Política

PT aumenta número de prefeituras no Rio Grande do Sul, mas perde cidades importantes e sofre derrota histórica em Porto Alegre

Os números mostram que o PT manteve o ritmo de crescimento esperado no Rio Grande do Sul, porém sofreu derrotas em importantes municípios do interior, e obteve a menor votação de sua história em Porto Alegre, cidade que o próprio partido tornou referência internacional para a esquerda

Petista Alexandre Lindenmeyer comemora vitória na eleição para a Prefeitura de Rio Grande. Foto: Cíntia Pimpão

Numericamente, um avanço incontestável. O PT aumentou o número de prefeituras e de vagas nas Câmaras Municipais no Rio Grande do Sul, ampliando também a participação das mulheres. Atrás dos números, porém, o sinal é de alerta. Além de derrotas em importantes municípios do interior, obteve a menor votação de sua história em Porto Alegre, cidade que o próprio partido tornou referência internacional para a esquerda.

Os números mostram que o PT manteve o ritmo de crescimento esperado no Rio Grande do Sul. No esteio das transformações desencadeadas pelos governos Luiz Inácio Lula da Silva e da avaliação recorde do governo Dilma Rousseff, o partido foi o mais votado no estado: 1.446.655 eleitores gaúchos depositaram seu voto no partido, o que corresponde a 17% do contingente de 8.328.413 eleitores aptos ao voto.

Com a votação, o PT gaúcho saltou de 61 prefeituras para 72, conseguindo alcançar o índice de crescimento proposto pelo Grupo de Trabalho Especial para 2012, que era de 20%. O total não leva em conta a eleição de Novo Hamburgo, ainda sub judice. Elegeu também 83 vice-prefeitos e aumentou o número de vereadores e vereadoras, passando de 519 para 656 nas eleições deste ano.

Para o deputado estadual Raul Pont, presidente do PT no Rio Grande do Sul, o resultado é positivo. “Tivemos uma vitória evidente. Continuamos sendo o partido mais votado no Rio Grande do Sul, em termos de votações majoritárias. Conseguimos disputar as eleições em cerca de duzentos municípios gaúchos com cabeça de chapa e em 125 com candidatos a vice”, destaca.

O PT gaúcho ampliou também a participação das mulheres nas Câmaras Municipais. O partido elegeu 111 vereadoras, um crescimento de 65% comparado ao número de eleitas em 2008. Entre elas, a vereadora mais jovem do Brasil: aos 17 anos, a representante da Juventude do PT, Marina Braatz, elegeu-se no município de Pontão, no norte gaúcho. Ela completa 18 anos em novembro, antes portanto de assumir o mandato. O PT elegeu ainda quatro prefeitas (em Guarani das Missões, Itatiba, Nova Santa Rita e Torres) e seis vice-prefeitas (em Ajuricaba, Alegrete, Arroio dos Ratos, Cachoeira do Sul, Lavras do Sul e Salto do Jacuí).

Apesar do aumento no número de prefeituras, o deputado federal Paulo Ferreira, membro do Diretório Nacional do partido, faz o alerta: a derrota em municípios importantes deve lançar um sinal amarelo. “O PT aumentou o número de prefeituras, mas perdeu cidades-polo importantíssimas. Na minha opinião, o resultado final no Rio Grande do Sul é ruim. Não é um resultado que nos coloque numa situação de afirmar que o PT gaúcho ganhou as eleições”, avalia Ferreira.

O partido manteve-se com o maior número de administrações entre os municípios mais populosos e mais importantes economicamente. De acordo com reportagem do jornal Zero Hora do dia 22 de outubro, elegeu mais prefeitos entre os cinquenta municípios gaúchos com maior Produto Interno Bruto (PIB). Administrará doze das cidades mais importantes economicamente, enquanto o PDT foi eleito em onze. Em relação aos cinquenta maiores municípios, ganhou em dezessete. Se os principais partidos da base de apoio ao governo Tarso Genro (PT, PDT, PSB e PTB) forem tomados em conjunto, o bloco ficou com 31 dos cinquenta. Entre a base do governo Dilma Rousseff, soma 44.

No entanto, houve derrotas relevantes. Na região da Serra, em Garibaldi e Bento Gonçalves. Deixa também as administrações de Santa Rosa e Cruz Alta, municípios de forte produção agrícola. E perde uma hegemonia que estava consolidada na região metropolitana de Porto Alegre, em Gravataí, um importante polo industrial da região, em São Leopoldo, onde governava há dois mandatos, e em Viamão, onde governava há quatro, além de Sapiranga e Dois Irmãos. Conseguiu recuperar apenas a administração municipal de Alvorada.

