nos procurando com a intenção de adotá-lo”, diz o prefeito.

De acordo com Paulo Garcia, o Jardim Cerrado VII é o maior do Centro-Oeste e o segundo em dimensão no Brasil. “É também o primeiro nesses moldes, pois já nasce com um Centro de Cidadania, inovação criada e desenvolvida pela atual gestão, disponível a todos os moradores locais.”

Secretário Paulo Borges: projeto habitacional inclui moradia, emprego e renda | J.Roberto

No Centro de Cidadania são oferecidos cursos de qualificação profissional – de pedreiro, mestre de obras, azulejista, corte de costura e salgadeira –, ministrados por profissionais da própria prefeitura e em parceria com a iniciativa privada. A intenção é propiciar aos moradores locais acesso a emprego e renda. O prefeito conta que, no fim dos cursos, os profissionais são encaminhados ao mercado formal de trabalho para fazer estágio e muitos se estabelecem no emprego. “A própria construtora do condomínio aproveitou todos os pedreiros formados em nosso Centro de Cidadania.”

O Jardim Cerrado VII, inaugurado em dezembro de 2011, é destinado a famílias que ganham até três salários mínimos. Elas foram escolhidas a partir do cadastro mantido pela Secretaria Municipal de Habitação e fazem parte do contingente de cerca de 30 mil pessoas que residem em áreas de risco. Também foram selecionadas famílias que viviam em áreas de preservação ambiental e sistemas viários. Um terceiro grupo faz parte do cadastro do programa Minha Casa, Minha Vida, do governo federal, em parceria com estados, municípios, empresas e movimentos sociais, para famílias com renda mensal até três salários mínimos. Os recursos do Jardim Cerrado VII vêm do governo federal por meio do Minha Casa, Minha Vida e de fonte própria do município. Os contratos são realizados um a um com a Caixa Econômica Federal (CEF), que leva em consideração a renda de cada família a ser atendida. A prefeitura cede o terreno e é responsável pela infraestrutura asfáltica e pelos serviços de saúde, saneamento básico e educação, em parceria com o governo do estado. É também papel do município a contratação da construtora para erguer as casas.

Em outros empreendimentos que vêm sendo desenvolvidos pela prefeitura são utilizados recursos de empréstimo do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), do Orçamento Geral da União (OGU) e do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).

O secretário municipal de Habitação, Paulo Borges, informa que, além da mudança de conceito, a nova abordagem para a entrega de moradias a pessoas carentes considera a questão da dignidade. “Não estamos simplesmente doando essas casas. As famílias assinam contrato com a CEF. Se a renda familiar for, por exemplo, R$ 600, pagam R$ 60 por mês à CEF, ou seja, 10% da renda”, diz.

Tamires Alves de Oliveira, de 24 anos, mudou-se com os quatro filhos e o marido para o Jardim do Cerrado VII no dia 19 de dezembro. Antes, moravam em um barraco de apenas dois cômodos numa área de risco na Vila João Vaz. Ela conta que seu maior orgulho é poder dizer seu novo endereço, quando vai abrir algum crediário.

Tudo começou há cinco anos, quando ela enviou uma carta ao então prefeito de Goiânia em que pedia uma casa pra morar. A partir de então, seu nome foi incluído no cadastro de famílias carentes em busca de moradia da Secretaria Municipal de Habitação. O perfil socioeconômico de sua família foi analisado e, após consulta para apurar se possuía casa em outro estado, o casal pôde participar do sorteio que escolheu os moradores do Jardim Cerrado VII.

“Nem acreditei quando fui escolhida. É maravilhoso, um sonho realizado.” Tamires está fazendo cursos de corte de costura e modelagem no Centro de Cidadania. Seu segundo filho, Billy Paul, de 6 anos, diz que o que mais gosta na nova casa é do parquinho no seu quintal.

Ademildes está em sua casa nova desde janeiro | J.Roberto

A mesma alegria é demonstrada por dona Ademildes Albuquerque Lins, de 62 anos. Ela e o filho estão morando na nova casa desde o dia 5 de janeiro. Segundo ela, há 21 anos vem pleiteando uma casa na prefeitura. “Nesse tempo todo, sempre vivi com meu filho na casa dos outros, passando por muita humilhação. Nem acredito quando acordo e vejo que estou na minha casa.” Ela mostra com orgulho o interior de seu lar. “Sou mãe solteira e já sofri muito na vida. Agora estou em paz."

