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Eleição de Obama, crise europeia e seus caminhos e o foco brasileiro no político e econômico são assuntos da conjuntura

O recente resultado das eleições municipais demonstrou que o PT se tornou uma competente máquina eleitoral, mas necessita fortalecer sua intervenção na disputa política mais geral. A estratégia dos setores democráticos e populares deve também considerar a importância da organização e mobilização social em busca de transformações mais profundas de acordo com o programa partidário

A conjuntura internacional em novembro teve como principais fatos a reeleição do presidente Barack Obama, nos EUA, a crise europeia e seus novos desdobramentos, o ataque israelense à Faixa de Gaza, a realização do 18º Congresso do Partido Comunista Chinês (PCC), o início das negociações da 18ª Conferência das Partes sobre Mudanças Climáticas (COP 18) e a situação pré-eleitoral em alguns países latino-americanos.

Obama foi reeleito presidente dos EUA por pequena margem de votos sobre seu oponente do Partido Republicano, Mitt Romney, conforme previam as pesquisas eleitorais. Tendo em vista a atual situação econômica americana, o impasse no controle do Congresso e a provável saída do governo de, pelo menos, dois importantes secretários de seu primeiro mandato, Hillary Clinton, do Departamento de Estado, e Timothy Geithner, do Departamento do Tesouro, as conjecturas dos analistas repousam sobre as perspectivas para seu segundo governo em nível nacional, bem como  internacional, particularmente em relação à América Latina. De modo geral, entretanto, as avaliações apontam para a manutenção da política implementada nos últimos quatro anos, o que para o Brasil e outros países em desenvolvimento não é promissor, considerando-se as sucessivas “enxurradas” de dólares no mercado financeiro internacional pelo Banco Central americano, a política agressiva dos EUA no Oriente Médio e o apoio a dois golpes de Estado na América Latina, Honduras e Paraguai.

Na Europa a crise está mais aguda com o crescimento do desemprego, que em países como Grécia e Espanha alcançou média de 25% e o dobro disso entre os jovens. Os desdobramentos políticos são uma combinação do fortalecimento de tendências separatistas em determinadas regiões, como o País Basco e a Catalunha na Espanha, com o desencanto dos jovens com a política e suas instituições, além do crescimento da extrema direita em países como a Grécia. No entanto, o movimento sindical realizou uma greve geral supranacional, convocada pela Confederação Europeia de Sindicatos (CES), contra as políticas de austeridade, com paralisações simultâneas na Grécia, Espanha, Portugal e Itália, acompanhadas de manifestações de apoio em outros países.

O ataque israelense a Gaza ocorreu mais uma vez com o objetivo de fortalecer o governo da situação, desta vez formado pela coalizão liderada pelo partido Likud, de direita, em preparação para as eleições parlamentares em janeiro, e tornou o ambiente na região ainda mais tenso, tendo em vista o atual conflito interno na Síria, as sanções aplicadas ao Irã e as ameaças de ataque de Israel a este país, bem como os desdobramentos da chamada Primavera Árabe em países como o Egito, onde os fundamentalistas islâmicos acumulam cada vez mais força. Alguns alentos, porém, vêm da decisão da Assembleia-Geral da ONU, que elevou a Palestina ao status de Estado observador, da realização do Fórum Social Palestina Livre em Porto Alegre e da aproximação política entre o Hamas, que hoje controla a Faixa de Gaza, e o Fatah, que preside a Autoridade Palestina e governa os territórios palestinos na Cisjordânia. Todavia, a possibilidade de retomada séria das negociações de paz entre israelenses e palestinos nesse quadro ainda está distante.

O Partido Comunista da China concluiu seu 18º Congresso, com a participação de 2.268 delegados e a preocupação central de aprovar resoluções que reduzam a brecha entre os chineses mais ricos e os mais pobres, bem como entre os que vivem no campo e os que vivem na cidade. Algumas dessas resoluções poderão provocar conflitos internos, em razão da previsão de algumas regulações do setor privado na China. No entanto, um possível aumento da demanda interna de consumo no país poderá beneficiar as exportações brasileiras. No Congresso, foi eleito o novo secretário-geral do PCC, Xi Jinping, que também ocupará a Presidência da China a partir de março de 2013, em substituição a Hu Jintao. O próximo primeiro-ministro em substituição ao atual, Wen Jiabao, será Li Keqiang.

