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As eleições de 7 de outubro na Venezuela são importantes também para o futuro das forças progressistas e de esquerda na América Latina

A negação histórica da existência de um povo palestino, necessária para afirmar o status da terra como res nullius, como uma terra sem povo destinada ao povo a que fora prometida, mantém-se constante até hoje e é acompanhada da vilificação daqueles que estão “do outro lado”, daqueles menos civilizados, dos radicais, dos amantes da morte

Eleição na Venezuela tem grande importância para progressistas da região

Eleição na Venezuela tem grande importância para progressistas da região. Foto: Wilson Dias/ABr

As eleições presidenciais do próximo dia 7 de outubro na Venezuela são particularmente cruciais para o desenvolvimento do processo revolucionário socialista bolivariano. Dependendo do resultado, consolida-se e parte para uma etapa superior de conformação de uma sociedade socialista ou enfrenta um revés que significará brutal retrocesso ao status quo anterior próprio do regime capitalista de exclusão social que vigorou no país no século 20. A Venezuela, durante mais de meio século, foi o maior exportador de petróleo do mundo. Navios de guerra norte-americanos e europeus intervieram, no início do século 20, para apoiar um governo ilegal e tirânico que entregou o país aos monopólios estrangeiros. É bem conhecido que incalculáveis fundos saíram da Venezuela para engrossar o patrimônio dos monopólios e da própria oligarquia local.

As mais diversas pesquisas dão uma vantagem entre 20 e 30 pontos percentuais em favor de Hugo Chávez, do Gran Polo Patriótico (PSUV, Partido Comunista e setores do Patria para Todos e do Podemos) sobre seu único oponente de direita, Henrique Capriles Radonski, da Mesa de Unidade Democrática (MUD). A quatro meses do pleito tudo leva a crer que a diferença irá se sustentar e até se ampliar. Os dados são ainda mais significativos na medida em que, longe de se produzirem num cenário de apatia e distanciamento, foram levantados num contexto de interesse generalizado e crescente pela campanha eleitoral e uma maciça vontade do povo de participar das eleições. Se se confirmar a vitória de Chávez por expressiva margem, a sinalização é de que a revolução deve avançar vigorosamente.

Uma sociedade polarizada

A característica política da Venezuela é que sua sociedade está altamente polarizada e o fulcro da polarização é a figura, o carisma e a liderança do presidente Chávez.

Desde a primeira eleição de Hugo Chávez, em 1998, em especial depois da aprovação em referendo da nova Constituição votada pela Assembleia Constituinte de então, o país enveredou por um processo de transformações, naquela altura, sem uma caracterização definida. O Golpe de Estado de abril de 2002, abortado em 48 horas, em virtude da reação das massas que saíram às ruas para exigir o retorno de Chávez, e em especial a paralisação e a sabotagem petroleira organizada pela direção da PDVSA, apoiada pela grande imprensa e pela oligarquia, com o fim de desestabilizar e derrocar o governo bolivariano, provocaram uma dura e estrita polarização política.

A partir de então Chávez, por meio de programas sociais, começa a ampliar sua base social, ainda que sem uma base política organizada. Vence em 2004 o referendo revogatório que a oposição golpista queria que fosse o instrumento legal para sua deposição. A direita, apoiada na grande mídia nacional e internacional, alega fraude, mas é derrotada. Em 2005, a oposição, pretextando desconfiança no processo e na justiça eleitoral, desiste de participar das eleições legislativas, buscando deslegitimar o governo e suas instituições. Em 2006 Chávez é reeleito presidente com uma folgada margem.

Consolidação do processo revolucionário

Nesse momento, começa a se consolidar o processo revolucionário bolivariano, apoiado nas camadas mais pobres da população, que abraçaram os múltiplos programas sociais na área da saúde, educação e habitação principalmente. Estrutura-se o Partido Socialista Unificado da Venezuela (PSVU), de sustentação da revolução. Com sensível apoio social, Chávez e as demais lideranças passam a defender o caráter socialista do processo revolucionário, mantidas as características próprias, consubstanciadas no chamado bolivarianismo. Ao mesmo tempo, depois de um período de recessão, a economia cresce a taxas robustas, apoiada fortemente na renda petrolífera, mas também em avanços substanciais em outros setores. O preço do petróleo em alta permitiu à PDVSA estender seus ingressos a um amplo espectro de programas sociais, da seguridade alimentar ao plano de habitação popular.

