Internacional

A contribuição deve ser disputar a opinião na sociedade brasileira sobre o que ocorre na Palestina, além de reforçar nossa solidariedade com ações concretas

Qual o alcance do apoio da esquerda brasileira à causa palestina? Como furar o bloqueio midiático para denunciar as violações de direitos e leis internacionais por parte de Israel? Quais são os desafios para a própria causa palestina após a vitória diplomática na ONU?

Esquerda critica e denuncia às ações do Estado de Israel contra povo palestino

Esquerda critica e denuncia às ações do Estado de Israel contra povo palestino. Foto: Evelize Pacheco

Qual o alcance do apoio da esquerda brasileira à causa palestina? Como furar o bloqueio midiático para denunciar as violações de direitos e leis internacionais por parte de Israel? Quais são os desafios para a própria causa palestina após a vitória diplomática na ONU?

Essas e outras questões foram debatidas em dois seminários realizados pela Fundação Perseu Abramo, Fundação Maurício Grabois e Foro de São Paulo durante o Fórum Palestina Livre. As entidades promoveram os debates “As esquerdas palestina e latino-americana: diálogos sobre a paz, soberania e descolonização” e “A luta social na Palestina ocupada”, com a participação de Nabil Shaath, secretário de Relações Internacionais do Fatah, e Abdallah Aburahne, representante dos Comitês de Resistência Popular da Palestina.

Secretário executivo do Foro de São Paulo e membro do Diretório Nacional do Partido dos Trabalhadores, Valter Pomar expôs as linhas gerais que orientam os partidos de esquerda da América Latina e do Caribe sobre a questão palestina. Com algumas variações em relação à solução para o conflito, os partidos compartilham da crítica e da denúncia às ações do Estado de Israel contra a população palestina (leia Nota do PT de apoio ao reconhecimento do Estado da Palestina pela ONU). “Primeiro, pelo desrespeito continuado às resoluções da ONU. Segundo, pela ocupação ilegal de territórios palestinos. Os exemplos mais visíveis são os assentamentos nas regiões mais produtivas, com acesso a água e recursos naturais. E também a existência de um muro separando o território palestino em duas partes”, disse Valter Pomar.

O dirigente petista apontou o fato de que os Estados Unidos vêm boicotando as decisões das Nações Unidas e protegendo Israel de condenações em razão de interesses na região. “A existência de um conflito e de um Estado de Israel fortalecido é funcional a esses interesses”, destacou, defendendo a unificação das forças políticas palestinas como fundamental para o sucesso da causa.

Sabatinado pela mesa e pela plateia, o secretário de Relações Internacionais do Fatah fez uma detalhada explanação dos desafios atuais para a criação do Estado palestino. Segundo ele, a questão religiosa, por exemplo, não deve afetar a análise sobre o que acontece na região. “Os Estados Unidos nunca abriram mão do suporte a Israel. É um erro dizer que tudo tem a ver com o lobby judeu nos Estados Unidos. Foi a intenção imperialista norte-americana que criou o lobby judeu, e não o contrário”, destacou. Para o palestino, o voto judeu explica apenas em parte o interesse norte-americano em proteger e fortalecer Israel.

“Israel sempre se apresentou como pilar contra o comunismo e contra o avanço da União Soviética. Depois de derrotar Saddam Hussein, os Estados Unidos agiram como se não precisassem de Israel, mas Israel foi hábil em se colocar novamente como defensor dos interesses dos EUA na região. O Irã se tornou um risco, e Israel vai ser a plataforma de lançamentos contra o Hezbollah no Líbano e contra as incertezas da Primavera Árabe”, afirmou Shaath. Também relatou que o presidente da ANP, Mahmoud Abbas, ao telefonar para Barack Obama a fim de saudá-lo pela reeleição, ouviu do norte-americano a recomendação de que não ingressasse com o pedido de reconhecimento na ONU, porque teria problemas com os Estados Unidos.

“A Primavera Árabe ainda é um grande ponto de interrogação. É possível que se torne uma primavera latino-americana, com o fim dos governos militares e da corrupção capitalista. Portanto, criar aliados norte-americanos é mais difícil, porque a relação se corta. Estão surgindo regimes mais democráticos e progressistas, não dependentes dos Estados Unidos. Essa é parte da estratégia israelense, afirmar que protegerá os EUA contra o Irã e contra os regimes islâmicos militares que estão surgindo. Por isso Israel recuperou sua importância”, explicou.As negociações com Israel não avançam, também, porque o Estado judeu exige ser reconhecido como um exclusivo para judeus, segundo o secretário. “E o que dizer do 1,5 milhão de israelenses que eram cristãos e palestinos? Esse problema deve ser resolvido através de governos seculares”, defendeu. Os palestinos aceitam ficar com 22% do território histórico da Palestina, mas exigem a devolução dos territórios ocupados ilegalmente e o fim da construção de novos assentamentos, o que já foi condenado pela comunidade internacional, como forma de prosseguir nas negociações.

O reconhecimento pela ONU pode fazer com que o governo de Benjamin Netanyahu recue em seus projetos expansionistas, uma vez que pode ser acionado em tribunais internacionais. O caminho, agora, é ampliar o apoio dos governos e da sociedade civil, a fim de acelerar o reconhecimento pleno do Estado palestino. Um dos pleitos de Nabil Shaath trazidos ao Brasil é que o ex-presidente Lula lidere um comitê internacional pela criação da Palestina. “Existe a ideia de criar um comitê para acompanhar o processo. Lula poderia ter o papel que desejasse. Sei que sua saúde não está tão boa quanto no passado, mas adoraríamos vê-lo na luta pela Palestina.”

O secretário também comentou o desafio da unidade palestina. “Nós, do Fatah e do Hamas, erramos ao permitir que Israel nos levasse à separação. Eles se retiraram de Gaza, cercaram a região, cortando completamente a relação com a Cisjordânia, e criaram um vazio de poder em Gaza que levou a uma miniguerra civil”, lamentou. Em contrapartida, disse acreditar que o recente ataque de Israel a Gaza, aliado ao sucesso na ONU, tenha gerado uma nova oportunidade entre as duas forças políticas.

Para a esquerda latino-americana, o objetivo é reforçar ainda mais o apoio à causa palestina, com ações concretas. “Devemos intensificar a solidariedade com a luta dos povos árabes, especialmente o povo palestino. Na região, há populações que rejeitam o imperialismo estadunidense, e por isso são alvos”, destacou Ricardo “Alemão” Abreu, do PCdoB. Em sua opinião, os governos devem ampliar a cooperação com a Palestina. “É uma das formas mais importantes de solidariedade.”

“Entramos em uma nova fase, e a contribuição que podemos dar é disputar a opinião na sociedade brasileira sobre o que ocorre na Palestina”, lembrou o dirigente da CUT, João Felício. “A vitória contra o apartheid na África do Sul foi bonita porque conseguimos disputar opinião na sociedade mundial. Com a palestina, devemos fazer a mesma coisa.”

Para a vereadora eleita em Porto Alegre Jussara Cony, representante da Fundação Maurício Grabois, o comitê brasileiro de solidariedade à Palestina tem nova tarefa. “A luta palestina vai precisar de ações concretas. Este fórum se realizou como fruto da luta concreta. Devemos contribuir na formação de comitês em todo o mundo, com apoio concreto a todas as iniciativas pela criação do Estado palestino”, defendeu.

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Daniel Cassol é jornalista