Desde a criação do "cinematógrafo" até as produções hollywoodianas, a fratria está presente - Marx, Coen, Taviani, entre outros
Desde a criação do "cinematógrafo" até as produções hollywoodianas, a fratria está presente - Marx, Coen, Taviani, entre outros
As contribuições entre irmãos variam como diretores, atores ou roteiristas. Duplas como Joel e Ethan Coen, por exemplo, fazem todo o processo dos filmes. Outras irmandades, como os irmãos Marx, dedicaram-se à atuação e ganharam destaque na história da sétima arte
Irmãos Marx, divertidíssimos, demoliam os ambientes burgueses onde não cabiam. Reprodução
O cinema já nasceu sob o signo da fratria. Os inventores do “cinematógrafo” foram os irmãos franceses Auguste e Louis Lumière, na década de 1880. De lá para cá, outros pares têm dado sua contribuição, seja como diretores, seja como atores ou roteiristas, ou ainda nas demais funções ligadas à sétima arte.
Irmãos Coen
Joel e Ethan Coen são irmãos que escrevem o roteiro, produzem, dirigem e editam seus filmes. Há décadas atuantes em Hollywood mas com prestígio em outros lugares, como o Festival de Cannes, a certa altura da carreira começaram a chamar a atenção e ganhar prêmios fora dos Estados Unidos.
Dentre suas muitas obras, são pontos altos Arizona Nunca Mais (1987), Barton Fink – Delírios de Hollywood (1991), Fargo (1996), O Grande Lebowski (1998), E aí, Meu Irmão, Cadê Você? (2000), Onde os Fracos Não Têm Vez (2007), Queime Depois de Ler (2008). Acabaram por se tornar favoritos do Festival de Cannes, que já lhes deu três prêmios de direção. O mais recente é Inside Llewyn Davis (2013), filme pequeno desenhando a trajetória de um guitarrista e cantor folk, com visível alusão a Bob Dylan.
Seis de seus filmes foram estrelados pela atriz Frances McDormand, esposa de Joel, que ganhou o Oscar por Fargo, em que fazia uma policial em estado avançado de gravidez investigando um assassinato no meio do gelo e da neve. São daqueles diretores à porta dos quais atores de prestígio fazem fila, disputando papéis mesmo que com baixa ou nenhuma remuneração.
Destacam-se pela originalidade dos entrechos arrevesados, com uso e abuso tanto do grotesco quanto do inverossímil, levando o espectador de surpresa em surpresa. Entretanto, são calorosos para com seus personagens fracassados mas excêntricos, que acreditam em quimeras e são gente melhor que os bem-sucedidos.
Em Hollywood há outros pares: por exemplo, os irmãos Bobby e Peter Farrelly, que também dirigem mas são menos interessantes. Os irmãos Ridley e Tony Scott, este há pouco falecido, são sócios numa produtora, mas dirigem filmes separadamente. O primeiro é o diretor de Alien (1979), Blade Runner (1982), Thelma e Louise (1991), Prometheus (2012), entre muitos outros bastante famosos; e o segundo, de Top Gun – Ases Indomáveis (1986), Dias de Trovão (1990), Chamas da Vingança (2004), Incontrolável (2010).
Irmãos Kaurismäki
Aki e Mika Kaurismäki, finlandeses, são igualmente diretores, roteiristas e produtores. Seus belos filmes independentes perscrutam as margens e os limítrofes, com personagens à deriva, excluídos da centralidade capitalista em países adiantadíssimos como a Finlândia e os escandinavos em geral.
Os filmes não entram nos grandes circuitos de exibição, mas contam com restrito círculo de fervorosos adeptos e passam em festivais e salas alternativas. Mika mora no Brasil e já fez vários filmes sobre assuntos nativos. Vale a pena ver o belo documentário Brasileirinho (2005) que fez sobre choro e chorões, delicado e sensível, mostrando que entendeu perfeitamente o caráter anti-indústria, antimassa e anti-individualismo desse gênero musical, levemente nostálgico e certamente uma arte. Um de seus recentes filmes é Mama Africa (2011). Ao estrear com O Mentiroso (1980), causou sensação e despertou o cinema de seu país, provocando um renascimento do cinema finlandês. Criou então uma produtora, a Villealfa, dedicada a filmes independentes e de baixo orçamento, que exerceu extraordinária influência.
