Internacional

Desde os tempos do ditador Stroessner, o general da reserva sempre teve forte peso no cenário político paraguaio

A negação histórica da existência de um povo palestino, necessária para afirmar o status da terra como res nullius, como uma terra sem povo destinada ao povo a que fora prometida, mantém-se constante até hoje e é acompanhada da vilificação daqueles que estão “do outro lado”, daqueles menos civilizados, dos radicais, dos amantes da morte

Apóa o golpe contra Luga, Oviedo e seu partido integraram o novo governo

Após o golpe contra Lugo, Oviedo e seu partido integraram o novo governo do Paraguai. Foto: Marcos Brindicci/Reuters

Já era noite no sábado 2 de fevereiro quando o general da reserva reformado Lino Oviedo obrigou o piloto de seu helicóptero a alçar voo para voltar de um ato político no norte do país para a capital paraguaia. Os temores do piloto com o mau tempo no trajeto se converteram em uma tragédia na qual morreram os dois, assim como um guarda-costas. Oviedo era o último político vivo de peso que, tendo sido um importante nome da ditadura do general Stroessner, havia se reciclado, tornando-se líder político na democracia. Com seu estilo autoritário e populista de direita, desenvolveu a capacidade de ser o “árbitro” da política paraguaia. Agora, várias forças partidárias disputam seu legado visando à eleição do próximo 21 de abril, na qual ele tentaria a Presidência pela terceira vez.

Nascido em 1943, Oviedo seguiu a carreira militar tradicional como muitos filhos do campesinato paraguaio. Ingressou no colégio militar em 1962 e em 1981 era tenente-coronel e braço direito do general Andres Rodriguez, então segundo militar na hierarquia da ditadura, além de consogro do ditador Stroessner. Várias fontes indicam que ele também foi seu sócio em negócios privados normalmente ilícitos, o que era comum entre membros da alta hierarquia do regime daquela época.

Foi o golpe de Estado que Rodriguez encabeçou contra Stroessner em 2 e 3 de fevereiro de 1989 que o lançou Oviedo à fama, pois recebeu e cumpriu a incumbência de obter a rendição do ditador, que depois partiria para o Brasil, onde o governo Sarney lhe concedeu asilo.

Na transição democrática que se seguiu, ele assumiu o comando da Primeira Divisão de Cavalaria (de onde também saiu Rodriguez) e logo se tornou general de Divisão. Fortalecido nas Forças Armadas, Oviedo interveio nas disputas dentro do Partido Colorado, que já havia servido de sustentação à ditadura Stroessner e agora era o aparato político de Rodriguez.

Nas convenções internas desse partido em dezembro de 1992, ele teve participação fundamental na fraude que impediu a candidatura à Presidência do caudilho colorado civil Luis María Argaña na eleição de 1993, obrigando o partido a aceitar a candidatura do empresário Juan Carlos Wasmosy, que, beneficiado por Stroessner, ganhou milhões de dólares com as obras de construção de Itaipu.

O jornalista Andrés Colmán conta que “Wasmosy era o candidato e o general Oviedo era seu principal operador político. Ele exercia o poder a tal ponto que, quando as primeiras contagens de votos das eleições começaram a dar Argaña como vencedor, mandou suspender a apuração, sequestrou as urnas, modificou os resultados e finalmente declarou Wasmosy vencedor”.1

Já eleito, Wasmosy nomeia Oviedo como comandante do Exército. Nessa função, ele passou a operar como o poder por trás do poder e a aproveitar os recursos públicos e o aparato do Estado para sua autopromoção política. Divergências políticas e nos negócios entre ambos explodiram em 22 de abril de 1996, quando após uma discussão – segundo se disse na época, sobre quais empresas seriam fraudulentamente adjudicadas para a construção da segunda ponte sobre o Rio Paraná2, Oviedo aquartelou as tropas e exigiu a renúncia de Wasmosy. Isso deflagrou uma crise política. Apoiado pelos embaixadores dos Estados Unidos, do Brasil e de outros países, Wasmosy desarticulou o golpe nomeando Oviedo como ministro da Defesa, para em seguida reformá-lo como militar, mas não se atreveu a processá-lo.

Oviedo então se lançou a uma batalha política pela Presidência, para as eleições que seriam realizadas em 1998. Enfrentando novamente Argaña, foi vitorioso na prévia do Partido Colorado, no que talvez tenha sido o auge de sua trajetória política. Ele estava a ponto de tomar de assalto esse partido tradicional (fundado em 1887) para seu projeto, conforme fizera com outro roteiro, o general Stroessner nos anos 1950. Para isso, criou um movimento interno denominado União Nacional de Colorados Éticos (Unace), o qual transformaria em partido depois de sua expulsão do Colorado.

