Internacional

O segundo mandato de Barack Obama à frente da Casa Branca eleva novamente as expectativas de que o governante aproveite a oportunidade para fazer história

A negação histórica da existência de um povo palestino, necessária para afirmar o status da terra como res nullius, como uma terra sem povo destinada ao povo a que fora prometida, mantém-se constante até hoje e é acompanhada da vilificação daqueles que estão “do outro lado”, daqueles menos civilizados, dos radicais, dos amantes da morte

População participa da festa da posse de Obama

População participa da festa da posse de Obama. Foto: Shannon Stapleton/Reuters

Em janeiro de 2013, a posse de Barack Obama para um segundo mandato à frente da Casa Branca elevou novamente as expectativas de que o atual governante dos Estados Unidos aproveitaria essa oportunidade para fazer história. Apesar de Obama já constar como personagem relevante dessa trajetória, ao se tornar o primeiro presidente negro eleito, as expectativas em torno do primeiro mandato foram frustradas. Mas o clima de desconfiança das principais bases eleitorais democratas que antecedeu o pleito de 2012, e nas comunidades dos estados de “batalha” (que não possuem tendência clara de votação, alternando o apoio entre republicanos e democratas), não o impediu de conquistar uma vitória apertada diante do republicano Mitt Romney.

Tal vitória foi baseada na premissa da continuidade, sintetizada no slogan “adiante” (forward), indicando que, apesar das dificuldades, as promessas da esperança e a mudança da primeira gestão estavam trazendo resultados, ainda que lentos. Mais ainda, atrelava-se o relativo atraso das reformas à intransigência republicana em negociar e construir consensos bipartidários nos campos social, estratégico, político e econômico. Bem-sucedida, a tática do “evitar o pior” legou a Obama uma segunda chance.

Obama, parte I

Muitos projetos inacabados, ou realizados parcialmente, podem ser listados. No campo interno, as promessas de reformas estruturais na economia e na sociedade, envolvendo desde o controle do déficit público até a recuperação do crescimento econômico e a renovação da matriz energética, esbarraram em forte oposição republicana (assim como o fechamento da prisão da base de Guantánamo). Tal oposição demonstrou-se ferrenha em temas como a implementação do sistema universal de saúde e bem-estar, recuperando a rede de proteção social do Estado, e o reconhecimento de direitos iguais para minorias de qualquer origem racial, étnica ou de orientação sexual.

A despeito de Obama ter evitado o aprofundamento da crise econômica com suas políticas de incentivo ao crescimento, por meio de gastos governamentais, o crescimento do déficit público tornou-se constante alvo de críticas republicanas. Em novembro de 2010, nesse vácuo de ação, a agenda mais à direita foi validada pela vitória nas eleições de meio de mandato de candidatos republicanos associados ao movimento do “Partido do Chá”. Questionava-se se a agenda democrata do “Grande Estado” sobreviveria, na eleição presidencial de 2012, diante dos novos avanços do “Estado mínimo” neoliberal.

Por sua vez, no campo externo, críticas similares estenderam-se a Obama por sua ineficiência nos temas de segurança relativos ao Irã e seu risco nuclear que oferecia ameaça crescente a Israel e pela competição econômica da China. Os cortes de gastos na Defesa indicavam uma postura de apaziguamento dos inimigos. Enquanto a Casa Branca procurava encerrar formalmente a Guerra do Iraque em 2011 e estabelecer um cronograma de saída do Afeganistão até 2014, os republicanos defendiam uma operação militar no Irã e uma ação decisiva nos teatros estratégicos da Primavera Árabe, principalmente na Síria. Mesmo operações como a intervenção na Líbia, sob a bandeira das Nações Unidas e com suporte logístico da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), eram vistas como falhas, como comprovou o assassinato do embaixador norte-americano na Líbia pós-Kadafi.

Essas visões encontravam-se associadas aos conhecidos lobbies pró-Israel e do complexo industrial-militar e energético, indicando o recuo hegemônico que em nenhum momento ocorrera. A projeção de poder dos Estados Unidos mudou de forma e conteúdo, mas não abandonou a estratégia da supremacia. A despeito das dificuldades em administrar (e controlar) eventos como a mencionada Primavera Árabe, a ofensiva da liderança contra a desconcentração do poder político, econômico e estratégico global foi real, tentando barrar as crescentes tendências de multipolaridade.

A reorientação hegemônica do unilateralismo ao multilateralismo foi caracterizada por uma postura dual. De um lado, os discursos de Obama e documentos estratégicos do governo traziam uma retórica positiva de cooperação com antigos aliados e novas forças emergentes como os Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), na qual se incluíam a reforma de organismos multilaterais para reforçar sua legitimidade e representatividade (incluídos o Conselho de Segurança das Nações Unidas, o Fundo Monetário Internacional, o Banco Mundial e um papel diferenciado ao G-20 financeiro). De outro, as movimentações concretas indicavam a prevalência de práticas conhecidas de pressão e intervenção.

