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A dura realidade na política europeia é que há poucas diferenças entre as políticas econômicas implementadas pela social-democracia e pela direita
 

No mundo, a crise financeira continua. No Brasil, após os dez anos de governo federal do PT, é possível sentir o avanço social. Mas ainda é preciso atacar questões estratégicas, como a democratização dos meios de comunicação, a reforma política e a contenção da "judicialização" da política

O ano se iniciou com uma série de fatos relevantes no cenário internacional, como a posse de Barack Obama para cumprir seu segundo mandato, a intervenção armada da França no Mali, o assassinato de um ativista laico na Tunísia, o escândalo das propinas pagas por empreiteiras a políticos do Partido Popular na Espanha, incluindo o atual primeiro-ministro Mariano Rajoy, as eleições parlamentares em Israel, o retorno dos liberais ao governo do Japão, a abdicação do papa e a nova explosão de um artefato nuclear pela Coreia do Norte.

O discurso de posse do presidente dos EUA, no tocante à política externa, deu peso à defesa da hegemonia americana no mundo. Isso, porém, deverá ser combinado com uma política de combate ao déficit econômico do país, que já alcançou 100% do PIB, indicando que buscará ampliar os acordos comerciais regionais favorecidos pela desvalorização do dólar e sua política de segurança investirá na instalação de bases militares em regiões sensíveis como o Norte da África, o Oriente Médio e o Extremo Oriente, com redução do número de tropas e equipamentos regulares e ampliação da ação de forças especiais e aviões não tripulados.

A atual intervenção armada liderada pela França no Mali, com apoio dos EUA e da Otan, representa mais um passo na "balcanização" do processo político iniciado pela chamada "Primavera Árabe", particularmente a partir da interferência do Ocidente em países como Líbia e Síria. Mesmo em países como Tunísia e Egito, onde as ditaduras caíram graças às mobilizações populares, o processo político levou posteriormente a impasses entre forças laicas e partidos islâmicos. Um importante líder da "Frente Popular" na Tunísia, Chocri Belaïd, foi assassinado em 6 de fevereiro, depois de receber várias ameaças por suas críticas ao Partido Ennahda, grupo islâmico majoritário no governo, e aos radicais salafitas. E sua morte provocou novas mobilizações.

A esse cenário acrescenta-se o resultado das eleições israelenses, nas quais a coligação do partido Likud do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu com o Israel Beiteinu de seu ex-chanceler Avigdor Lieberman conquistou número suficiente de votos para ter a primazia de formar o novo governo. Para obter a maioria no Parlamento (61 cadeiras), porém, dependerá de alianças ao centro e com os partidos ultrarreligiosos, o que implicará o prosseguimento da colonização dos territórios palestinos ocupados e a radicalização da segurança. Ou seja, as complicações para os palestinos continuam.

Nas eleições parlamentares realizadas no final de 2012 no Japão, os liberais voltaram ao governo, o que fortalece as opções conservadoras na política internacional e no enfrentamento da crise por meio de medidas de austeridade. Um dos novos ministros japoneses chegou a sugerir que a melhor opção para os idosos é cometer haraquiri! A retórica japonesa deverá subir de tom na disputa com a China pela posse das Ilhas Senkaku (em japonês) ou Diaoyu (em chinês) e, particularmente, com a Coreia do Norte, que acaba de detonar seu terceiro artefato nuclear desde a primeira explosão, em 2006. Esse mais recente membro do restrito "clube nuclear" aparentemente se encontra próximo de obter a tecnologia de equipar mísseis de longo alcance com ogivas atômicas.

A crise continua profunda na Europa, conforme demonstra a crescente taxa de desemprego, e com poucas perspectivas de alterações políticas. Tudo indica que a chanceler alemã, Angela Merkel, deverá ser reeleita, o governo socialista na França não consegue apresentar alternativas às receitas alemãs de austeridade no continente e nem mesmo as denúncias de que políticos de renome do Partido Popular, atualmente governando a Espanha, se locupletaram com propinas pagas por empreiteiras têm animado a população a buscar alternativas. A dura realidade na política europeia é que há poucas diferenças entre as políticas econômicas implementadas pela social-democracia e pela direita no continente.

