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O complexo xadrez da integração latino-americana e os resultados positivos da economia brasileira, apesar da previsão de agravamento da crise internacional

Nas eleições da Venezuela, a tendência é de uma nova vitória de Hugo Chávez, embora a avaliação é que a direita criará um cenário de turbulências políticas, questionando o resultado. No Brasil, apesar do previsível crescimento eleitoral do PT e de aliados nas eleições municipais, o bom desempenho do governo federal ainda não repercutiu de maneira expressiva

Dois meses após o golpe que destituiu Fernando Lugo da Presidência do Paraguai, sem que houvesse perspectivas de reverter o ocorrido, iniciou-se o calendário institucional de preparação das eleições parlamentares e presidenciais previstas para abril de 2013, com a definição dos prazos para realização de prévias partidárias e inscrição de candidaturas.

A disputa eleitoral se dará entre vários partidos de direita, como o Partido Colorado, o Partido Liberal Radical Autêntico (PLRA), do qual faz parte o vice-presidente de Lugo, Federico Franco, que assumiu em seu lugar, o Unace do general Lino Oviedo e o Partido Pátria Querida. Pela esquerda se apresentará a Frente Guasu, que reúne doze pequenos partidos, bem como oito movimentos sociais, da qual Lugo faz parte.

Atualmente, as pesquisas apontam para a vitória do Partido Colorado, embora a declaração do presidente uruguaio, Pepe Mujica, sobre a existência de “narcocolorados” tenha atingido seu candidato mais forte, Horácio Cardes, e posto o partido em polvorosa ao estimular seus oponentes internos a enfrentá-lo na prévia partidária. O PLRA, por sua vez, tenta aproveitar a momentânea presença à frente do governo para se apresentar como um “partido moderno”, que fomenta a atividade empresarial ao liberar o plantio de transgênicos, definir a posse de terras em disputa a favor dos latifundiários e apoiar a instalação de uma unidade de produção de alumínio da empresa multinacional Rio Tinto Brascan. Assim, cacifa-se para a disputa à Presidência em 2013 como uma espécie de PAN mexicano, tendo um ex-ministro de Lugo, Carlos Filizzola, como candidato a vice.

A Frente Guasu é uma coalizão muito jovem e, quando do golpe, ainda não havia definido regras e procedimentos internos para lidar politicamente com as divergências programáticas e as disputas internas por espaços, usuais em uma coalizão de tendências tão diversificadas. Dependerá fundamentalmente de sua unidade interna para ser competitiva nas eleições que se aproximam e necessitará de um patamar de votos que a alavanque à posição de segunda força política do país, para se tornar minimamente influente na política paraguaia no curto prazo.
A direita paraguaia, aparentemente, não esperava a suspensão do país do Mercosul e, ao mesmo tempo, o ingresso da Venezuela no organismo. Tampouco seu isolamento internacional, uma vez que até o momento o governo de Federico Franco foi reconhecido apenas por  Taiwan, Panamá, Líbano e pelo Vaticano. Sua reação é apelar para o sentimento nacionalista da população e voltá-la contra os países vizinhos, por meio da declaração de que não mais venderá sua parte da energia da Usina de Itaipu a Argentina e Brasil, da rejeição ao ingresso da Venezuela no Mercosul, aprovada no Senado, e da possível rejeição ao tratado de Ushuaia II (Cláusula Democrática do Mercosul). As duas primeiras medidas são inócuas e a última, se levada adiante, somente lhe criará dificuldades no momento em que a situação política se normalizar e forem dadas as condições para o Paraguai se reintegrar como membro do bloco.

Apesar dessa suspensão de um país-membro e fundador do Mercosul, aparentemente a adesão da Venezuela como membro pleno deu nova dinâmica à integração, pelo menos em seus aspectos econômicos e políticos, devido à ampliação da dimensão do bloco e à possibilidade de outras adesões plenas, como a do Equador.

O processo de integração da América do Sul, porém, é complexo. Se, de um lado, o Mercosul se amplia e a decisão equatoriana de conceder asilo político ao fundador do Wikileaks, Julian Assange, bem como a condenação às ameaças inglesas de invadir a embaixada equatoriana em Londres para prendê-lo, teve o apoio unânime da Unasul, de outro, há um novo processo de integração econômica em andamento, o “Arco do Pacífico”, com a participação de três membros do continente, Chile, Peru e Colômbia, além do México. É o caso de verificar se a iniciativa tem como objetivo apenas a articulação para tratar de questões comuns relativas ao comércio com a Ásia ou se é um contraponto à integração dos países de governos progressistas.

