Política

Quanto mais autônomo e protagonista for o PT, mais poderá relacionar-se de forma crítica e criativa com o governo e os movimentos sociais

Renato Simões, nascido em Campinas, iniciou sua militância na Pastoral da Juventude e posteriormente nas Comunidades Eclesiais de Base e na Pastoral Operária. Coordenou o Centro de Documentação e Comunicação da Arquidiocese de Campinas.

Formado em Filosofia na PUC-Campinas, pós-graduou-se em Direitos Humanos na Faculdade de Direito da USP. Foi presidente do PT em Campinas (SP), integrou a Comissão Executiva Estadual do partido, na qual foi secretário de Formação Política, e membro do Diretório Nacional do PT. Está em seu terceiro mandato na Comissão Executiva Nacional, como secretário nacional de Movimentos Populares e Políticas Setoriais do PT.

Em 1992 candidatou-se à Prefeitura de Campinas pelo PT e, de 1995 a 2007, elegeu-se deputado estadual por três mandatos consecutivos.

Criou e presidiu por dez anos a Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp), na qual instituiu o Prêmio Santo Dias de Direitos Humanos. Aprovou farta legislação sobre direitos humanos, entre as quais as leis que punem a homofobia no estado; sobre os direitos das vítimas da violência e a proteção de testemunhas; de combate à violência e exploração contra crianças e adolescentes; sobre a notificação compulsória de casos de violência contra a mulher na rede pública de saúde.

Renato Simões acaba de assumir o mandato de deputado federal.

Renato Simões é candidato à Presidência Nacional do PT no PED 2013

Renato Simões é candidato à Presidência Nacional do PT no PED 2013. Foto: Richard Casas

Quais os objetivos estratégicos do PT?

O PT tem como objetivo estratégico, desde sua fundação, o socialismo, tanto que  propõe uma articulação de forças em torno de um programa democrático e popular, de reformas estruturais na sociedade brasileira, a ser disputado em lutas institucionais e de massas. Apesar de toda a diluição programática por que passou o partido, essa formulação, do 5º Encontro Nacional do PT, nunca foi revogada. E é cada vez mais urgente e necessária.

Politicamente, quem são nossos principais inimigos?

O PT nasceu como um partido de expressão política da classe trabalhadora, entendida como uma ampliação do conceito clássico do proletariado para o mundo dos assalariados, dos que vivem do seu trabalho, independentemente do espaço que ocupam no processo de produção. Consequentemente, se contrapôs globalmente ao capital e aos capitalistas em geral, principais inimigos de classe trabalhadora.

Como tratar os adversários secundários e possíveis alianças pontuais com eles? O que é inegociável?

O lulismo introduz um elemento novo nessa concepção originária do PT. É um fenômeno político construído ao longo da institucionalização do partido e do processo de luta contra o neoliberalismo, quando várias frações de classe da burguesia prejudicadas pela voracidade do capital financeiro e do mercado sem regras se aproximaram da classe trabalhadora brutalmente atacada em seus direitos para construir alternativas políticas. O lulismo nasce, pois, com uma perspectiva de governo de conciliação entre a classe trabalhadora e as frações de classe da burguesia, representadas na coligação vitoriosa do primeiro governo Lula por José Alencar. São características desse fenômeno a construção de mudanças sociais sem rupturas estruturais, a elevação dos de baixo sem o ataque aos privilégios dos de cima. Nesse sentido, o lulismo assume caráter suprapartidário e policlassista. Em oito anos de governo, principalmente no segundo mandato, os resultados dessas políticas foram globalmente positivos na afirmação da soberania nacional, da inclusão social, do desenvolvimento em favor da maioria, sem, no entanto, realizar ou deixar encaminhada a realização das reformas democráticas e populares de nosso ideário.

Quais táticas devem ser adotadas para garantir a vitória de Dilma em 2014?

A resposta de Dilma às manifestações de junho sinalizou um governo de avanços sociais e de reformas estruturais. É praticamente consensual no PT, pelo menos no discurso de todas as chapas inscritas no Processo de Eleições Diretas, que o centro de um segundo mandato de Dilma, superior ao primeiro, seja a luta por reformas democráticas e populares.

Dilma se colocou corretamente à esquerda para responder ao chamado clamor das ruas, defendendo a reforma política via Constituinte exclusiva, a qualificação dos serviços públicos de saúde, educação e mobilidade e a ampliação da participação popular. Seu programa, e consequentemente sua política de alianças, deve trilhar por esse caminho, com certeza conflitivo por natureza, mas com um vínculo real com a estratégia reclamada pelos e pelas petistas.

