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Iniciativas integradas garantem maior precisão na identificação dos desafios prioritários nos territórios e resolutividade

 

Para superar as distintas condições estruturais da cidade num modelo verticalizado de administração, o governo petista iniciou em 2005 um processo de mudança organizacional da prefeitura. Hoje as iniciativas integradas garantem maior precisão na identificação dos desafios prioritários e resolutividade

Inovação na gestão: reunião avalia câmaras territoriais

Inovação: gestores avaliam câmaras territoriais. Foto: Cecília Figueiredo

O êxito dos investimentos em políticas públicas em Vitória pode ser conferido, por exemplo, na queda de 42,6% na taxa de homicídios em regiões consideradas violentas, entre 2006 e 2011. Ou no primeiro lugar conquistado no ranking do Índice de Desempenho do SUS (IDSUS), elaborado pelo Ministério da Saúde para avaliar o acesso (potencial ou obtido) e a efetividade da Atenção Básica, das Atenções Ambulatorial e Hospitalar e das Urgências e Emergências. Tais políticas sugerem ainda o recuo da violência e a elevação do número de nascimentos.

A nota 7,08 no IDSUS foi a maior obtida entre as 21 maiores capitais do país. São Paulo não passou de 6,21, na média composta por 24 indicadores, como proporção de nascidos vivos de mães que fizeram pré-natal; realização de exames preventivos de câncer de mama e de colo do útero; proporção de partos normais; número de óbitos durante internações por infarto agudo do miocárdio.

A capital capixaba gastou R$ 655,65 per capita na Saúde, com o apoio do estado e da União. Recursos para infraestrutura e pessoal qualificaram a área, que em 2011 recebeu cerca de R$ 210 milhões. Mas o prefeito de Vitória, João Coser, aponta como elemento-chave das políticas públicas a ação integrada do governo nos territórios. “A partir da criação de instrumentos que identificam as reais necessidades de cada região, estamos desenvolvendo a mudança do modelo tradicional de gestão para uma administração participativa que assegure a sustentabilidade das ações empreendidas”, afirma.

Prefeito João Coser

Prefeito João Coser. Foto: Cecília Figueiredo

Uma das capitais da Região Sudeste, com 327.801 habitantes (censo IBGE 2010), Vitória ocupa papel de destaque no cenário econômico do país. É responsável por 44,84% do total de postos de trabalho formais e concentra 45,77% do Produto Interno Bruto (PIB) da Região Metropolitana e 29,63% do Espírito Santo.

Segunda capital mais antiga do Brasil, a Ilha de Vitória de Guanaani, ou Ilha do Mel, como era chamada pelos índios em razão da beleza, teve sua emancipação político-administrativa ainda em 1823, mas foi a partir de meados do século 20 que ocorreram transformações geográficas importantes, decorrentes das mudanças econômicas no estado. A ocupação urbana se estendeu por grande parte da ilha, avançando em direção à porção continental do município.

Modo petista de governar

Para superar as distintas condições estruturais da cidade num modelo verticalizado de administração, o governo petista iniciou em 2005 um processo de mudança organizacional da prefeitura. O objetivo: fortalecer e aprimorar espaços e fóruns de participação popular, para criar uma nova cultura de gestão na cidade, alinhada com o programa de governo.

A aposta exigiu um processo intenso de avaliação e planejamento, para evitar a paralisia da cidade. “Como implementar um programa de governo arrojado, baseado em uma metodologia integrada e participativa, em uma cidade que tinha em sua cultura a figura do `prefeitinho’, uma espécie de interlocutor do governo com a comunidade e com os vereadores, por meio da subprefeitura, que cuidava da distribuição de recursos em novos investimentos e manutenção, mas distanciada da questão social?”, questiona Margareth Batista Saraiva Coelho, assessora de projetos especiais do Programa Terra Mais Igual, uma das iniciativas que foram ampliadas e aprimoradas.

A partir da análise da cultura administrativa da cidade, foi feito novamente todo o planejamento estratégico de acordo com as diretrizes do programa de governo, “com pesquisa de opinião dos impactos e com a discussão no Comitê de Políticas Públicas”, reitera.

Apesar do longo processo, João Coser defende ser imprescindível, no desenvolvimento efetivo das políticas públicas, uma ação integrada do governo para executá-las. “Hoje todas as secretarias sabem o que cada uma delas está fazendo. O Programa Tempo Integral foi discutido por mais de ano, porque necessitava da ação conjunta para executar essa política. As Câmaras Territoriais contribuíram para a leitura mais apurada da Vitória mais bem estruturada e da mais necessitada”, diz.

