Nacional

Lamentavelmente, aspectos religiosos estão perpassando todo o tempo vários temas em discussão no Congresso como se o Brasil não fosse um país laico

Em 20 de dezembro de 2010, o Poder Executivo apresentou a Mensagem nº 701, que submete à apreciação do Congresso Nacional o texto de projeto de lei para aprovação do Plano Nacional de Educação (PNE) para o decênio 2011-2020. Assim começou a tramitação no Congresso do PL nº 8.035/2010, encaminhado no mesmo dia às Comissões de Educação e Cultura, Finanças e Tributação e Constituição e Justiça, às cabe apreciação conclusiva.

Em 20 de dezembro de 2010, o Poder Executivo apresentou a Mensagem nº 701, que submete à apreciação do Congresso Nacional o texto de projeto de lei para aprovação do Plano Nacional de Educação (PNE) para o decênio 2011-2020. Assim começou a tramitação no Congresso do PL nº 8.035/2010, encaminhado no mesmo dia às Comissões de Educação e Cultura, Finanças e Tributação e Constituição e Justiça, às cabe apreciação conclusiva. Posteriormente, para analisá-lo, constituiu-se uma comissão especial na Câmara, efetivamente instalada em 13 de abril, quando também se designou o relator, deputado Angelo Vanhoni.

Em atendimento à solicitação de muitos estados, dezessete audiências públicas foram realizadas em diferentes regiões do país, além de vinte seminários estaduais e um nacional, com a participação de diversos setores organizados da sociedade civil, incluídos associações e sindicatos ligados à educação, gestores, especialistas, pesquisadores, representantes e os ministros da Educação e da Fazenda.

Após todos os debates em busca de consensos em torno de questões tanto técnicas como políticas e 2.915 emendas propostas, em 5 de dezembro de 2011 o relatório foi apresentado pelo deputado Vanhoni, com destaque para a Emenda nº 59/09, que constitucionaliza a duração decenal do PNE.

De acordo com a Constituição, o PNE tem como objetivo articular o Sistema Nacional de Educação em regime de colaboração, assegurar a manutenção e desenvolvimento do ensino por meio de ações integradas das diferentes esferas da Federação e definir a proporção do Produto Interno Bruto (PIB) a ser aplicado na educação e os termos de sua distribuição. de modo a atender à universalização do ensino público e à garantia de qualidade e equidade.

Segundo o relatório, o PNE deverá conviver na esfera federal com os planos plurianuais, as Leis de Diretrizes Orçamentárias e as Leis Orçamentárias, de maneira a assegurar a consignação de dotações orçamentárias compatíveis com suas diretrizes, metas e estratégias. Estas, por sua vez, serão objeto de monitoramento contínuo e avaliações periódicas.

As vinte metas e respectivas estratégias apresentadas pelo relator no PNE foram resultado não só dos exaustivos debates sobre a proposição recebida do Poder Executivo, das muitas emendas  propostas e das sugestões recebidas da sociedade civil. Também orientaram a elaboração do documento as conclusões da Conferência Nacional de Educação (Conae), realizada em março de 2010. Precedida de reuniões municipais e estaduais de educação, a Conae abordou ainda questões centrais como o Sistema Nacional de Educação e o Plano Nacional de Educação.

Entre outros aspectos menos polêmicos, dois temas marcaram os debates antes da apresentação final do relatório: a meta 4, sobre a educação especial, e a meta 20, sobre o financiamento. Chegou-se ao consenso em ambas, e finalmente a Comissão Especial concordou com a necessidade do investimento de 10% do PIB para a educação pública. No entanto, depois da entrega pelo relator do parecer reformulado, em 26 de junho de 2012, houve apresentação de recurso contra a apreciação conclusiva pelas comissões, que felizmente não prevaleceu. Assim, somente três meses depois, após pronunciamento da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, a proposição seguiu para o Senado.

Lá tramitou pelas Comissões de Assuntos Econômicos, de Constituição, Justiça e Cidadania e pela Comissão de Educação, antes de ser apreciada em plenário, em 25 de outubro de 2012. Houve várias mudanças, muitas das quais significaram avanços do ponto de vista tanto técnico como formal. No entanto, alguns pontos divergiram do texto aprovado na Câmara, que procurou seguir os princípios estabelecidos na Conae e dos tantos debates ocorridos por todo o país.

De volta à Câmara, o PL só foi retomado na Comissão Especial em 11 de fevereiro de 2014, com a primeira audiência pública no dia 25, para ouvir diferentes instituições da área educacional sobre as mudanças feitas no Senado. Participaram sindicatos, associações de educadores, gestores, do Fórum Nacional de Educação, de Reitores, de grupos religiosos, do movimento Todos pela Educação, da Campanha Nacional pelo direito à Educação, entre outros.

As alterações do Senado são consideradas emendas ao projeto aprovado na Câmara, à qual cabe apenas aceitá-las ou rejeitá-las. Assim, o relator acatou aquelas que, a seu ver, eram compatíveis com o mérito e apenas melhoravam o texto e apresentou seu relatório à Comissão Especial, ocasião em que vários deputados membros da comissão sugeriram destaques que consideram adequados segundo seus pontos de vista. Estes, por sua vez, foram apreciados em sucessivas reuniões, sem muitos problemas, com algumas exceções importantes.

A que mais chamou atenção não tinha um viés pedagógico e tumultuou uma reunião inteira. Tratava-se de um ponto de vista estritamente religioso sobre o inciso II do artigo 2º do substitutivo do Senado, sobre superação das desigualdades educacionais. O texto aprovado na Câmara, que dizia “com ênfase na promoção da igualdade racial, regional, de gênero e de orientação sexual e na erradicação de todas as formas de discriminação”, foi alterado para “com ênfase na promoção da cidadania e na erradicação de todas as formas de discriminação”. Os membros de igrejas evangélicas e da católica presentes – com posições fundamentalistas, a meu ver – não queriam em hipótese alguma a abordagem da questão de gênero. Segundo eles, uma “ideologia de gênero” de inspiração marxista.

Não foi um momento lúcido nos debates havidos até então. Lamentavelmente, a meu ver, aspectos religiosos estão perpassando todo o tempo vários temas em discussão nas Casas do Congresso como se o Brasil não fosse um país laico. Esse debate de nível bastante discutível, para dizer o menos, conseguiu tomar toda uma sessão da comissão e parte da reunião seguinte.  O fundamentalismo, infelizmente, venceu.

Em 6 de maio, finalmente com a apreciação dos últimos destaques, encerraram-se os trabalhos da Comissão Especial. Como o texto do Senado Federal foi aprovado em plenário, o relatório reformulado do deputado Angelo Vanhoni deverá ser apreciado pelo plenário da Câmara, e a expectativa é que seja aprovado.

Carlos Eduardo Baldijão  é professor aposentado da USP e assessor da Liderança do PT na Câmara dos Deputados