Frear o crédito da Caixa à grande empresa trata-se de abrir guarda à ofensiva de interesses concorrentes e setores conservadores
Frear o crédito da Caixa à grande empresa trata-se de abrir guarda à ofensiva de interesses concorrentes e setores conservadores
Limitar um banco como a Caixa a segmentos de menor lucratividade e maior inadimplência é abrir espaço a um mundo do passado, quando a esses bancos quebrados, impossibilitados de auxiliar o país em uma crise, só era oferecida como possibilidade a privatização a preço de banana
“Frear o crédito da Caixa à grande empresa”, como colocado pelo jornal Valor Econômico de hoje (29/8/13), trata-se de um duplo erro de uma dupla ofensiva de interesses de concorrentes da Caixa e de setores conservadores.
Os setores conservadores não admitem que a Caixa e os outros bancos públicos tenham tido extraordinário desempenho no enfrentamento da crise e na garantia do fluxo de crédito à economia, quando os bancos privados ampliavam sua aversão ao risco.
Hoje fazem eco a posições equivocadas (do FMI, por exemplo) em nome de um suposto ajuste fiscal, absolutamente desnecessário, considerando que a dívida bruta permanece estabilizada em torno de 60% do PIB (resultado excelente se comparado ao de outros países).
Mais grave é que esse suposto ajuste não corresponde à realidade, pois a Caixa repassa sistematicamente seus lucros ao proprietário, o governo federal, e ao mesmo tempo tem um dos mais elevados índices de Basileia (que estabelece o índice mínimo de reserva para enfrentar possíveis crises de crédito) dentre os bancos brasileiros.
Ainda mais grave é, se considerarmos que essa posição equivocada possa se fortalecer, que o passo seguinte seria propor a redução dos aportes do Tesouro ao BNDES, e portanto eliminar a contribuição única deste outro banco público ao financiamento e ao investimento de longo prazo, sem a qual não haveria crescimento econômico.
No entanto, essa pressão por “frear o crédito da Caixa à grande empresa” também tem por trás os interesses de bancos concorrentes. Estes não conseguem admitir que a Caixa, utilizando-se exclusivamente de sua competência e de recursos de mercado, tenha aumentado sua participação neste segmento e sua lucratividade.
Além de ampliar sua competitividade, e portanto exigir maior esforço de seus concorrentes, tal fato permite à Caixa desempenhar mais à vontade suas responsabilidades sociais (como os pagamentos do Bolsa Família, o financiamento do Minha Casa, Minha Vida, entre muitas outras responsabilidades).
De fato, esse segmento é muito atrativo para a conformação da carteira de crédito dos bancos, ainda que, mesmo assim, tenha sido abandonado ou menosprezado pelos concorrentes durante a crise. Trata-se de um segmento em que, em geral, os recursos são vultosos com custos relativamente baixos. Ao mesmo tempo, apresenta inadimplência mais baixa que outros, permitindo que se reduza a média da inadimplência do conjunto da carteira.
Se queremos que o Brasil continue com capacidade de enfrentar crises internacionais e de crédito precisamos manter nossos bancos públicos fortes e competitivos, capazes de enfrentar, em pé de igualdade, a concorrência bancária e, ao mesmo tempo, cumprir suas responsabilidades sociais. Limitar um banco como a Caixa a segmentos de menor lucratividade e maior inadimplência é abrir espaço a um mundo do passado, quando a esses bancos quebrados, impossibilitados de auxiliar o país em uma crise, só se oferecia uma possibilidade: sua privatização a preço de banana.
Leia a matéria “Frear o crédito da Caixa à grande empresa" do jornal Valor Econômico.
Jorge Mattoso é economista e consultor. Foi professor da Unicamp, presidente da Caixa Econômica Federal e secretário municipal em São Paulo e São Bernardo do Campo