O projeto Território da Paz, que integra o Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania (Pronasci), é outro exemplo de produção democrática. A implementação do projeto, com discussão e elaboração coletiva a partir do diagnóstico territorial, produziu uma queda na taxa municipal de homicídios. Em cinco anos, houve redução de 42,6% no número de homicídios na capital, de acordo com a Gerência de Estatística e Análise Criminal do Governo do Estado (Geac), em parceria com a Secretaria Municipal de Segurança Urbana (Semsu).

Direcionado a áreas ocupadas por população de baixa renda de Vitória, há o Terra Mais Igual, nome fantasia do Programa Integrado de Desenvolvimento Social, Urbano e de Preservação Ambiental, para garantir rede de equipamentos e serviços urbanos, saneamento básico, habitação, delimitação do uso da terra, promoção da regularização fundiária, gerenciamento social das obras e incentivo da comunidade à participação e ao envolvimento da população nas ações em seu território. Para que se viabilizasse de forma mais abrangente, foi necessária a ação intersetorial.

Hoje é consenso para a maioria da equipe da gestão que iniciativas integradas garantem maior precisão na identificação dos desafios prioritários nos territórios e resolutividade. Para isso, em 2005 teve início o processo de implantação do novo modelo de gestão em Vitória, até então organizada numa estrutura compartimentada, na qual cada secretaria tinha a visão apenas de suas atividades.

Reestruturação com resultados

Marinely Santos Magalhães, secretária de Gestão Estratégica, lembra que a presença do poder público, embora forte, não se traduzia em um nível satisfatório da ação pública. “Até discutíamos que nossos servidores visitavam várias vezes a mesma família, confirmando a presença de serviços públicos nos territórios, mas o nível de produção da política pública não modificava a qualidade de vida nem permitia a emancipação de uma família.”

Na habitação, o programa Habitar Vitória foi certificado em 2007 entre os dez melhores desenvolvidos no Brasil. O Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) da capital capixaba superou em 2009 a média nacional para os anos iniciais: 5,3 contra 4,6. O Bolsa Família tem 100% de cobertura e, aliado a outras iniciativas, vem contribuindo para a redução do percentual de famílias carentes. No Índice de Gestão Descentralizada (IGD), criado pelo Ministério de Desenvolvimento Social para avaliar a qualidade da gestão municipal do programa de transferência de renda, Vitória atingiu 0,79, em 2010, numa variação de 0 a 1.

Esses são alguns dos resultados viabilizados pela reestruturação do modelo de gestão, que exigiu uma reforma administrativa orientada pela Lei nº 6.529/2005. A primeira delas foi a criação da Secretaria de Gestão Estratégica (Seges), responsável pela condução da nova formatação. A pasta é a fusão da Secretaria Municipal de Planejamento e da Coordenadoria de Governo.

Também foram instituídos fóruns coletivos de gerenciamento – secretariado, coordenação de governo, comitês internos de gestão e comunicação, comitês de políticas sociais/ desenvolvimento econômico e urbano e também câmaras de gestão local. “Senão, a Assistência Social tocava a sua pasta, a Educação tocava a sua, a Saúde a sua; e um secretário não sabia o que o outro estava fazendo”, conclui o prefeito capixaba, ao relatar o baixo envolvimento que havia por parte da equipe para compreender as demandas dos territórios em experiências como o Orçamento Participativo (OP) e o Congresso das Cidades.

As decisões tomadas nos comitês internos, na opinião de Coser, deram maior ritmo e velocidade à solução dos problemas. “Era necessário que um secretário soubesse da ação de outra pasta para produzir uma ação governamental conjunta. Até porque o cidadão que atendemos é o mesmo. Nosso objetivo e um dos grandes eixos de nosso governo é ‘cuidar das pessoas’, e era como se cuidássemos da cabeça sem olhar para o corpo todo.”

Dos comitês temáticos participam secretários e secretárias de cada área envolvida no debate, formulação e deliberação da integração de programas, gerenciamento e monitoramento das ações estratégicas. Eles foram criados para assegurar os objetivos de governo e garantir a interlocução permanente entre secretarias e subsecretarias, gerências de áreas e gestores que trabalham na ponta, atendendo o cidadão.

No nível operacional, há o Comitê Executivo, os Comitês Gestores das secretarias e as Câmaras Territoriais. O primeiro é responsável por condutas administrativas, controle interno e racionalização dos gastos públicos. Os Comitês Gestores, instituídos em cada secretaria, servem como espaços de análise e divulgação das ações estratégicas definidas nos Comitês Temáticos e no secretariado, além de promover a integração das ações de governo. E as Câmaras Territoriais, criadas a partir de 2007, se reúnem mensalmente para debater a aplicação das políticas públicas.