Para ascender no cenário político, combinou uma estrutura política que em alguns âmbitos beiraba o paramilitarismo e, em outros, o assistencialismo clientelístico. Tudo indicava que seria eleito presidente como candidato colorado. Wasmosy se interpôs nesse caminho ao processá-lo pela tentativa de golpe de Estado em 1996. Preso e condenado, Oviedo ficou impedido de continuar sua carreira. Seu vice, o engenheiro Raul Cubas, assumiu a titularidade da candidatura e, seguindo os estatutos do partido, fica como seu vice Luis María Argaña, o caudilho colorado derrotado na convenção interna. Essa fórmula explosiva Cubas-Argaña ganhou as eleições para a Presidência com 54% dos votos.

Aproveitando a vitória de seu indicado, Oviedo força sua libertação de forma ilegal e enfrentando uma decisão do Supremo Tribunal. Cubas e Oviedo ignoram a Constituição e as leis, e fazem o país mergulhar em uma crise de Estado. Com isso, o paramilitarismo e a prepotência oviedista mostram abertamente sua face. Nesse contexto, em 23 de março de 1999 é assassinado o vice-presidente Argaña, o inimigo número 1 de Oviedo dentro do Partido Colorado. Imediatamente Oviedo é apontado como o autor intelectual do magnicídio.

Milhares de cidadãos, sobretudo jovens, reúnem-se para exigir a renúncia de Cubas e a prisão de Oviedo, no episódio que depois seria conhecido como “Março Paraguaio”. Entretanto, o Congresso inicia uma tramitação política para a destituição de Cubas através de um impeachment. Nas praças há enfrentamentos entre forças pró e contra Oviedo que culminam com o ataque de franco-atiradores, em 26 de março, matando sete jovens antioviedistas. Cubas renuncia e obtém permissão de FHC para se refugiar no Brasil, ao passo que Oviedo escapa e se refugia na Argentina de Menem.

O titular do Senado, o colorado Luis Angel Gonzalez Macchi, assume a Presidência. É emitido um pedido de captura internacional contra Oviedo que só se cumpriria em 12 de junho de 2000, já em Foz do Iguaçu, no Paraná. Mas Oviedo apela e, com a ajuda de políticos paranaenses, consegue asilo no Brasil. Ele tinha vínculos com o Brasil desde os tempos de comandante militar na região limítrofe com Mato Grosso do Sul e Paraná, nos anos 1980, quando era o “manda-chuva” em uma fronteira marcada por negócios ilícitos de todos os tipos e repleta de colonos migrantes brasileiros. Oviedo se gabava de organizar caravanas de grandes contingentes de “brasiguaios” para votarem nas eleições brasileiras, com o que obtinha favores de políticos regionais. Decidido a voltar à política paraguaia, em 24 de junho de 2004 ele se entregou à Justiça de seu país e foi preso novamente.

Seja por corrupção do poder judicial, seja pela conveniência de que sua candidatura tiraria votos ao candidato de oposição, o ex-bispo Fernando Lugo, Oviedo conseguiu se safar de todos os processos, saiu em liberdade e se lançou novamente à campanha presidencial. Ficou em terceiro lugar nas eleições, longe dos 41% de Lugo e dos 30% da candidata colorada Blanca Ovelar, mas ainda assim obteve 22% e uma expressiva bancada de nove senadores.

Oviedo utilizou esse peso legislativo para negociar com Lugo e também para chantageá-lo, pressionando para ocupar espaços institucionais com seus operadores incondicionais (na Justiça, na Controladoria etc.). Por fim, aliado ao Partido Liberal Radical Autêntico (PLRA) no Congresso desde meados de 2011, iniciou os preparativos para o golpe legislativo que derrubou Lugo em 22 de junho de 2012.

Seu partido integrou o novo governo surgido com o golpe, ocupando a pasta da Defesa, o que lhe possibilitou voltar a se imiscuir nas forças militares.

Fontes próximas afirmam que ele deixou uma fortuna de quase US$ 1 bilhão, muito além do que um general paraguaio conseguiria acumular por meios legais. No entanto, a distribuição desse patrimônio aparentemente será menos complicada que a do seu potencial eleitoral (as últimas pesquisas mostravam que tinha algo como 10% das intenções de voto).

Com sua morte, o PLRA (Partido Liberal Radical Auténtico, do atual presidente Federico Franco) tratou de absorver eleitoralmente a Unace, oferecendo a vice-presidência de sua chapa, para poder enfrentar a candidatura colorada, hoje a favorita. Como não havia, porém, uma fórmula nem legal, nem eleitoralmente viável, o PLRA retrocedeu. O Partido Colorado tem também tomado iniciativas para receber esses eleitores que em na grande maioria já foram seus até o anos 1990. A decisão da família e do partido de Oviedo foi lançar um sobrinho que tem o nome igual ao dele como forma de tentar salvar parte dos votos para as listas parlamentares. Como esse sobrinho não é sequer uma sombra do general, é duvidoso que seja o depositário de seus votos.

A extinção do homem será a diluição de sua obra. O general não deixará saudade na política paraguaia.

Gustavo Codas é jornalista e economista, mestre em Relações Internacionais