Nesse ínterim, a disputa da eleição presidencial na Venezuela tende para nova vitória do presidente Hugo Chávez, na base de 60% dos votos, embora ainda falte um mês para que aconteça. A avaliação corrente é que a direita começa a preparar um cenário de denúncia de fraude e não reconhecimento do resultado eleitoral, por meio da divulgação de pesquisas eleitorais de origem duvidosa que hoje apontam um “empate técnico”, com o objetivo de criar turbulências políticas internas e externas posteriormente.

Ainda no que se refere a eleições, registra-se a posse do novo presidente da República Dominicana, Danilo Medina, dando continuidade ao governo do Partido da Libertação Dominicana, de centro-esquerda. Seu discurso alinha-se com o de outros governos progressistas na América Latina ao defender o combate à pobreza como forma de promover o desenvolvimento.

No Brasil, economia reage positivamente

Com as medidas que o governo brasileiro vem adotando para estimular o consumo e a produção, a previsão é de um crescimento significativo do PIB, principalmente, no último trimestre do ano. Embora ainda não se tenha atingido um patamar sustentável de investimentos, há melhoras nesse sentido, mas é preciso atenção para o agravamento da crise internacional, sobretudo em 2013.

A estabilização do câmbio em valores mais compatíveis com a desvalorização provocada pelos países centrais em relação a suas moedas pode ampliar a competitividade brasileira no comércio mundial. Entre outros aspectos, o fato de a China buscar um patamar de crescimento de 7%, 8% ao ano para viabilizar seu mercado interno, também abrirá novas oportunidades para a exportação de produtos brasileiros com valor agregado, e não apenas as tradicionais commodities.

A taxa de desemprego continua em ligeira queda e a taxa básica de juros também mantém essa tendência, embora o setor rentista comece a insinuar a balela de crescimento da inflação para justificar a interrupção da queda da Selic. O governo marcou um tento importante no final do primeiro semestre quando fez a disputa com o setor financeiro privado em torno dos abusivos valores do spread bancário e dos juros cobrados dos consumidores. Essa campanha deveria continuar e há um excelente argumento a ser utilizado: o recente anúncio do desempenho da Caixa Econômica Federal, que reduziu significativamente as taxas cobradas dos clientes, ampliou o número de contas, diminuiu o número de inadimplentes e obteve lucros superiores aos de alguns grandes bancos privados.

Concessões e parcerias

As medidas governamentais mais recentes buscam lidar com problemas de infraestrutura e logística para destravar o desenvolvimento por meio das concessões de estradas, ferrovias, portos e aeroportos para o setor privado.

No entanto, apesar da necessidade das medidas, esse tema suscita controvérsias. Não pela simplificação que a oposição ao governo faz, ao afirmar que concessão e privatização são a mesma coisa, pois não o são, tendo em vista a manutenção da propriedade do Estado no caso das concessões e sua alienação ao setor privado no caso das privatizações. E tampouco pela experiência concreta de muitos governos estaduais e municipais de que as concessões e parcerias público-privadas podem solucionar problemas conjunturais na ausência de equipamentos necessários para atendimento de serviços públicos básicos como hospitais e creches, entre outros.

Em um processo de longo prazo para promover mudanças estruturais e o desenvolvimento econômico e social, o debate ocorre em torno das vantagens e desvantagens do Estado ao fazer as concessões e sobre o marco regulatório e as contrapartidas econômicas e sociais a serem incluídas, assim como o montante de recursos públicos utilizados para promovê-las e se o setor privado está disposto a colocar recursos próprios no processo.

É real que o Estado brasileiro foi desenhado por governos anteriores, principalmente os neoliberais, para atender um país pequeno e a elite da população. Por isso, possui muitas carências estruturais e gerenciais, como demonstram o cipoal burocrático, os mecanismos tacanhos de controle e leis ineficientes como a das licitações, por exemplo. Mas qual é a melhor maneira de enfrentar esses problemas? Modernizando o Estado ou pagando para o setor privado assumir suas tarefas? Ou uma composição das duas coisas? Nesse caso, sob que condições? Como evitar a formação de oligopólios privados e como manter o controle do Estado, bem como a qualidade dos serviços? Como aproveitar o tema para fortalecer as pequenas e médias empresas?

Há muitas questões em aberto, e é importante que o PT aprofunde essa discussão para contribuir com as melhores decisões do governo e no Congresso, tendo como horizonte o desenvolvimento sustentável do país não apenas do ponto de vista econômico, mas também social e político.