Ana Maria Petronetto Serpa, secretária Municipal de Assistência Social

Ana Maria Serpam, secretária de Assistência Social | Cecília Figueiredo

Vinculadas ao eixo “Democratização da Gestão Pública”, as câmaras – Centro, Santo Antônio, Bento Ferreira, Maruípe, Praia do Canto, Continental, São Pedro e Jardim Camburi – são espaços de articulação do governo no distrito e seu principal papel é gerenciar e garantir a operacionalização das ações dentro dos parâmetros de qualidade e eixos estratégicos do governo. “Os diretores de escola, da Unidade Básica de Saúde, do Centro de Referência de Assistência Social muitas vezes se articulavam de forma pontual – e a população tem neles uma referência da gestão”, diz Ana Maria Petronetto Serpa, secretária Municipal de Assistência Social.

A experiência de organizar a cidade em Câmaras Territoriais começou pelo distrito de São Pedro, onde havia a maior taxa de homicídios. Em 2010, foram registradas na Grande São Pedro 38 ocorrências. No ano passado, caiu para 24, uma redução de 35%. “Incorporar diversos atores na formulação e decisão das políticas públicas, nos destinos da cidade, no fortalecimento da participação no poder local, para aprofundar e ampliar a disputa cotidiana de hegemonia, qualifica a educação política. Este é o objetivo que buscávamos: trazer um assunto antes setorial para uma ação de governo”, explica João José Barbosa Sana, secretário de Cidadania e Direitos Humanos.

Gestão integrada e desafios

A ação de combate à dengue, por exemplo, foi outra questão que ganhou visibilidade pelo envolvimento dos gestores. “Conversava com a Saúde, Educação, Obras, a engenharia”, completa o prefeito. O tema, em muitas cidades, trabalhado exclusivamente pela Saúde, foi recorrente nas reuniões mensais de sete das oito Câmaras Territoriais durante todo o ano de 2011 e produziu a discussão das equipes, a elaboração de ações variadas para enfrentar o problema em cada região.

A secretária de Gestão Estratégica acrescenta ainda que a Câmara Territorial proporciona aferir diagnósticos. “A gravidez na adolescência, por exemplo, tema que já havia aparecido como problema em pesquisa nas regiões de Maruípe, São Pedro e Santo Antônio, desencadeou uma campanha nas escolas. Ou seja, pode se desdobrar numa campanha com vídeos, materiais informativos, oficinas, como também num festival pela cultura da paz ou dar elementos mais precisos ao gestor local para produzir respostas”, elenca Marinely.

Além das reuniões mensais dos fóruns regionais, são realizados encontros e seminários para a troca de experiências entre os grupos da gestão que coordenam e participam de distintos territórios. “Identificar problemas, cuidar de cada um de forma coletiva e tornar isso uma experiência para outro território. Essas são funções da Câmara Territorial”, pontua o prefeito capixaba.

Um dos maiores ganhos do modelo integrado de gestão, em sua avaliação, é o aprendizado sobre cidadania. “Não atendo no gabinete. Hoje o cidadão capixaba tem consciência, isso está consolidado, de que o prefeito não faz favor, mas faz gestão do recurso que é pago por ele.”

Embora a equipe de secretários e secretárias aborde a riqueza dos debates que apontaram rumos para qualificar políticas para a juventude, no tratamento da questão de álcool e outras drogas, do Plano Nacional de Resíduos Sólidos, entre outros temas do espaço urbano, ainda há baixa adesão de alguns gestores locais e a falta de ações articuladas entre secretarias.

Esse é um dos desafios apontados por João Coser. “Hoje podemos dizer a maioria das equipes são mais solidárias, estão mais integradas, com exceções, mas que conhecem o diagnóstico dos territórios. Porque as soluções não são as mesmas em todas as regiões. Mas falta ainda avançar no aprendizado.”

Perto de concluir seu segundo mandato, o prefeito de Vitória defende, para futuros gestores e gestoras, o investimento na mudança de modelo. “A máquina não responde à nossa expectativa, é sempre mais lenta. Portanto, a integração da equipe de gestão faz diferença. Tudo tem de ser feito como se fosse em praça pública. Não há sucesso em política isolada. As ações devem ser desenvolvidas para cuidar do cidadão que representamos e atender de fato às reais necessidades. É preciso compreender também que fazemos parte de um projeto de país. Temos possibilidade de erro, mas com mais gente participando estamos mais próximos do acerto.” Coser conclui salientando que o modo petista de governar está sendo desenvolvido no país e é razão de orgulho para o Brasil lá fora.

Cecília Figueiredo é jornalista