Assim, a integração latino-americana, por meio do Mercosul, da Unasul e da Celac, junto com o fortalecimento das posições dos Brics na geopolítica mundial, torna-se cada vez mais relevante para a continuidade das transformações iniciadas nas últimas décadas e para o enfrentamento dos efeitos da conjuntura internacional. No entanto, o processo político em áreas como México e América Central indica que as forças de esquerda enfrentarão dificuldades para fazer avançar seus projetos progressistas, e mesmo as negociações de paz entre o governo colombiano e as Farc, se bem-sucedidas, serão capitalizadas pelo governo Santos, e não pela esquerda, apesar de esta ter tentado colocar o tema na agenda por muitos anos.

No Brasil consolida-se a opção "produtivista/industrialista" do governo Dilma, com a redução dos custos da energia elétrica após as medidas de desoneração da folha de pagamentos e da abertura de novas concessões na infraestrutura. Verifica-se, porém, que há limites no tocante ao enfrentamento com o setor rentista, por meio da continuidade da redução das taxas de juros, e não se observam medidas quanto a uma reforma fiscal que mude o atual sistema de impostos regressivos para um sistema progressivo. Colocar o superávit primário de 3,1% na LDO foi um equívoco. Os recentes ataques da mídia, inclusive internacional, ao ministro Guido Mantega são uma reação desse setor para tentar reverter, ou pelo menos estancar, suas perdas, embora continue ganhando muito, conforme demonstram os altos lucros do setor bancário.

O movimento sindical, por sua vez, queixa-se de que os benefícios concedidos ao setor empresarial não implicaram contrapartidas para os trabalhadores e de que há entraves no diálogo do governo com o movimento social. A expectativa é que isso comece a mudar a partir de reunião da presidenta com a CUT, bem como da programada marcha das centrais sindicais a Brasília em defesa dos direitos dos trabalhadores, no dia 6 de março.

A mídia nacional, após as eleições municipais favoráveis ao PT, tem concentrado seus ataques ao governo Dilma sob qualquer pretexto, e os descontentes à direita e à esquerda vêm defendendo o retorno de Lula à Presidência em 2014 como forma de pressioná-la. No entanto, o ex-presidente tem reiterado seu apoio à reeleição de Dilma, programando inclusive uma série de encontros regionais com a presença de ambos para discutir o que representaram estes dez anos e o que ainda poderá ser feito.

No dia 19, o governo divulgará os indicadores dos impactos das políticas sociais. A oposição, que perdeu muito espaço, particularmente desde 2006, tenta com dificuldades construir uma candidatura presidencial viável para 2014, para a qual o senador mineiro, Aécio Neves, desponta com maior força.

A avaliação dos dez anos de governo federal do PT é positiva no sentido do avanço social e do enfrentamento dos diferentes desafios que se apresentaram. Ainda há, porém, questões estratégicas que não foram tocadas, como a democratização dos meios de comunicação, a reforma política e a contenção da "judicialização" da política. Apesar das dificuldades normais de um governo de coalizão como o atual devido aos baixos níveis de consenso, é fundamental que o PT amplie sua presença na conjuntura. A realização da coleta de assinaturas para um projeto de lei de iniciativa popular pró-financiamento público das campanhas eleitorais será uma oportunidade importante para debater a reforma política com a sociedade. E o PED deste ano, assim como o próximo Congresso do PT, também representa um excelente momento para atualizar o debate e a estratégia partidária.

Grupo de Conjuntura da Fundação Perseu Abramo é composto por economistas, cientistas políticos e dirigentes partidários e lideranças dos movimentos sociais, convidados pela diretoria da FPA periodicamente para discutir acontecimentos nacionais e internacionais e suas consequências na situação política, econômica e social do país. Este texto é uma síntese da reunião realizada em  fevereiro de 2013