“Em um olhar mais detalhado sobre o resultado, não quantitativo, ganhamos cidades pequenas e perdemos cidades-polo”, analisa Paulo Ferreira. “No balanço da região metropolitana, que é o centro da disputa política regional, essas perdas são significativas.”

Deputada Ana Affonso defende amplo balanço para identificar causas das derrotas em cidades importantes

Vice-presidenta do PT gaúcho, a deputada estadual Ana Affonso defende um amplo balanço para identificar as causas das derrotas nos municípios importantes que eram governados pelo partido. “Não significa que tenha ocorrido uma derrota política, devido às situações colocadas em cada um deles”, afirma. “A avaliação não é apenas positiva, há uma preocupação em relação às cidades onde não foi possível reeleger o projeto. Mas, com vistas a 2014, mesmo com essas perdas estratégicas, ampliamos a inserção em outras cidades que não contávamos como aliadas do projeto estadual”, pondera.

Para Raul Pont, as derrotas têm a ver com situações particulares em cada uma das disputas, e não com um contexto geral de enfraquecimento do partido. No caso de São Leopoldo, por exemplo, a administração sofreu uma campanha de denúncias por parte da imprensa desde o ano passado, o que desgastou a candidatura petista. Em Gravataí, a cassação da prefeita Rita Sanco em 2011, com base em denúncias que, infundadas, acabaram sendo arquivadas pelo Ministério Público, e o atraso da Justiça em julgar o recurso do deputado estadual Daniel Bordignon terminaram por tumultuar o cenário da disputa. Em Caxias, onde não era governo, o partido entrou fragilizado na disputa após as desistências do deputado federal Pepe Vargas, nomeado ministro do Desenvolvimento Agrário, e da deputada estadual Marisa Formolo, por razões particulares.

O PT obteve outras conquistas que merecem ser consideradas. Em Rio Grande, cuja economia vem sendo impulsionada pelo governo federal através do Polo Naval, chegou à prefeitura com o deputado estadual Alexandre Lindenmeyer, que conseguiu pôr fim a dezesseis anos de hegemonia de grupo político. No entanto, também na Zona Sul, o partido perdeu em segundo turno para o PSDB em Pelotas. Pela primeira vez, venceu as eleições em São Gabriel e Santana do Livramento, importantes cidades da fronteira oeste do estado, marcadas pelo conservadorismo dos setores ruralistas. E conseguiu reeleger o prefeito Jairo Jorge em Canoas, o segundo maior município gaúcho. “O PT não perde o ritmo de crescimento. Seguiremos com peso importante na política do Rio Grande do Sul, e vamos ter de recuperar Porto Alegre”, destaca Raul Pont.

Porto Alegre: menor votação da história

A principal razão para o alerta no balanço do desempenho eleitoral no Rio Grande do Sul tem a ver com o resultado na capital gaúcha. Na Porto Alegre que se tornou referência internacional de gestão democrática e participação popular ao longo dos dezesseis anos de administração petista, o partido teve sua menor votação da história em 2012, indo na contramão de seu crescimento no estado e no Brasil.

O deputado estadual Adão Villaverde obteve 76.548 votos, ou 9,64% dos votos válidos, atrás de Manuela D’Ávila (PCdoB) e José Fortunati (PDT). Proporcionalmente, a votação petista é menor que a obtida na primeira eleição disputada, em 1985, quando Raul Pont recebeu 11,79% dos votos (68.429). Outra leitura: o PT teve em 2012 cerca de 103 mil votos a menos que na eleição anterior e 194 mil a menos que sua média entre 1998 e 2008, de 270.990 votos. O auge da votação ocorreu em 1996 e começou a decair a partir da eleição de 2000. Na Câmara Municipal, a redução se fez evidente: o partido, que já teve catorze cadeiras no Legislativo de Porto Alegre, elegeu apenas cinco vereadores em 2012, perdendo duas vagas em relação à atual legislatura.