[/nextpage][nextpage title="p.2" ]Déficit habitacional

Ainda existem em Goiânia cerca de 30 mil famílias vivendo em áreas de risco, de proteção ambiental e de sistemas viários. Mas, de acordo com o secretário Paulo Borges, “o déficit habitacional tem diminuído significativamente”. Ele informa que, além do condomínio-modelo, a gestão Paulo Garcia vem entregando milhares de unidades habitacionais há pelo menos três anos.

“Só neste ano foram quatrocentas unidades no Parque Iris Ville, em fevereiro, e mais seiscentas no Jardim Bertim Belquior, em março. E estamos para lançar outros empreendimentos, por meio do PAC, para os quais já temos recursos garantidos na CEF”, diz.

Paulo Borges conta ainda que foi aprovada a construção de 6 mil unidades para pessoas em áreas de risco com renda mensal até três salários mínimos. “Temos também o Buena Vista, com 1.646 unidades, que já estão sendo levantadas. Até o final dessa gestão, entregaremos cerca de 10 mil unidades habitacionais”, garante. As novas moradias completam o total de unidades habitacionais planejado em sua política de habitação.

O município desenvolve ainda outros programas. O Pró-Moradia/97, iniciado no fim da década de 1990 para solucionar problemas de áreas de posse, em parceria com a CEF, é implementado com recursos de empréstimo do FGTS. Já o Programa de Habitação de Interesse Social (PHIS) conta com recursos do Orçamento Geral da União (OGU) para a construção de unidades habitacionais, assistência técnica, urbanização e outras modalidades.

Os recursos do PAC são utilizados em programas habitacionais do município como o A Casa da Gente, para famílias de baixa renda que solicitaram moradia à prefeitura, por meio de carta, e atendiam aos critérios de interesse social, e o Programa Prioritário de Intervenção em Favelas, Urbanização e Regularização Fundiária.

As áreas destinadas aos empreendimentos habitacionais estão, em sua maioria, localizadas no entorno de Goiânia. Segundo informações da Secretaria de Habitação, os mais significativos são o Residencial Goiânia Viva (1994); Pró-Moradia (1996); o Programa Habitar Brasil/OGU (1998); o Programa Habitar Brasil com recursos do Banco Interamericano do Desenvolvimento (BID); o Pró-Moradia (1997) – Cidade Legal; o Pró-Moradia (1997) – Jardim Goiás I; o Morar Melhor (2000); o Residencial Senador Albino Boaventura (2004); o Residencial São Geraldo (2005); o Conjunto Habitacional Lótus (2005); e o Residencial Itamaracá.

[/nextpage][nextpage title="p.3" ]Favelas

Os conflitos urbanos por terra para morar explodiram no início dos anos 1980. Até metade dos anos 1960, as famílias em situação de risco eram principalmente aquelas que habitavam as margens dos córregos que cortavam a cidade. Todas foram remanejadas para conjuntos habitacionais com alguma infraestrutura e os córregos canalizados e impedidos de transbordar novamente.

Comparada a outras capitais brasileiras, Goiânia é relativamente jovem. Nascida em 1933, foi planejada para 50 mil habitantes. Em pouco mais de quarenta anos, a população saltou para a casa dos 200 mil habitantes. E hoje, de acordo com o último censo, soma cerca de 1,3 milhão de habitantes.

São muitas as razões apontadas por especialistas para validar a informação levantada pelo Censo 2010 que aponta Goiânia como a capital brasileira com o menor número de favelas. Uma delas, porém, é considerada um fator decisivo: a mudança da capital do país para o Centro-Oeste. Com um poder maior de atração, Brasília desviou um grande fluxo migratório que, em outras circunstâncias, poderia estar destinado a inchar a cidade.

De acordo com relatos jornalísticos, o pico da violência na disputa pela terra urbana ocorreu entre 1980 e 1985, quando a cidade já contava com cerca de 700 mil habitantes. Os enfrentamentos entre posseiros e a polícia resultaram em mortes e pessoas feridas.

O caso mais emblemático registrado pela imprensa à época foi o surgimento do bairro Nova Esperança. Localizado na região noroeste da cidade, o terreno pertencente a uma fazenda foi ocupado por centenas de famílias de sem-teto. O estado reagiu e ordenou a desocupação.

Como os posseiros decidiram se manter na área, o choque foi inevitável. Após semanas de enfrentamentos, e com a entrada em cena da Igreja e outras instituições em busca de apaziguamento, chegou-se a um acordo, e a área ocupada foi finalmente parcelada.

Existe ainda o fato de a especulação imobiliária ter empurrado para o entorno – Grande Goiânia – as famílias mais carentes, fazendo com que os agrupamentos de sem-teto fossem formar novas favelas no entorno da capital.

Suelene Teles é jornalista [/nextpage]