Internacional

Na reta final da campanha eleitoral para a Presidência do México, um país submerso na violência e na pobreza, pode emergir uma força alternativa

No México, a menos de um mês das eleições, no próximo 1º de julho, o resultado é incerto. Mesmo diante do poder dos meios de comunicação, do poder da imagem e das redes corporativas do PRI, a mobilização da sociedade, do movimento estudantil, vinda de baixo, pode construir uma força alternativa

Estudantes repudiam manipulação midiática no México

Estudantes repudiam manipulação midiática no México. Foto: Site organizado pelos estudantes mexicanos

As eleições mexicanas de 2012 para a Presidência da República serão realizadas no domingo 1º de julho. Ou seja, pouco depois do término da primavera boreal e bem no início do verão. A primavera, porém, poderá inesperadamente se estender um pouco mais, pelo que se vê neste momento em que escrevo estas linhas e contra toda lógica, conforme narro a seguir.

A cada seis anos nós, mexicanos, elegemos o presidente da República e renovamos totalmente o Congresso da União e as duas Câmaras – a de senadores (128 cadeiras) e a de deputados (500). Além disso, em alguns estados também haverá eleições. É o caso do Distrito Federal, capital da República, onde elegeremos o chefe de governo (prefeito), os membros da Assembleia Legislativa e as Delegações-Chefes, que são os dezesseis governos locais em que se divide a cidade.

Esclarecendo melhor, no México não há reeleição imediata para nenhum desses cargos. No caso da Presidência da República, concorrem Andrés Manuel López Obrador, o candidato das esquerdas, representadas pelo Partido Revolucionário Democrata (PRD), pelo Partido do Trabalho (PT) e pelo Movimento Cidadão; a candidata da direita no governo, Josefina Vázquez Mota, do Partido Ação Nacional (PAN), de Felipe Calderón; e Enrique Peña Nieto, do Partido Revolucionário Institucional (PRI), sigla que governou o país ininterruptamente de 1946 até 2000.

É preciso também acrescentar que estamos estreando uma nova lei eleitoral que proíbe que partidos, pessoas e empresas comprem espaço no rádio e na televisão para propaganda eleitoral. Os spots ou mensagens para conclamar votos para um partido ou candidato são gratuitos, concedidos pelo Estado e com duração estipulada pela autoridade eleitoral. O número de mensagens é outorgado segundo uma fórmula que inclui a votação obtida na última eleição federal (neste caso, a de 2009, que renovou parcialmente o Congresso). As empresas de televisão deflagraram uma agressiva campanha contra essa reforma, o que também explica seu apoio a Peña, que se comprometeu a “revisar a lei” em um futuro próximo.

As campanhas começaram no fim de março e duram noventa dias. A primeira metade se passou dando a impressão de que o candidato do PRI teria uma suposta maioria a seu lado. Afinal, com o apoio dos meios privados de comunicação, Peña conseguira construir nos últimos anos uma imagem de candidato diferente, jovem, bem-sucedido e boa-pinta, na opinião geral.

Ele era a cara renovada do velho PRI, o qual se beneficiava do desastre do governo panista de Calderón, que fracassou ao não produzir bons índices em termos de crescimento econômico, de emprego e superação da pobreza, mas sobretudo pela dramática violência desatada em sua gestão, que deixou mais de 50 mil mortos e outras vítimas: feridos, viúvas, órfãos e milhares de famílias destroçadas.

A explicação para tantas mortes poderia ocupar muito espaço. Basta dizer que diariamente há notícias de pessoas executadas pelos bandos do crime organizado e nunca se sabe, com certeza, se morreram devido a ajustes de contas, tentativas de sequestro, chantagem, ou simplesmente porque estavam passando no lugar errado, na hora errada… Outras causas são tiroteios entre autoridades e delinquentes, e também há vítimas de excessos das autoridades militares e policiais contra civis indefesos que, eventualmente se sabe, nada tinham a ver com os delinquentes, mas pareciam suspeitos.