Entre as diversas razões possíveis para explicar o mau desempenho do PT em Porto Alegre, certamente não está o julgamento da Ação Penal 470 no Supremo Tribunal Federal, na visão do deputado Paulo Ferreira. “O julgamento não influenciou em absolutamente nada. Em Porto Alegre e mesmo no interior, esse tema não entrou”, garante. “As derrotas se devem a problemas de condução política. Em Porto Alegre, o resultado ruim tem a ver, na minha opinião, com a opção política feita pelo diretório municipal pela candidatura própria, porque havia outras alternativas”, defende.

O PT passou por um longo processo de discussão interna no qual estavam em debate a candidatura própria ou o apoio às candidaturas de Fortunati ou Manuela, cujos partidos integram as bases de apoio tanto do governos Tarso e Dilma. De um lado, a aliança com Fortunati encontrava barreiras na ampliação, por parte do prefeito, da composição com partidos conservadores e na incorporação de quadros do governo Yeda Crusius (PSDB). De outro, a candidatura do PCdoB não era considerada viável do ponto de vista eleitoral. Adão Villaverde apresentou-se como alternativa enquanto predominava a tese da candidatura própria, a partir da pressão de setores internos e da base partidária, que acabou sendo aprovada por unanimidade no diretório municipal.

Na avaliação do presidente municipal do partido na capital, vereador Adeli Sell, o problema das alianças em Porto Alegre começou em 2010, após a vitória de Tarso Genro e a incorporação do PDT ao governo estadual. “Não conseguimos apresentar um programa claro, para que os partidos pudessem agarrar”, diz o vereador. “Precisamos discutir a política de alianças. Optamos pela candidatura própria porque havia uma pressão grande das forças internas e da base partidária. Mas o PT de Porto Alegre está muito dividido sobre alianças”, destaca.

O deputado Raul Pont lembra, por sua vez, que a unanimidade em torno da tese da candidatura própria não se refletiu durante a campanha. “A candidatura própria, ao menos para nós que a defendíamos, significava construir uma candidatura de consenso, com densidade e conhecimento do público. Isso não houve. A tese teve unanimidade, mas a candidatura em si, não. Mas também não houve disputa”, analisa Raul Pont.

Para Adão Villaverde, apesar de haver uma opinião nacional para a concretização de alianças, a decisão pela candidatura própria foi tomada em conjunto pelo partido. A discussão atrasou a entrada do PT na campanha eleitoral, mas para o candidato essas questões não podem ser tomadas como centrais na explicação sobre a derrota do partido.

“Começamos a campanha propriamente em março, enquanto havia duas candidaturas muito consolidadas. Apesar do esforço, da chapa que construímos, o que ficou evidente é que não se constrói uma política no período eleitoral. O PT já vinha num processo de perda de espaços em Porto Alegre, e isso se evidenciou no processo eleitoral”, explica Villaverde. Na avaliação do deputado, o partido perdeu a conexão que historicamente manteve com Porto Alegre.

Laços com Porto Alegre

Além da questão das alianças, a avaliação sobre as causas da derrota do PT em Porto Alegre passa pela falta de conhecimento do candidato pelo eleitorado, por erros da campanha, por falta de unidade em torno da candidatura, entre outras. Mas é consenso que o fundamental na análise é o fato de o PT ter perdido seus laços históricos com a cidade que administrou por quatro gestões consecutivas.

“Ficou evidente durante a campanha que o PT havia perdido a conexão com a cidade, o acúmulo que teve ao governar Porto Alegre durante dezesseis anos, o papel de partido militante, coesionador, aquela forte relação com a base. Os processos anteriores vinham evidenciando isso”, afirma Villaverde. “O PT perdeu a conexão com a alma da cidade”, reforça Adeli Sell. “A própria votação das lideranças sindicais e comunitárias mostra isso. Há uma falta de sintonia com o que passa no coração e na mente das pessoas, na alma do povo”, ressalta.

O enfraquecimento da relação do PT com a vida da cidade representou o recorde negativo de votos em Porto Alegre. Para Raul Pont, no entanto, o problema é nacional e está ligado ao abandono, pelo partido, das tarefas de organização e militância. “ Perdeu-se a ideia de que o partido é orientador, organizador para a disputa na sociedade, ou porque foi puxado para funções do estado, ou por abandono, ou por uma política de abdicar dos núcleos. Essas coisas estão acontecendo em todas as capitais. Em São Paulo, há a figura da Dilma e do Lula, não que esteja havendo uma melhora sensível da atuação do partido. Em Porto Alegre, como não temos milhões nem a presença da Dilma, precisamos fazer uma política de recuperação da organicidade”, afirma Raul Pont, lembrando que o PT vem perdendo o voto da esquerda, que está indo para o PSOL e até mesmo para o PSTU.

