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O projeto antecipou-se à lei de eliminação dos lixões e envolve diversos setores com objetivos ambientais educacionais, econômicos e sociais

Em 2011, Rio Branco recebeu o Prêmio Caixa Melhores Práticas em Gestão Local com o projeto Sai do Lixo, que mostra a cadeia de sustentabilidade socioeconômica e ambiental de coleta e disposição de lixo gerada pela Unidade de Tratamento e Disposição Final de Resíduos Sólidos Urbanos (Utre)

Projeto Sai do Lixo mostra cadeia de sustentabilidade na coleta e destinação de

Projeto Sai do Lixo mostra cadeia de sustentabilidade na coleta e destinação de resíduos. Foto: Arquivo Prefeitura de Rio Branco

Em 2011, Rio Branco recebeu o Prêmio Caixa Melhores Práticas em Gestão Local com o projeto Sai do Lixo, que mostra a cadeia de sustentabilidade socioeconômica e ambiental de coleta e disposição de lixo gerada pela Unidade de Tratamento e Disposição Final de Resíduos Sólidos Urbanos (Utre). Um projeto tem origem em 2005, quando Raimundo Angelim assumiu a Prefeitura de Rio Branco.

Na ocasião, todo o resíduo produzido pelo município recolhido por carroças e caçambas era despejado em um lixão irregular, vulnerável a incêndios e explosões, devido ao gás nele confinado. Uma verdadeira área de risco. Fato que já tinha levado o Instituto de Meio Ambiente (Imac) a determinar que a prefeitura firmasse um Termo de Ajustamento de Conduta para solucionar a questão. Ainda em função do depósito completamente irregular, o município foi notificado pelo Ministério Público Federal. Além de o local ter sua capacidade exaurida, gerando grandes impactos ambientais, era patente a inexistência de políticas públicas municipais para a área.

A partir de então um novo local para a instalação de um aterro sanitário passou a ser prioridade da administração. “Concomitante a isso se deu a elaboração de uma proposta de remediação desse local do lixão como medida mitigadora dos impactos da disposição indevida”, explica Fabiana Campelo, coordenadora da Utre, sob gestão da Secretaria Municipal de Serviços Urbanos (Semsur).

Foram tomadas algumas medidas para transformar o lugar em um aterro controlado, com “melhorias na célula de disposição final, fazendo compactação, recobrimento, reconformação dos taludes e melhoria do acesso, além da construção de uma nova célula de disposição final, já compactada, com drenagem de chorume, como orientam as normas e resoluções”, conta a gestora. Hoje o local não recebe mais nenhum tipo de resíduo e os processos de remediação da área estão sendo finalizados. Não há mais nenhum indicativo de que tenha sido um lixão. Para quem não conhece, trata-se simplesmente de uma área ociosa, que tem até vegetação.

Em 2006, a prefeitura conseguiu financiamento da Caixa Econômica Federal, por meio do Ministério das Cidades, para a construção da Utre, antecipando-se às exigências da Política Nacional de Resíduos Sólidos (Lei nº 12.305 de 2010), que determina a eliminação dos lixões e exige várias outras estruturas complementares a serem implantadas pelos municípios até 2014. O projeto de instalação da Utre foi aprovado após duas audiências públicas, uma para apresentar às comunidades circunvizinhas a unidade e seus benefícios e outra no auditório da Embrapa, com debates com pesquisadores, técnicos de universidades locais e ambientalistas. Construída em uma área de 80 hectares, a Utre utiliza apenas 25% do terreno, com boa margem para futura expansão.

Reestruturação do sistema

A total reestruturação do sistema de limpeza pública de Rio Branco abarca objetivos como tratar e dar destinação adequada aos resíduos sólidos produzidos, coletar e acondicionar resíduos sólidos, reciclar resíduos orgânicos e inorgânicos e promover inclusão social, geração de emprego e renda, educação ambiental e preservação do meio ambiente.

As instalações da Utre contam com o prédio administrativo, um auditório, sala de reuniões, refeitório, dormitório, ambulatório, sala de educação ambiental, utilizada para oficinas com crianças, laboratório de monitoramento ambiental, onde são feitas as análises de resíduos semanais e mensais, balança rodoviária, depósito e setor de material.

Segundo Fabiana, “como indica a legislação, o aterro sanitário tem, além de isolamento, cercamento e segurança, impermeabilização de toda a sua base para evitar a contaminação dos lençóis freáticos e do solo. Os 5 hectares do aterro são completamente impermeabilizados com uma manta de polietileno de alta densidade -- 1,5 mm, quando a densidade usual é de 0,8 mm ou 0,9 mm. Por ter sido uma área de exploração de piçarras (material granular formado por fragmentos de rocha), o terreno oferece ainda maior coeficiente de impermeabilização.