A COP 18, iniciada em 26 de novembro com conclusão de trabalhos em 7 de dezembro, não apresentou perspectivas de avanços nas negociações de um acordo climático, tendo em vista a complexidade do tema diante do agravamento da crise na Europa e dos processos políticos recentes nos EUA e na China, três atores importantes da conferência. Além disso, a escolha de Doha, capital de um importante produtor de petróleo como o Qatar, já era de antemão um indicador da falta de ambição em relação a acordos para conter emissões de CO₂. A COP 19 se realizará na Polônia em 2013.

Em alguns países na América Latina, como Paraguai, El Salvador e Chile, iniciaram-se os processos preparatórios para as eleições presidenciais em 2013. É preocupante, porém, a desunião da esquerda que se verifica nesses países em relação à escolha dos candidatos, que no caso paraguaio já provocou a divisão da Frente Guasú, com apresentação de duas candidaturas presidenciais. É importante que o PT e o Foro de São Paulo tentem contribuir para ampliar a unidade das forças progressistas no continente.

No Brasil, devemos considerar, principalmente, os aspectos econômicos e políticos da conjuntura. Em relação à economia houve várias medidas relevantes adotadas pelo governo nos últimos meses, como desoneração da folha de pagamentos, isenções fiscais temporárias, redução da taxa de juros, melhoria do câmbio, entre outras, para estimular a retomada do crescimento. No entanto, mesmo com o aumento do crescimento do PIB no quarto trimestre, dificilmente este atingirá 4% neste ano, conforme esperado. Há vários fatores possíveis para isso, como a retração econômica nos países desenvolvidos em crise, que não só extrapolou a previsão como se estendeu a outras regiões. No aspecto interno, percebe-se que apesar da queda dos juros no país, não houve o crescimento esperado do crédito. Os bancos públicos se saíram bem na disputa com o setor financeiro privado para provocar a queda do spread, mas esta não foi suficiente diante do poder do oligopólio financeiro, em que apenas quatro bancos privados hegemonizam o mercado. A mobilização pela queda do custo do crédito, portanto, deveria prosseguir.

Aguarda-se o resultado da proposta governamental de redução das tarifas de energia elétrica e seu impacto sobre a indústria. No entanto, já se verifica a existência de centenas de emendas parlamentares às medidas legislativas que essa redução demanda e uma resistência grande por parte das próprias empresas produtoras ou distribuidoras de eletricidade.

Um problema concreto que já assinalamos em notas anteriores diz respeito à necessidade de ampliar a taxa de investimentos no Brasil, mas verifica-se pouca disposição do setor privado em contribuir nesse sentido. Algumas hipóteses para isso incluem desde uma possível recusa de setores empresariais em cooperar com o governo do PT até a possibilidade de estar ocorrendo uma readequação do setor privado às novas taxas de remuneração do investimento, pois com a queda dos juros o espaço para o tradicional “rentismo” de fato se reduziu, e às novas regras de concessões, entre outras, o que aumentaria a precaução diante da nova conjuntura.

Além disso, há o “gargalo” das regras herdadas do passado que norteiam o investimento público em obras de infraestrutura, como licitação, controle, pagamentos, entre outras, que provocam sérios atrasos na execução de projetos e problemas de gestão em importantes órgãos públicos, entre os quais DNIT e Valec.

Por sua vez, os meios de comunicação dominantes, em sua permanente campanha de oposição ao PT e ao governo, vaticinam sempre o pior cenário na economia, com previsões de baixo crescimento e aumento do “estatismo”. Neste aspecto, por exemplo, apresentam as mudanças nas concessões do setor elétrico como uma reestatização das empresas, omitindo que as atuais tarifas de energia elétrica no Brasil se situam muito acima do preço médio mundial por quilowatt-hora desde que o processo de privatização do setor se iniciou, na década de 1990.