No caso particular de Porto Alegre, outros fatores que contribuíram para a derrota histórica dizem respeito à atuação da bancada do PT na Câmara e à ausência de uma oposição forte ao governo Fortunati, que chegou à eleição com ótima avaliação. “Nunca conseguimos agir em bloco, sempre foi uma intervenção bipolar. Num dia uma maioria prevalecia, no outro dia, outra maioria. A bancada esteve praticamente dividida”, afirma o vereador Adeli Sell. “Já tivemos uma bancada com mais que o dobro de vereadores, de várias correntes, e nunca houve problemas de visão, de divergência em plenário. Porque tem direção, acompanhamento, assessoria. Infelizmente não estava acontecendo isso, numa clara quebra do princípio partidário”, critica Raul Pont.

Nesse cenário, o PT teve dificuldades para apresentar-se como alternativa à atual gestão. Bem avaliado, com ampla aliança partidária que lhe deu o maior tempo de televisão e aproveitando-se do fato de continuar prefeito durante a campanha, José Fortunati conseguiu ficar imune às críticas. Apesar de contar com uma plataforma forte, o PT não recebeu os votos que foram sendo perdidos pela candidatura Manuela. Adão Villaverde vê um problema de fundo. “Aquele programa que fez com que o PT fosse exitoso durante um largo período em Porto Alegre se esgotou não porque estivesse errado, mas porque se realizou. Em certa medida, o atual governo se apropriou dele, do seu jeito”, diz.

Para o deputado, que esteve no centro da eleição, o mau resultado remete a três tarefas para o partido em Porto Alegre. “Primeiro, fazer um amplo balanço dessa política que foi produzida coletivamente, que era ter a candidatura própria. Segundo, o projeto do partido tem de se reconectar com a cidade, política, programática, organicamente, identificando os grandes temas da cidade hoje e pensá-la do ponto de vista emergencial e de futuro. Isso o Fortunati não vai fazer. E a terceira questão é que as urnas nos destinaram um papel de oposição”, afirma Villaverde. “Porto Alegre pode se tornar a capital com melhor qualidade de vida se for sustentável, segura, saudável, inovadora e reafirmar-se como cidade plural, de diversidade, participação e controle social”, completa.

Cenário para 2014

Logo após o resultado das eleições municipais, alguns fatos passaram a ser destacados como indicativos do cenário para a eleição estadual em 2014. Além da vitória do PDT em Porto Alegre, o partido elegeu em primeiro turno o deputado estadual Alceu Barbosa Velho para a importante prefeitura de Caxias do Sul. O ex-prefeito de Caxias José Ivo Sartori aparecia como um nome forte do PMDB, ao lado do prefeito reeleito em Santa Maria, César Schirmer, ex-deputado federal. Por outro lado, apesar de ser apontada como forte candidata a 2014, a senadora Ana Amélia Lemos viu sua aposta pessoal em Manuela D’Ávila, contrariando a posição do PP, ser derrotada em Porto Alegre.

No PT, a avaliação é de que o resultado, a princípio, não desequilibra o atual quadro para a eleição ao governo do estado. “Se soubermos trabalhar bem, melhorar a gestão do governo, fortalecer a relação com o governo federal e rearticular o bloco que sustenta o governo estadual, temos um cenário muito favorável para a reeleição do governador Tarso Genro”, acredita Villaverde.

Mesma opinião tem o presidente estadual do PT. O deputado Raul Pont destaca as dificuldades que o partido teve para concretizar alianças com o PSB – apenas em cinco cidades foi possível fechar coligação com o PSB de vice. Por outro lado, não existe, em sua avaliação, uma transferência direta dos resultados do PDT e do PMDB para 2014. “Dizer que esses resultados se transferem automaticamente para 2014 é um equívoco. Se mantivermos o campo da esquerda e o bloco que está no governo, as possibilidades ainda são bastante fortes”, afirma.

“Pretendemos trabalhar 2014 de forma conjunta com os partidos da base aliada do governo Tarso. O desafio do próximo período é manter o diálogo com a base em torno de um projeto de sociedade, consolidando as políticas do governo. Isso vai nos levar à eleição na condição de protagonistas”, afirma a vice-presidenta do PT gaúcho, Ana Affonso.

Daniel Cassol é jornalista