<--break->Essa violência, às vezes extremamente cruel e aparentemente irracional, é resultado de uma guerra declarada por Calderón no início de seu mandato, incumbindo o Exército mexicano de empreendê-la. Tal guerra disparou a violência e não tem detido o tráfico, o consumo e a venda de drogas nem outros crimes associados, como o sequestro e os assaltos, porque foi mal pensada e mal planejada. A ideia era que perseguir os chefões e suas quadrilhas seria suficiente, o que obviamente não funcionou. Combater o crime organizado requer muito mais que força militar. Requer também controlar a lavagem de dinheiro dentro e fora do país, ter um aparato de inteligência que não esteja infiltrado pelos cartéis, um sistema de juízes e autoridades que não estejam corrompidos e, por fim, um trabalho de reconstrução das comunidades para que não protejam nem alimentem o crime organizado com recrutas jovens.

Nada disso foi feito antes de iniciá-la e pouco foi feito depois. A única coisa que se conseguiu foi multiplicar as guerras: entre os próprios cartéis da droga, entre alguns destes e algumas autoridades, entre outras quadrilhas e outras autoridades, e às vezes de todos contra todos.

Mas Peña, o candidato do PRI, também se beneficiou das divisões das esquerdas e de seus erros. Assim, se em 2006 as esquerdas haviam obtido com Andrés Manuel 14,7 milhões de votos (35,33% da votação nacional, segundo números oficiais), em 2009, quando o Congresso foi renovado apenas parcialmente, o PRD teve aproximadamente 6,3 milhões de votos, menos de 20% da votação total. O PAN também teve uma queda de quase 15 milhões de votos, de 35,89% para 30%, com menos de 10 milhões de votos. E, obviamente, o PRI aumentou sua votação de 9 milhões (22,23%) para quase 13 milhões (cerca de 40%).

Na época, as esquerdas se viam em uma situação de declínio difícil de superar. Todavia, conseguiram reverter parte do prejuízo, mediante uma reunificação realizada no final do ano passado sobretudo dentro do PRD, com a designação de Andrés Manuel como candidato presidencial com o apoio de todos os partidos e lideranças e com uma nova estratégia que tratava, conforme a lição aprendida com a experiência de 2006, de estabelecer novas alianças, renovar o discurso e montar uma organização mais eficiente da campanha, da defesa e da vigilância do voto.

Até meados de maio, Andrés Manuel lutava tenaz, dura e esforçadamente no terceiro lugar, em uma campanha que parecia decidida desde antes de seu início. Muitos eleitores, sobretudo os independentes, que não se identificam com nenhum partido, se mostravam tomados por um espírito de fatalidade e resignação.

As coisas começaram a mudar em 6 de maio, quando houve o primeiro debate entre os candidatos. Embora sem maior brilho, Andrés Manuel obteve alguns pontos de vantagem sobre Peña e Josefina. Mas o que aconteceu poucos dias depois pegou todo mundo de surpresa, conforme acontece muitas vezes na política e na história.

<--break->Yo Soy #132

Na manhã de 11 de maio, uma sexta-feira, Peña foi a uma assembleia de estudantes e professores da Universidad Iberoamericana. Andrés Manuel já havia estado nesse tipo de encontro e obtivera ótima resposta dos estudantes. Peña, porém, achou que estava em uma posição de força e poderia enfrentar públicos hostis, se gabar diante de seus adversários.

É importante dizer que a Ibero é uma universidade privada mantida por jesuítas. Até alguns anos atrás, seus alunos eram los chicos de la Ibero, ou seja, estudantes da classe média alta que recebiam boa formação profissional em troca do pagamento de cotas relativamente altas. Embora essa universidade nunca tenha sido controlada pela direita intelectual, os chicos de la Ibero pareciam distanciados do movimento estudantil e das universidades públicas, sobretudo da Universidad Nacional Autónoma de México (Unam).

O que aconteceu na sexta-feira 11 de maio agora é parte da história política mexicana. Peña chegou em meio a gritos de repúdio que cessaram quando ele tomou a palavra. Parecia que o tinham deixado em paz. Mas, no final, topou responder a uma pergunta sobre o movimento de Atenco em 2006, duramente reprimido quando ele era governador. Não só a polícia atacou os manifestantes com extrema violência, tirando a vida de um jovem estudante, como as pessoas presas sofreram torturas e violações sexuais. Na Ibero, Peña defendeu sua atuação citando o princípio de autoridade do Estado. Os estudantes que até então o haviam escutado com respeito, já que ele era seu convidado, revidaram. Além de se despedirem com gritos de “assassino, assassino” e “Atenco, Atenco”, o perseguiram na saída. Peña conseguiu chegar a seu carro e partir sem maiores problemas, mas era a primeira vez em toda a campanha que recebia um tratamento desse tipo.