Após serem identificados, recicláveis seguem para triagem. Foto: Rose Spina

Todo o líquido da decomposição da matéria orgânica é drenado para o sistema de tratamento de efluentes, composto por três lagoas (anaeróbia, facultativa e de maturação). Hoje os gases produzidos são canalizados e queimados, mas o projeto da Utre trabalha com a perspectiva de utilizá-los para geração de energia na própria usina – o que ainda não acontece porque o volume é insuficiente.

A Utre tem uma unidade de tratamento de resíduos de serviços de saúde, com dois veículos específicos para a coleta do material passível de ser tratado pelo sistema, como frascos de medicamento, peças anatômicas, material cortante, mas nenhum tipo de produto químico. Depois de esterilizado na autoclave, tudo é triturado, tratado e destinado ao aterro.

Todo material que entra na unidade e é identificado em inspeção prévia na balança como reciclável vai para a usina de triagem, operacionalizada pela Cooperativa de Catadores (Catar), com apoio técnico e supervisão da Coordenadoria Municipal de Trabalho e Economia Solidária (Comtes), órgão vinculado ao gabinete do prefeito. Geralmente o maior volume desse material é gerado por empresas que entregam na Utre seus resíduos (rebarbas e restos de plástico, por exemplo), além do material da coleta seletiva feita pela prefeitura, também doado à cooperativa. Todo o material reciclável é comercializado pela Catar. Outra unidade recebe o lixo orgânico de feiras e mercados e todo material identificado como resíduo orgânico. Gerenciada pela Secretaria Municipal de Agricultura e Floresta (Safra), a unidade de compostagem recebe ainda o material de podas e cortes de galhadas feitas pela prefeitura, que chega triturado. Toda a matéria final dessa unidade é destinada às hortas comunitárias, programa realizado em parceria com a Comtes.

A unidade possui um ecoponto destinado a pneus, que a cada três meses, aproximadamente, são recolhidos pela Associação Nacional da Indústria de Pneumáticos. O consumidor já paga um valor agregado para disposição final dos pneus, uma vez que não podem ir para aterro. Esse é um aspecto da legislação ao qual a Utre também se antecipou. Já recolheu mil toneladas de pneus.
“Apesar de Rio Branco ser uma cidade em construção, e não em demolição”, como lembra a gestora, possui uma unidade de resíduo de construção civil e demolição, como areia, brita e pedra. Ainda que muito desse material seja aproveitado nas próprias obras.

Incluindo todos os resíduos, são destinados à Utre mensalmente 200 mil toneladas em média e 227 toneladas diárias. Há também o sistema de monitoramento ambiental, com análises feitas mensalmente por um laboratório especializado, seguidas de laudo emitido pelo técnico responsável e encaminhado ao Instituto de Meio Ambiente do Acre (Imac), órgão estadual, e à Secretaria Municipal de Meio Ambiente (Semeia).

Gestão compartilhada

A Utre tem como grande diferencial a gestão compartilhada entre três secretarias e uma coordenadoria. A Semsur, de serviços urbanos, é responsável pela gestão administrativa e técnica da coleta e pelo destino final dos resíduos, enquanto a Semeia é encarregada da estratégia de educação ambiental, coleta seletiva, reciclagem e do monitoramento ambiental dentro da unidade. A Safra, de agricultura e floresta, coordena a produção de adubo orgânico dentro da Utre, destinado à agricultura familiar, hortas comunitárias da economia solidária, viveiros e canteiros da cidade administrados pela Semeia. E a Coordenadoria Municipal do Trabalho e Economia Solidária acompanha o processo produtivo e gerencial da Catar, bem como a articulação com o mercado. Vale dizer que uma empresa privada é detentora do contrato de operação e manutenção do aterro.

Reunimos os quatro gestores para saber como isso funciona na prática. Todos afirmam que não há competitividade entre as secretarias e as coordenações.“A Semsur faz a gestão o dia a dia, mas cada um tem seu papel, respeitando os limites de cada órgão, e os resultados sempre foram tratados como coletivos, da prefeitura com o projeto Utre, e não de cada integrante da equipe ou secretaria”, diz Dalva Martins, representando a Safra.

A secretária de Meio Ambiente, Silvia Brilhante, considera mais fácil trabalhar em conjunto porque o meio ambiente é transversal. O estudo da área a ser instalada e a elaboração do projeto Utre tiveram forte presença da secretaria, mas tratamento de resíduos sólidos não é uma questão de operação e gestão do meio ambiente, mas de limpeza pública. Então, desde a concepção o trabalho foi coordenado pelas duas secretarias. É muito claro o papel de cada uma, segundo ela.

Fabiana Campelo, da Utre, diz que todo o processo de acompanhamento e avaliação do projeto, assim como as decisões, é realizado em conjunto, a ponto de na ausência de um componente todos os outros terem condições de responder pelo seu trabalho.