Greves

O governo mantém seu bom índice de popularidade, mas enfrenta dificuldades para lidar com as greves dos servidores públicos federais, e consequentemente há prejuízos políticos na relação com os sindicatos e as centrais sindicais, particularmente com a CUT.

A central criticou duramente a edição do Decreto nº 7.777, que permite substituir funcionários federais em greve por funcionários das esferas estaduais e municipais. A CUT reconhece os esforços feitos durante o governo Lula para valorizar o funcionalismo, mas também entende que é natural que este busque permanentemente a melhoria de suas condições de trabalho e que é necessário construir mecanismos para assegurar que isso ocorra por meio de negociações justas e equilibradas. Um instrumento importante para promovê-lo e evitar os atuais impasses e desgastes seria a regulamentação da Convenção 151 da OIT, já ratificada pelo Brasil, cuja tramitação está paralisada.

Em plena campanha

A campanha eleitoral municipal adentra agora a fase dos programas eleitorais de rádio e televisão, que poderão modificar o quadro atual, embora haja alguns dados a serem considerados.

Em primeiro lugar, a expectativa da grande imprensa atualmente capitaneada pelas famílias Marinho e Civita – apesar da perda de credibilidade da revista Veja, pertencente a este último, pelos seus conluios com Carlinhos Cachoeira – de que o julgamento da Ação Penal 340, vulgarmente denominada “mensalão”, fosse influenciar o resultado eleitoral a favor da direita. Esse foi o motivo de toda a pressão sobre o Supremo Tribunal Federal para realizar o julgamento durante as eleições municipais em 2012, confirmando a condenação dos réus já feita pela mídia. Não funcionou, conforme demonstra a má situação eleitoral do PSDB, DEM e PPS pelo país afora. O DEM tem alguma chance somente em Salvador e o candidato do PSDB em São Paulo está em segundo lugar, atrás do candidato do PRB, apresentando inclusive, entre os contendores, a maior taxa de rejeição do eleitorado.

No entanto, apesar do previsível crescimento eleitoral do PT e de aliados nestas eleições,  o partido enfrenta dificuldades nas capitais e grandes cidades. Além de a disputa estar mais diversificada ao ter partidos da base aliada como adversários em alguns municípios, o bom desempenho do governo federal e dos governos estaduais não tem repercutido ainda de maneira expressiva nas eleições.

Há ainda o alto custo da campanha e a dependência de doações privadas, pela ausência da reforma política que poderia ter introduzido o financiamento público das campanhas. A forma como têm se dado as disputas eleitorais nos últimos anos no aspecto financeiro e estrutural tende, inclusive, a inibir a participação da militância partidária.

Esse quadro merece atenção, pois há mudanças no eleitorado, como a ascensão de setores sociais anteriormente excluídos, bem como a juventude que tem maior dificuldade para compreender a polarização entre o PT e a coalizão PSDB, DEM e PPS. No momento é importante fortalecer a política programática do partido e obter um desempenho eleitoral expressivo nos grandes centros, para evitar o avanço de opções que se apresentam como “terceira via”, projetadas de diferentes maneiras desde 2010, como o PSB, Aécio Neves, Marina Silva, entre outros.

Crimes da ditadura

A Comissão Nacional da Verdade tem estado atuante e levantado informações em nível nacional sobre os crimes da ditadura, por meio de contatos com instituições afins em vários estados e municípios e novos dados surgidos a partir da recente Lei de Acesso à Informação. O movimento de “escracho” promovido por organizações de jovens contra torturadores e seus cúmplices em várias cidades do país também tem sido importante para impulsionar a luta pela direito à memória e à verdade.

A recente decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo de confirmar a sentença de primeira instância que declarou o coronel Ustra torturador é também um marco e se soma a ações semelhantes do Ministério Público Federal sobre os desaparecimentos forçados durante a ditadura, com base no argumento do crime continuado. Há um precedente a ser explorado, que foi a decisão do Supremo Tribunal Federal de extraditar dois militares argentinos ao não reconhecer a prescrição para desaparecimentos.

Grupo de Conjuntura da Fundação Perseu Abramo é composto por economistas, cientistas políticos e dirigentes partidários e lideranças dos movimentos sociais, convidados pela diretoria da FPA periodicamente para discutir acontecimentos nacionais e internacionais e suas consequências na situação política, econômica e social do país. Esse texto é uma síntese de reunião realizada em 20 de agosto de 2012