Nos dias seguintes, o repúdio estudantil se tornou um movimento que brotou de todas as partes, de todas as universidades da cidade e do país. Foram organizadas várias marchas e assembleias que reuniram milhares de estudantes. A princípio, a Televisa, principal rede de televisão, e alguns jornais ignoraram esses jovens e até os acusaram de ser agentes pagos de Andrés Manuel e de falsos estudantes da Ibero. Então, os jovens fizeram um vídeo divulgado no Facebook, com repercussão no Twitter, no qual 131 estudantes mostravam suas credenciais de alunos da universidade para provar que eram mesmo estudantes, reiterar seu repúdio a Peña e se queixar da manipulação midiática de seu movimento.

O protesto juvenil se expandiu rapidamente até virar a notícia diária mais relevante, sobrepujando até aquelas sobre as campanhas dos candidatos. O movimento assumiu o nome Yo Soy 132. Dezenas de milhares de estudantes em muitas cidades do país eram o estudante 132.
<--break->Assim surgiu um movimento estudantil organizado contra Peña e contra a manipulação midiática, a qual havia transformado o candidato do PRI no favorito da campanha, no quase-que-certamente-próximo-presidente-do-México. Uma manipulação que era desmascarada pela mobilização dos estudantes mexicanos.

O repúdio e a indiferença deram lugar à surpresa e ao desconcerto e, a seguir, à aceitação do protesto. Uma semana após a famosa sexta-feira negra de 11 de maio, a Televisa começou a fazer amplas reportagens e entrevistas abordando o movimento estudantil. Peña Nieto tentou absorver as críticas assinalando que, como presidente, respeitaria todas as vozes dissidentes, sem reprimi-las. Indubitavelmente, porém, os ânimos da sociedade mudaram.

Muitos estudantes que repudiam Peña e a Televisa simpatizam com Andrés Manuel. E, embora o movimento continue se dizendo apartidário para manter a unidade, o candidato das esquerdas conseguiu reunir, em 22 de maio, milhares de jovens em um encontro na Plaza de las Tres Culturas, local emblemático para o movimento estudantil devido à matança de 1968. Em um ato pleno de emoção, os estudantes demonstraram abertamente seu apoio ao candidato das esquerdas.

No entanto, nessas primeiras semanas houve quem dissesse que as marchas estudantis representavam um protesto legítimo que devia ser levado em conta, mas dificilmente se converteriam em votos. Falaram da “Primavera Mexicana”, em uma alusão à Primavera Árabe desencadeada no início de 2011, que conseguiu derrubar os ditadores do Egito e da Tunísia. Ou talvez o termo tenha surgido porque identificaram o movimento estudantil mexicano com a reivindicação democrática (sobretudo contra o monopólio da Televisa e pelo que o PRI representa), pois o movimento se organizou através do Facebook e do Twitter, ou simplesmente porque se estava no mês de maio. Outros compararam os estudantes mexicanos com os indignados espanhóis, com os norte-americanos do Occupy Wall Street ou com os estudantes chilenos. Mas o nome consolidado na imprensa foi “Primavera Mexicana”.

E, mais uma vez de repente, sem que ninguém esperasse, os norte-americanos também opinaram. Em 22 de maio as autoridades do Texas solicitaram o embargo de várias propriedades de Tomás Yarringorn, um ex-governador do PRI no estado nortista de Tamaulipas, sob a alegação de que haviam sido compradas com dinheiro do narcotráfico. A acusação de lavagem de dinheiro não resultou em uma ordem de apreensão contra essa Yarringorn, mas sim contra vários de seus colaboradores mais próximos. O fato é que isso foi um novo terremoto político no PRI. De imediato, o expulsaram do partido e pediram uma investigação, admitindo que, caso fosse culpado, ele deveria pagar por seus erros. Mas já haviam circulado as fotos de Yarrington abraçando Peña carinhosamente durante a campanha eleitoral, tiradas apenas algumas semanas antes. O caso continua sob investigação, mas o dano político estava feito. Quem sabe a intenção do governo norte-americano tenha sido mandar a mensagem de que não aceita que o México passe de um Estado falido para um Narcoestado.