Sem avaliar devidamente o grau de consciência ideológica da população e a correlação de forças, o governo Chávez sofreu sua primeira e única derrota no referendo de 2007, que pretendia alterar vários artigos da Constituição com o fim de alicerçar o avanço em direção ao socialismo. A pesada lição serviu para reavaliar o processo e partir para a consolidação das políticas sociais, com resultados alentadores, para reforçar o PSVU e para incrementar a economia. Em 2009, convocado novamente para um referendo de reforma constitucional, o povo aprovou uma emenda que permitia a Chávez postular novamente a candidatura à Presidência. Em 2010, novas eleições legislativas, agora com a participação da oposição, propiciaram maioria simples de cerca de 60% em favor do governo.

Os obstáculos

Malgrado os significativos avanços sociais, restam pesados obstáculos a superar: o alto índice de criminalidade e marginalidade; a corrupção, um mal tradicional que se enraizou em décadas de dependência exclusiva do petróleo e se estendeu por toda a sociedade, a exigir uma reeducação; taxas inflacionárias ainda excessivas; produção agropecuária insuficiente; e industrialização de ainda pouca amplitude.

As eleições presidenciais na Venezuela são cruciais também para o futuro das forças progressistas e de esquerda na América Latina. Seu resultado pode se traduzir num novo impulso em direção a sociedades mais justas, com inclusão social, progresso e distribuição de renda, a consolidação das forças populares, de esquerda e progressistas, o reforço de organismos de integração regional dos países da América do Sul e da América Latina e Caribe, como a Unasul, a Celac e a Alba. Ou o recuo ao período sombrio do neoliberalismo.

A insistência da oposição em imaginar cenários alternativos para o 7 de outubro revela sua angústia ante o único cenário real: tem de se confrontar com um líder de credibilidade e legitimidade nas eleições presidenciais, com um clima de construção progressista e solidária e com a vitalidade de um movimento popular dinâmico em curso, que confia nas próprias forças para novas conquistas, porque são metas da imensa maioria da população. Os inimigos internos e externos da revolução preferem o caos antes que o desenvolvimento justo, ordenado e pacífico do país.

O fracasso nas pesquisas eleitorais, à medida que se aproxima o 7 de outubro, pode desencadear atitudes violentas por parte de setores da direita, estimulados diretamente por Washington. O Bank of America Merryll Linch chegou a afirmar que “o alto nível de apoio eleitoral que tem Chávez restringe as possibilidades de mudança e torna improvável um triunfo opositor nas eleições de 7 de outubro”. Isso significa que Chávez e a revolução socialista bolivariana estão a enfrentar agudamente o império, a burguesia local e seus aliados internacionais, a mídia privada local e internacional, que mancomunados podem se dispor a tudo para evitar ou deslegitimar uma consagradora vitória de Chávez e da revolução socialista.

Finalmente, há outro fator a considerar. O presidente Chávez está acometido de grave doença e luta denodadamente para superá-la. Seu papel em todo o processo é rigorosamente fundamental e sua liderança política e popular indispensável ao avanço das conquistas sociais. Contudo, concomitantemente, a dinâmica do processo vai revelando novas lideranças que estão em condições de dar prosseguimento a essa histórica revolução. É o caso de Nicolás Maduro, ministro do Exterior; Elias Jaua, vice-presidente executivo; Rafael Ramirez, ministro de Energia e Minas e presidente da PDVSA; Adam Chávez, governador do Estado de Barinas; Diosdado Cabello, presidente da Assembleia Nacional; Jorge Rodrigues, prefeito de Caracas e chefe do comando de campanha de Chávez.

Max Altman é membro da Secretaria de Relações Internacionais do Partido dos Trabalhadores