Como reatar os laços do partido com a base da sociedade?

O PT não pode viver à sombra do governo ou às expensas das conquistas do lulismo. O partido, ao institucionalizar de forma quase exclusiva sua ação, burocratizou-se de forma tal que anulou as originais estruturas de participação da massa de filiados e filiadas em seu interior – núcleos, setoriais, formação política etc. Continua sendo uma esquerda analógica num mundo digital, com pífia capacidade de comunicação com sua base social, seu eleitorado e o conjunto da sociedade. Perdeu a batalha ideológica para o mercado no meio acadêmico e afastou-se decididamente dos horizontes políticos da juventude. Por isso, mudar a política é condição básica para recompor laços sociais, revitalizando sua democracia interna, abrindo-se a um novo padrão de comunicação e a uma relação direta e dialogal com os movimentos sociais organizados e representativos dos vários setores sociais.

Quais as táticas mais acertadas para o PT disputar as manifestações que ocorrem desde junho?

Em primeiro lugar, recolocar no centro de sua elaboração e prática a necessária autonomia entre partido, governo e movimentos sociais. Quanto mais autônomo e protagonista for o PT enquanto partido político, mais poderá relacionar-se de forma crítica e criativa com o governo e os movimentos sociais.

A autonomia implica o reconhecimento de que somos trincheiras de uma mesma luta, de igual dignidade, mas com papéis e tarefas distintos no processo de transformação social. Portanto, partido, governo e movimentos sociais podem sentar-se à mesma mesa, construir agendas comuns e preservar para o embate democrático as agendas diferentes ou divergentes. Uma agenda comum de caráter democrático e popular será o mais poderoso instrumento para impulsioná-las, visto que o atual modelo de governabilidade que limita as ações à capacidade de implementá-las por canais totalmente institucionais tem falhado redondamente na consecução das reformas democráticas e populares.

Ao mesmo tempo, é preciso reconhecer que as organizações tradicionais da esquerda na frente de massas também passaram por um processo de crítica durante as manifestações de junho e seguintes. Não só o PT, mas outros partidos de esquerda, entre eles os que fazem oposição ao governo Dilma, as centrais sindicais e os movimentos sociais organizados também mostraram claros sinais do envelhecimento de seu discurso, práticas e manifestações. Portanto, o diálogo há pouco proposto deve envolver também novos movimentos sociais que se organizam sem a verticalidade dos movimentos tradicionais, sem a referência de suas lideranças na luta institucional ou partidária e com novos mecanismos horizontais de liderança e organização.

Como recompor o PT política e organizativamente para enfrentar os desafios atuais?

A reforma política do PT foi iniciada com as importantes resoluções do nosso 4º Congresso, que incorporaram aos estatutos conquistas democráticas ousadas e desafiadoras. Implementar suas resoluções é tão necessário quanto difícil. O PED, momento primeiro de construção das novas direções, começa no sentido oposto, tangenciando várias resoluções do partido para continuar abrigando mazelas do sistema político vigente no país que reproduzimos na condução partidária. O espírito do 4º Congresso é de renovação das lideranças, de democratização e transparência das instâncias, de combate efetivo à sub-representação de mulheres, negros e negras, indígenas e jovens na direção partidária, de limitação da representação institucional e de condução partidária. Uma direção capaz de garantir o que foi aprovado no 4º Congresso já será um avanço considerável para enfrentar os desafios políticos atuais.

As manifestações de junho sinalizam a necessidade de renovação na política. O congresso do partido aprovou 20% de jovens nos cargos de direção. Com relação à juventude, o que o partido pode fazer para acelerar esse processo de renovação na política brasileira?

Considero essencial desestatizar e desburocratizar a Juventude do PT (JPT). Durante anos, o debate sobre políticas públicas para a juventude a partir dos espaços de governo que conquistamos e a intervenção no movimento estudantil, em especial universitário, constituíram a pauta prioritária da JPT. Nas manifestações de junho, vimos que setores JPT foram fundamentais no processo que se desencadeou nas ruas, enquanto outros setores acompanharam burocraticamente o desenrolar dos acontecimentos. “Juventude petista, de esquerda e socialista” não pode ser apenas um refrão, mas uma realidade a se reproduzir na presença da juventude nas lutas sociais, nos setoriais partidários, na construção partidária de base. Confio muito no papel renovador que esse segmento do PT pode consolidar nos próximos anos, se abrir-se à lição e às oportunidades que as recentes manifestações de rua abriram.

No governo, como administrar o capitalismo numa perspectiva socialista?

