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Entre os muitos desafios da reforma política, talvez o maior seja equacionar a relação entre dinheiro e eleições

Hoje já há um entendimento majoritário na sociedade de que o sistema político atual se esgotou e precisamos de uma política melhor, mais democrática e representativa e, acima de tudo, mais independente em relação à força do poder econômico

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Nosso sistema político se mostra cada vez mais influenciado por um pequeno grupo econômico. Foto: José Cruz/Abr

Entre os desafios da reforma política, talvez o maior seja equacionar a relação entre dinheiro e eleições. Os problemas de financiamento das campanhas são observados em praticamente todos os países democráticos. Nas últimas décadas, a situação vem se agravando, e em nosso país isso é especialmente visível. Até hoje não conseguimos estabelecer um limite para essa escalada vertiginosa de gastos, como fizeram outros países. No Brasil, gastar cada vez mais é legal e permitido.

Para enfrentar a questão, o primeiro passo é conhecê-la. O ponto inicial a observar é o crescimento global dos gastos nas três últimas eleições nacionais. Em 2002, os valores declarados por partidos e candidatos nas campanhas para presidente da República, governadores, senadores, deputados federais, estaduais e distritais totalizaram R$ 827,6 milhões; em 2010, chegaram a R$ 4,89 bilhões – um aumento de 591% em oito anos. Se o aumento do volume dos recursos utilizados nas campanhas já é bastante emblemático, a preocupação se agrava quando se analisa a relação entre gastos de campanha versus resultados eleitorais.

A análise das prestações de contas dos candidatos a deputado federal, em 2010, mostra que os 513 eleitos despenderam, em média, doze vezes mais do que o restante dos não eleitos (em alguns estados, cerca de trinta vezes) e 369 deles (72%) foram os que mais gastaram nas campanhas em seus estados.

Além do impacto crescente do volume de recursos nas chances de êxito eleitoral, nosso sistema político tem se caracterizado pela influência cada vez maior de um pequeno número de doadores na composição do montante global dos recursos utilizado pelos candidatos. Na análise do financiamento privado das campanhas em 2010, verificamos que os 200 maiores doadores, em sua absoluta maioria pessoas jurídicas ou pessoas físicas ligadas ao meio empresarial, foram responsáveis por 45% de todas as contribuições em dinheiro aos partidos, comitês e candidatos.

Significa dizer que os grandes financiadores, de acordo com seus princípios ideológicos ou interesses empresariais (visando à realização de futuros negócios com o poder público), elaboram verdadeira “lista fechada” dos candidatos que receberão seu aporte de recursos e, em consequência, terão chances diferenciadas de êxito eleitoral.

Se esse é o caso, então podemos afirmar que, na democracia representativa brasileira, alguns poucos privilegiados possuem poder absolutamente desigual de influenciar os destinos de nosso sistema político, em detrimento dos 138 milhões de eleitores, que só contam com o reduzido peso do voto individual para manifestar sua preferência política e interferir nos destinos do país.

O poder do dinheiro

Confira quem são os maiores doares de campanha de 2010

 

Mas nós não vamos nos cansar dessa luta enquanto não resolvermos esse que considero um dos principais problemas do sistema político brasileiro.

A sociedade apoia a mudança

O movimento pelo fim das doações de empresas já é vitorioso pela construção do que chamo de hegemonia política de uma ideia. Partidos políticos e mais de noventa entidades da sociedade civil organizada passaram a defender o fim da influência do poder econômico nas campanhas eleitorais. Diferentemente de dois anos atrás, quando fui relator da Comissão Especial da Reforma Política, há alguns meses não ouvimos pronunciamentos em defesa do financiamento de empresas. Existe um certo silêncio dos defensores desse modelo.

A mais recente manifestação pública que ouvimos foi do ministro Gilmar Mendes no julgamento do STF da Ação Direta de Inconstitucionalidade da Ordem dos Advogados do Brasil contra as doações de empresas no processo eleitoral. O ministro, que pediu vista, mas já explicitou o conteúdo do seu voto, definiu o financiamento empresarial como fundamental para garantir a democracia no país. A maioria do Supremo, no entanto, pensa diferente, e por 6 a 1 está definindo pela inconstitucionalidade das doações de empresas. Além de Gilmar Mendes, faltam votar os ministros Celso de Mello, Rosa Weber e Cármen Lúcia.

Paralelamente, seguimos batalhando no Parlamento pela mudança no nosso modelo de financiamento eleitoral. Nas últimas semanas, o Senado votou a matéria em caráter terminativo, ou seja, sem passar pelo plenário. O fim das doações empresariais pode ser votado agora pelos deputados, que têm a oportunidade de colaborar para baratear as campanhas e tornar a disputa mais igual e mais acessível a quem deseja ser candidato.

Sem sombra de dúvidas, é uma iniciativa que representará um importante avanço para o aperfeiçoamento da democracia brasileira.

Henrique Fontana é deputado federal (PT-RS) e vice-líder do governo Dilma na Câmara