Política

Na relação entre Parlamento e Executivo, cabe aos parlamentares da situação e da oposição ir além do “votar a favor” ou dificultar essa tarefa

Uma lacuna político-ideológica tem impedido que o PT avance no plano político partidário, dificultado a relação das bancadas com os Executivos e, sendo governo, complicado sua ação global com os movimentos sociais. O partido tem o desafio de fazer da bancada ponto expressivo de apoio na definição de políticas públicas, no plano das construções legais e da mobilização política da população

PT precisa estar na vanguarda do pensamento transformador da sociedade

PT precisa estar na vanguarda do pensamento transformador da sociedade. Foto: Marcelo Casal/ABr

As ações técnico-administrativas de um governo carecem de apoio político no Parlamento e na sociedade. Em um regime democrático, o processo de construção de consensos e apoios segue ritos formais e informais complexos, mediados, cada vez mais, pelos canais de comunicação de massa, rádios, jornais, televisões abertas e fechadas e, fenômeno crescente, pelas chamadas redes sociais.

Talvez estejamos caminhando, ajudados pela tecnologia, para o possível exercício da democracia direta em que as pessoas, além das sondagens de opinião sujeitas sempre a contestações políticas, possam ser ouvidas, de forma segura, censitária e em tempo real, sobre assuntos candentes. O que era antes impensável já pode ser concebido como algo factível em um futuro próximo.

Esse quadro de mudanças profundas exige de todos nós, militantes políticos e os que exercem funções de representação política ou administrativa, investigar, estudar e mudar procedimentos e atitudes em face dos processos decisórios que criam e executam políticas públicas.

Um aspecto importante desse debate é a relação entre o Legislativo e o Executivo. No embate de forças de oposição versus situação, a famosa "base do governo" coloca, com frequência, ao parlamentar da situação a tarefa de "aprovar os projetos do governo" e, ao de oposição, a missão de dificultar essa tarefa. Do ponto de vista pragmático do exercício político diário, somos levados a entender que "é isso mesmo". O exercício da política, entretanto, não se pauta apenas pela lógica da visão pragmática. Sobre ela opera também a lógica da razão do interesse público. E este pede mais. Pede que sejamos capazes de construir consensos, articular ações eficazes e alimentadoras da legitimidade social transformadora.

A atuação conjunta Parlamento e Executivo

E, nessa ótica, cabe a seguinte questão: como o Parlamento e o Executivo devem atuar, além do “votar a favor” e do "obter recursos para ações pontuais que favoreçam meus eleitores"?

Essa questão impõe ao PT um grande desafio, entre tantos que tem. Fazer da bancada um ponto expressivo de apoio na construção da definição de políticas públicas no plano das construções legais e da mobilização política junto à população. De ir além de ser um suporte às votações.

Tenho a narrar uma experiência exitosa que ultrapassa os limites da bancada petista, mas tem parlamentares nossos na liderança. Trata-se da construção do Simples Nacional. Desde sua criação, no primeiro governo Lula, em 2007, esse sistema tributário diferenciado voltado para as micro e pequenas empresas já sofreu quatro alterações por meio de projetos de lei de autoria de membros da Frente Parlamentar Mista da Micro e Pequena Empresa, composta por deputados federais e senadores de todos os partidos.

Parlamentares petistas têm ocupado a presidência da Frente e o conjunto tem interagido profundamente com o governo (Ministérios da Fazenda, da Previdência e do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior) e com entidades como o Sebrae, a Federação Nacional das Empresas de Serviços Contábeis e das Empresas de Assessoramento, Perícias, Informações e Pesquisas (Fenacon) e a Confederação Nacional da Microempresas ou Empresas de Porte (Comicro). Tem sido um genuíno trabalho de construção, não só legislativa, mas também no campo da execução. Durante a implantação do Microempreendedor Individual (MEI), nova categoria de trabalho que congrega ambulantes e toda sorte de atividades de produção e serviços, os parlamentares da Frente saíram a campo para divulgar e sensibilizar a sociedade, principalmente os empreendedores individuais e as prefeituras, fazer as coisas acontecer.

Pergunto-me por que essa situação é exceção, e não regra? Porque, várias vezes, somos surpreendidos com notícias de programas lançados e nos indagamos por que tantos de nós, que somos também, uns técnicos, outros ex-gestores, todos experientes políticos, não poderíamos ter estado mais próximos do processo interno do Executivo, em que programas e ações de políticas públicas são gestados e, assim, criar maior cumplicidade na construção coletiva do porvir.

Quais as razões desse hiato? De quem é a responsabilidade? De fato há razões aparentes facilmente detectáveis. O dia a dia do Executivo é algo absolutamente triturante. Além de superar as barreiras internas da burocracia, não é fácil ter de interagir com um conjunto amplo de parlamentares ávidos por conseguir objetivos imediatos muitas vezes incompatíveis com as possibilidades da realidade financeira e administrativa da gestão pública.

A função do partido

E aí que entra o papel do PT. Tenho ouvido com muita atenção companheiros que dizem: o PT transferiu sua organicidade relevante para os mandatos parlamentares. Perdeu a organicidade partidária. Será? Tenho sentido também muitos setoriais se dedicarem à tarefa de se digladiar em disputas fratricidas nas quais o que está em jogo não são teses, mas, sim a hegemonia das nossas correntes. E, por falar em correntes, quais são mesmo as distinções programáticas que as justificam? Por onde andam, além das prateleiras que abrigam as teses apresentadas nos PEDs?

Como então esperar do Executivo que nos dê abrigo para co-autoria programática?

Governamos com uma ampla frente política. Repleta de partidos com muitas e diversas índoles. Mas não faltará partido que se apresente, em breve, para nos suceder nesse espaço de centro-esquerda que ocupamos hoje, se não nos apressarmos em nos colocar, realmente, como vanguarda do pensamento transformador da sociedade.

Falo em pensamento, pois ação transformadora temos de sobra, em nossas prefeituras, nos estados que governamos e no governo federal. Mas sinto que falta um cimento agregador no plano da formulação teórica e, principalmente, no plano da estratégia política visando assentar o Brasil como paradigma de Estado democrático, de firme caminhar inclusivo, de inequívoca trajetória socialista.

É essa lacuna político-ideológica que nos tem impedido de dar um salto de qualidade no plano político-partidário e dificulta a relação das bancadas com os Executivos. E, por sermos governo, tem dificultado também nossa relação partidária global (e não setorial) com os movimentos sociais. Temos muitos ajustes de contas a fazer com os movimentos sociais. Em ambos os sentidos. Vamos ficar assim?

Como será o Brasil em 2062? Apenas cinquenta anos nos separam desse futuro. Foi ontem 1962. Eu estava marchando no Colégio Militar e meu pai era um militar do Exército, reformado, que apoiava as Ligas Camponesas de Chico Julião. Parece que foi ontem. O futuro está logo ali. Como vamos nos transformar para poder forjar esse futuro?

Pedro Eugênio é deputado federal e presidente do PT de Pernambuco