Estamos no meio de uma prolongada crise do capitalismo mundial, não só financeira como social, ambiental, energética, de alimentos. Com baixas taxas de crescimento à vista, as conquistas do lulismo começam a ser ameaçadas e exigem rupturas com privilégios dos de cima para serem mantidas e aprofundadas. Sem reformas democráticas e populares, portanto sem conflito social e disputa política, não lograremos êxito nos avanços necessários para sustentar uma perspectiva socialista no governo. Por isso, governar sem ampliar a participação popular e a pactuação com os movimentos sociais, para além dos acordos de governabilidade, não permitirá enfrentar a oposição às reformas, por parte dos inimigos de classe e mesmo dos aliados conservadores da base parlamentar governista. Essa revisão geral deve ser o centro do debate do 5º Congresso, com consequências já para a campanha presidencial de 2014 e o futuro governo Dilma: programa avançado, reformas democráticas e populares no centro, relação com movimentos sociais, alianças institucionais programáticas e disputa política farão do segundo governo Dilma um governo melhor e mais transformador.

Qual a tática mais apropriada para reformar o Estado brasileiro num sentido democrático?

A derrota da reforma política no Parlamento mostra a incapacidade das elites políticas em reformar minimamente a estrutura do Estado. Aos 25 anos da Constituição de 1988, é preciso reconhecer que, ao lado de importantes rupturas com a ordem constitucional anterior, convivem estruturas que perpetuam as estruturas sociais e políticas contidas na Constituição de 1946, pioradas com a imposição dos militares na Constituição de 1967 e os Atos Institucionais. Em linha geral, essas estruturas do Estado permanecem inalteradas pela Constituição de 1988. A luta pela Constituinte, que será levada às ruas pelo plebiscito popular em construção pelos mais importantes movimentos sociais do país, deve estar presente na campanha presidencial, e será um diferencial importante de Dilma em relação às demais candidaturas. Dilma propôs o plebiscito e a Constituinte exclusiva, ambos negados pelo Congresso, e deve retomar o tema na campanha eleitoral para viabilizar um canal mais amplo para o debate sobre a reforma do Estado.

Há décadas, o PT tem como principais bandeiras algumas reformas, que em dez anos de governo petista não avançaram. Qual a sua opinião sobre a viabilidade das reformas política, tributária e agrária, bem como a regulamentação dos meios de comunicação?

No quadro atual, estão travadas por forças conservadoras de oposição e dentro do próprio governo e sua base parlamentar. As reformas agrária, urbana, política, tributária e dos meios de comunicação devem estar na base do programa partidário para o próximo período, e para a composição do arco de alianças da campanha presidencial de Dilma. O principal sustentáculo dessas reformas extrapola a mera institucionalidade, pois deve integrar partidos de esquerda, governo e movimentos sociais numa agenda comum e com táticas de luta diferenciadas, institucionais e de massas. É Pela Esquerda Que Queremos o Brasil, e esse deve ser o grande tema do nosso 5º Congresso, como já afirmei.

Em relação ao Parlamento, como restabelecer uma ação conjunta em que prevaleçam os princípios e decisões partidários?

O PT não pode continuar sendo corroído pelo sistema político vigente que não conseguimos reformar. Por esse sistema, os mandatos valem mais que o partido, são autônomos e referenciados nos financiadores de campanha e seus interesses. A reforma política é o exemplo. Perdemos a grande oportunidade, com Tarso Genro ministro da Justiça e Lula presidente, quando o governo entrou pra valer na disputa da reforma política, por uma divisão na bancada do PT. Parlamentares contrários à reforma política usaram o artifício de voto contrário a um requerimento de preferência de votação da Liderança do PT para sinalizar que o partido não iria votar unido na proposta de reforma política aprovada pelo Diretório Nacional e pela maioria da bancada. O mesmo desastre não fomos capazes de impedir agora, quando a sabotagem do PMDB às propostas do PT e posteriormente da própria presidenta Dilma foram legitimadas por um deputado petista que verbalizou, com certeza, opiniões de outros silentes parlamentares. O PT lutou por anos para que se considerassem as bancadas como instâncias partidárias, e abre mão de exercer – como recentemente aconteceu no Diretório Nacional no caso do afastamento do deputado Vacarezza da presidência da Comissão de “Contra-Reforma” Política – suas prerrogativas de direção. Partido que abre mão de suas prerrogativas em relação a suas bancadas acaba fracassando em seus objetivos, como aconteceu no caso da reforma política nas duas oportunidades aqui relatadas.