Nesse clima conturbado, houve também uma má notícia para as esquerdas e seu candidato. Na segunda-feira 28 de maio, Javier Sicilia, um poeta mexicano que, ao protestar pelo assassinato de seu filho por um bando criminoso, se converteu em representante do movimento das vítimas da violência, de muitos dos 60 mil mortos ou desaparecidos, teve um encontro público com os candidatos à Presidência. Quando ele dialogou com Andrés Manuel, as discrepâncias afloraram. Apesar de encontros e coincidências anteriores, esse foi um diálogo ríspido. Levado ao extremo, Sicilia resume essa sensação fatalista de que todos os partidos e seus candidatos são iguais. Angustiado com a violência e a indiferença das instituições do Estado, ele acha que a política está completamente corrompida e ninguém nem nada, incluindo os processos eleitorais, salvará o país de sua catástrofe atual.

Com tudo isso pairando no clima político mexicano, a pergunta continuava no ar. O movimento estudantil conseguiria mudar a opinião de milhões de eleitores, baixar as expectativas tão infladas de Peña, tornar a campanha eleitoral mais competitiva e aumentar o ânimo dos eleitores e dos meios de comunicação?

<--break->De terremoto em terremoto

Na quinta-feira 31 de maio, foi divulgada a primeira pesquisa eleitoral com uma mudança radical em relação a todas as anteriores. No início da campanha quase todas as sondagens davam uma diferença de 20 pontos de vantagem a Peña sobre Josefina e até de 25 sobre o terceiro lugar, ou seja, Andrés Manuel. Após o debate, as coisas melhoraram para o candidato das esquerdas, que ultrapassou Josefina e ficou em segundo lugar, mas as cifras eram de dois dígitos (termo muito elegante que significa mais de dez pontos) de diferença com Peña. Nessa quinta-feira, porém, a tal pesquisa publicada em um dos jornais diários mais importantes do país indicava que a disputa entre o candidato do PRI e Andrés Manuel seria muito parelha. A diferença entre ambos havia caído para quatro pontos (38% contra 34%), enquanto Josefina detinha apenas 23%.

Praticamente desde o início da campanha se reconhecia que as esquerdas tinham uma expectativa de voto muito alta no centro do país, sobretudo na capital da República. Aqui se admitia que Andrés Manuel superaria Peña. Os candidatos das esquerdas para presidente e chefe do governo do DF (Mancera) têm intenção de voto superior a 55% frente a seus adversários do PRI e do PAN, com cerca de 20 pontos cada um, segundo os dados mais recentes. A diferença entre as expectativas de voto na capital e no resto do país causava estranheza e desconfiança. Mas afinal, se dizia, o México é um país muito grande e diversificado...

A pesquisa de 31 de maio causou um novo terremoto político. A partir de então e até agora, a menos de um mês do término da campanha, de terremoto em terremoto, a eleição presidencial está em seu melhor momento…

A conclusão é que, até 1º de julho, a eleição mexicana pode dar uma reviravolta espetacular. A “Primavera Mexicana” pode triunfar no verão. Já se reconhece em todos os meios e nas ruas que o resultado é incerto. Talvez, porém, o mais importante é que, mesmo diante da máquina poderosa dos meios de comunicação, do poder da imagem e das redes corporativas do PRI, a mobilização da sociedade, vinda de baixo, pode construir uma força alternativa. Um espaço de luta que, no caso do México, não foi encampado pelos partidos nem por Andrés Manuel, mas sim pelo que ele representa: uma esperança de mudança baseada na justiça, na honestidade, no desenvolvimento e na luta contra a pobreza. Valores essenciais que hoje fazem a grande diferença para reconstruir um país submerso na violência, na pobreza e no desgoverno.

Cidade do México, 6 de junho de 2012

Tradução: Thais Costa

Saúl Escobar Toledo é secretário do Departamento de Relações Internacionais do PRD