“Estamos elaborando um projeto de reestruturação da coleta seletiva, atendendo a edital do Ministério do Meio Ambiente lançado para 150 cidades. Embora o projeto seja da Semeia, sua elaboração é feita em conjunto”, conta Silvia.

Na opinião da secretária, “houve uma estratégia de divulgação da coleta seletiva inicial, mas isso não é questão de marketing ou publicidade. É necessário convencer a mudança de comportamento da população. É preciso um trabalho maior, pois estamos convidando as pessoas a se reprogramar. O cidadão tem de se sentir parte, preocupado e comprometido. É mudar hábitos todos os dias, para o resto da vida”.

A coleta seletiva foi implantada em janeiro de 2010, e o programa Qualidade de Vida em Rio Branco tem trabalhado com palestras nas escolas, mircro-orientações nas casas feitas por estagiários, cobertura de eventos, fixação de placas e visitação à Utre, pois, como diz a secretária, é emblemática. “Ver aquela montanha de lixo produzido mexe muito com a pessoa.” São várias frentes, mas ainda insuficientes para o resultado que se almeja.

No interior da Utre, a educação ambiental é realizada levando as crianças pelas trilhas ecológicas, identificando aspectos da fauna e flora na área, e também por meio de palestra educacional e oficina de materiais recicláveis.
Evandro Rosas, coordenador Municipal do Trabalho e Economia Solidária, lembra o trabalho realizado com os catadores, agentes que promovem a conservação ambiental, reúso e reciclagem de materiais. “Colocamos os catadores em contato com o Movimento Nacional de Catadores, que esteve na cidade, deu palestras, uma verdadeira troca de experiências. Também estamos promovendo cursos para que se tornem cada vez mais conscientes da importância do seu trabalho.” Rosas ressalta o papel fundamental do catador do ponto de vista econômico, pois realiza a coleta seletiva mais barata e mais eficiente. “O cidadão pode não separar o lixo para reciclagem, mas separa a latinha, o jornal para o catador. Essa relação também precisa ser mais bem trabalhada, pois é eficaz.”

Outro agente ainda é importante nesse ciclo é empresa privada Plasacre, que compra o material separado pelos catadores, seja diretamente ou oriundo da Utre, para a fabricação de telhas, mangueiras, conduítes, capacetes etc.

Do lixão à sustentabilidade

O sucesso e o ineditismo da Utre e de todos os processos por ela englobados é resultado da visão de futuro do prefeito petista Raimundo Angelim, que está no fim de seu segundo mandato. Ao deparar com o lixão infestado de urubus, poderia ter resolvido o problema com a Justiça simplesmente construindo um aterro sanitário. Mas apostou em um projeto muito maior, considerado até megalômano para alguns.

No entanto, quando o prefeito fala da Utre, não são exatamente as instalações grandiosas que fazem seus olhos brilhar, e sim o grau de envolvimento da população: a participação dos catadores no processo produtivo, a comunidade escolar utilizando o espaço como centro de referência para educação ambiental e outras pesquisas, associações de moradores dedicadas à coleta seletiva e à educação ambiental desenvolvidas nos bairros, a procura de gestores de outras localidades por informações gerenciais da Utre.

Parada de ônibus construída com material fabricado com reciclado. Foto: Rose Spina

É visível a empolgação de Angelim com a associação de catadores. “Ajudamos a criar a Catar, e trabalhamos com eles para inseri-los nessa proposta de cooperativa. Aprovamos projeto de R$ 300 mil na Fundação Banco do Brasil e construímos em um terreno do Estado um galpão onde funciona a cooperativa, com escritório, esteira para a triagem do material. Nossa ideia com a Utre foi dar oportunidade de trabalho, aumentamos a renda dos catadores com o projeto Catar”.

Para o prefeito, mais importante ainda do que ter um lugar para colocar o lixo é o trabalho de educação ambiental que tem sido feito com as escolas. “Isso não é para ter resultado imediato, é um trabalho de sustentabilidade. Interessa que daqui cinco, dez anos terá ocorrido um avanço de consciência das pessoas, de separar o lixo doméstico, criança deixar de jogar um vasilhame no mato, pois tudo isso pode gerar renda para alguém, além de não prejudicar o meio ambiente”.

Segundo Cezário Braga, secretário de Serviços Urbanos, anteriormente a coleta dos resíduos na cidade era feita por quatro caminhões. Hoje são 22, dois para resíduos de saúde, dois para coleta seletiva e o restante para coleta domiciliar. “O grande desafio do município agora é, além de ser modelo de tratamento e destinação final de resíduos, ser também exemplo de coleta seletiva eficiente com o envolvimento da população”, vislumbra.

Rose Spina é editora de Teoria e Debate