Não foram observadas alterações nesses organismos, tampouco um recuo militar. Embora a Guerra do Iraque tenha sido “formalmente” encerrada em 2011 e estabelecido um cronograma de saída das tropas no Afeganistão, com previsão para 2014, a atuação estratégica permaneceu, mantendo-se efetivos no Iraque e já com acordos para a manutenção de tropas em solo afegão pós-2014. Foram ampliados comandos militares nas Américas (USSoutcom), na África (USAfricom), na Ásia-Pacífico (USPacom) e o Central (USCentcom) e consolidada a ampliação da Otan. Além disso, merece destaque a Parceria Transpacífica (TPP), que visa o estrangulamento da China na Ásia, nas Américas e na África, com riscos que se estenda ao Brasil, ao oferecer oportunidades de cooperação econômica a essas regiões e a reorganização das forças estratégicas em cada uma dessas esferas de influência.

O novo capítulo

Diante deste retrospecto, e da prioridade à continuidade, o presidente reeleito realizou importantes substituições em sua equipe de governo. Nas relações internacionais, as mudanças atingiram os postos-chave da diplomacia e da inteligência, com a chegada de Chuck Hagel no Departamento de Defesa, John Kerry no Departamento de Estado e John Brennan na Central de Inteligência Americana (CIA), este após a renúncia de David Petraeus, ex-comandante das tropas no Iraque e no Afeganistão, devido a um escândalo sexual. No campo interno, Timothy Geithner cedeu seu posto como secretário do Tesouro a Jack Lew.

As indicações de Hagel e Kerry surgem como as mais controversas. Hagel, apesar de republicano, sofre rechaço do próprio partido e Kerry é visto como indeciso. Ambos seriam, para a oposição, “fracos e pacifistas” diante do Irã e de outros temas. Entretanto, ambos, até mais do que Hillary Clinton, antiga ocupante do Departamento de Estado, possuem maior identidade com a Casa Branca. Hillary sai de sua função sob investigação do Legislativo por conta do incidente na Líbia, e com problemas de saúde pouco conhecidos, ainda que já existam tentativas de lançar sua candidatura à sucessão de Obama em 2016.

Em termos domésticos, Obama apostou em ações significativas para garantir seus pacotes de estímulo, aumento de impostos para os ricos, valorização da classe média e do bem-estar. Valida a agenda derivada das bases eleitorais democratas que garantiram sua nova vitória, as minorias negra e hispânica (além das minorias sexuais e de gênero). A reforma da lei da imigração demonstra-se essencial nessa correlação de forças, uma vez que o eleitorado hispânico é o que mais cresce nos Estados Unidos. O tema foi abordado no discurso de posse em Washington e inclui questões polêmicas como a flexibilização das leis para legalização de imigrantes, não deportação de imigrantes ilegais jovens, incentivos à permanência no país, geração de empregos e proteção às fronteiras. Tal reforma, na atual conjuntura, pode sofrer menor resistência republicana devido à necessidade de cooptar novos eleitores.

Outra ofensiva refere-se ao controle de armas, que afeta desde questões de identidade até as raízes da nação norte-americana e seu direito à autodefesa (conforme previsto na Segunda Emenda), e a uma cultura da violência e cercada de desencanto. Inicialmente, a comoção pelo assassinato de crianças em uma escola em Connecticut parece ter gerado apoio popular para regras mais rígidas nesse campo, que podem, porém, se esvaziar diante das pressões republicanas. Em meio a esses debates, pouco se questiona o porquê de tanta violência e inadequação social.

É preciso que os compromissos da Casa Branca sejam mantidos, ainda que possam surgir como impopulares. Afinal, em uma sociedade dividida por linhas “de cores, opções e religiões”, pareceu prevalecer, mais uma vez, o desejo da maioria pela modernidade, igualdade e progresso. Se as primeiras movimentações de sua segunda Presidência soam mais sólidas no cumprimento da agenda pendente, Obama precisa enfrentar o desafio de caminhar adiante, resistindo à minoria ruidosa de determinados grupos de interesse e às oscilações dos ciclos eleitorais de 2014 e 2016.

Cristina Soreanu Pecequilo é professora de Relações Internacionais da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), pesquisadora Nerint/UFRGS, Unifesp/UFABC e UnB. Autora de Os Estados Unidos e o Século XXI (Ed. Campus Elsevier, 2012)