É importante que os ministros de governo, parlamentares do PT e dirigentes partidários assumam o debate sobre a economia com a sociedade, inclusive com os articulistas da mídia, pois as mudanças de que necessitamos no campo econômico são estruturais, como a questão tributária, por exemplo. Além desse fator, há outros que são relevantes para os problemas de produtividade, como o câmbio, a oligopolização de preços, a falta de investimentos em qualificação profissional, entre outros.

A grande imprensa, porém, aventa apenas a liberalização da economia e agora fala cada vez mais em “desregulação” da legislação trabalhista, encontrando ressonância inclusive em algumas instâncias governamentais na discussão da competitividade, tendo em vista que, no atual ambiente de taxa de desemprego menor, os salários tendem a subir. No entanto, o custo do trabalho no Brasil, apesar dos avanços na formalização e contratação do trabalho, ainda é muito baixo em termos internacionais.

Na área política, registramos que os trabalhos da Comissão Nacional da Memória e Verdade, bem como algumas decisões judiciais contrárias à violação dos direitos humanos durante a ditadura militar, têm produzido efeitos importantes, como o maior engajamento da opinião pública e mais de oitenta ações do Ministério Público sobre os casos de sequestros e desaparecimentos, que esperamos contribuam para uma redefinição dos termos da anistia política.

O recente resultado das eleições municipais demonstrou que o PT se tornou uma competente máquina eleitoral, mas necessita fortalecer sua intervenção na disputa política mais geral. Sucessivamente derrotada no enfrentamento no campo político partidário, eleitoral e parlamentar, a estratégia da direita está se deslocando para o campo judicial, em conluio com os meios de comunicação que, cada vez mais, assumem papel de oposição política. O STF, por sua vez, também tenta assumir cada vez mais a condução da política, como demonstraram suas posições em relação à anistia política, à “ficha limpa”, e agora no julgamento da Ação Penal 470, eivado de irregularidades jurídicas para atingir importantes personalidades políticas do PT, como bem denunciou a recente nota da Executiva Nacional do partido.

O atual episódio das investigações da Polícia Federal envolvendo a AGU e o escritório da Presidência da República em São Paulo certamente foi iniciado para fornecer mais elementos para fortalecer essa linha de judicialização da política. A iniciativa do procurador-geral da República de ampliar o número de indicados pelo Ministério Público Federal para oito dos catorze integrantes do Conselho Nacional do Ministério Público também visa fortalecer sua posição, pela maioria absoluta de votos, para evitar questionamentos a seu desempenho, uma vez que sua atuação tem se dado de acordo com esquema montado pelas forças conservadoras.

A resposta tem de ser igualmente política e passa por uma agenda de mudanças estruturais, como a reforma política, particularmente, o financiamento público de campanhas eleitorais e a democratização dos meios de comunicação.

A popularidade do governo está em alta, pois, apesar dos obstáculos econômicos mencionados, o desemprego diminuiu ao longo dos últimos anos. Contudo, por mais relevante que seja essa redução, não pode ser a única “âncora” para o sucesso do governo e do partido perante a população.

A estratégia dos setores democráticos e populares deve também considerar a importância da organização e mobilização social em busca de transformações mais profundas de acordo com o programa partidário. Em pouco tempo a disputa eleitoral estará posta novamente e, além dos temas já mencionados, há outras questões muito sérias que exigem nossa intervenção, como o crescimento da insegurança e do crime organizado.

É fundamental buscar sempre a melhor sinergia possível entre as posições do PT e as iniciativas governamentais para que se possa avançar durante o governo Dilma além das conquistas dos dois mandatos de seu antecessor. A inauguração dos mandatos municipais no início de janeiro também representa uma oportunidade para aprofundar o programa partidário e as experiências de boa governança que o PT acumulou ao longo dos anos.

Grupo de Conjuntura da Fundação Perseu Abramo é composto por economistas, cientistas políticos e dirigentes partidários e lideranças dos movimentos sociais, convidados pela diretoria da FPA periodicamente para discutir acontecimentos nacionais e internacionais e suas consequências na situação política, econômica e social do país. Esse texto é uma síntese de reunião realizada em 26 de novembro