Seu irmão Aki começou lá também, como seu codiretor e ator, mas depois partiria para outros rumos. O primeiro filme de Aki, Crime e Castigo, foi uma adaptação do romance de Dostoievski para a cidade de Helsinque no presente e recebeu aclamação. Quando fez O Homem sem Passado (2002), foi premiado pelo Festival de Cannes e indicado para o Oscar. Tanto nesse ano quanto na indicação seguinte, pelo filme Luzes na Escuridão (2006), recusou-se a comparecer à cerimônia em Hollywood, declarando que discordava da política exterior dos Estados Unidos e da invasão a outros países.
Irmãos Marx
Grupo de extraordinários atores cômicos que dominaram a cena por várias décadas. Eram cinco irmãos, mas só três deles apareciam mais: Groucho, Harpo e Chico. Groucho, o de bigodeira e grossas sobrancelhas, inteligente, sarcástico e cínico, era o líder da trupe. Harpo assim se chamava porque tocava harpa; era mudo e usava uma buzina para se comunicar. Bom pianista, Chico afetava um sotaque italiano. Eram divertidíssimos e especialistas em demolir tudo, as convenções, as boas maneiras, a gente rica e esnobe, os suntuosos ambientes burgueses onde eles não cabiam. Judeus nova-iorquinos de origem, começaram pelo vaudeville da cidade e fizeram carreira na Broadway antes de ir parar em Hollywood. Entre seus filmes mais renomados estão O Diabo a Quatro (1933), Uma Noite na Ópera (1935), Um Dia nas Corridas (1937). Um dos quadros mais famosos é a imitação que Groucho faz de Carmen Miranda, travestido, cantando e se requebrando em Copacabana (1947), filme que ambos estrelaram.
Entre as fratrias de atores atualmente em Hollywood contam-se os quatro irmãos Baldwin (Alec, William, Stephen e Daniel), bem como os cinco Arquette (Rosanna, Patricia e David são os mais conhecidos; Richmond e Alexis, menos) e os seis Wayans (Marlon, Shawna, Damon, Keenan, Damien e Kim). Todavia, não trabalham juntos como os irmãos Marx.
Irmãos Taviani
Os irmãos Taviani, Vittorio e Paolo, pertencem ao grande neorrealismo italiano, que dominou as telas por bem uns vinte anos no pós-guerra. Discípulos declarados de Rossellini, estreiam em 1954 e fazem filmes altamente politizados. Há meio século escrevem o roteiro, produzem e dirigem. Ganharam reconhecimento quando foram agraciados com o grande prêmio do Festival de Cannes em 1977, por Padre Padrone, em que, como de hábito na região, um menino pastor é deixado sozinho pelo pai durante vários meses nas montanhas para apascentar as ovelhas que são o ganha-pão da família. O filme, baseado no romance autobiográfico de mesmo título situado na Sardenha, também ganhou o prêmio máximo do Festival de Berlim e o David de Donatello da Itália.
Mais uma vez os irmãos acabam de ganhar um prêmio importante, o Urso de Ouro do Festival de Berlim atribuído a seu mais recente filme, César Deve Morrer (2012), feito com os presos de uma cadeia em Roma, uma transposição para a tela da tragédia Júlio César, de Shakespeare.
Entre um e outro, uma ilustre carreira repleta de belos filmes, sustentando a linhagem não só de seu mestre Rossellini mas também de Visconti, Fellini e Antonioni.
Entre eles destacam-se A Noite de São Lourenço (1982), recentemente exibido na TV brasileira, Kaos (1984), Um Outro Mundo É Possível (2001) – com o mesmo título que é o lema do Fórum Social Mundial.
Irmãos Almodóvar
Nesta irmandade, Pedro dirige e Agustín produz, através da El Deseo Produtora, que pertence a ambos.
Pedro Almodóvar foi uma das lideranças de La Movida, nome dado à intensa agitação cultural quando as comportas se abriram após a morte de Franco, que governara a Espanha com mão de ferro perto de meio século, estrangulando os espíritos.
Quando Pedro Almodóvar surgiu no cinema, foi um choque: seus filmes são escandalosos, bizarros, originalíssimos, abraçam o kitsch. Dedicam-se a cartografar, sem espanto (só para o espectador, este, sim, se espanta), o bombardeio desgovernado do desejo. Não foi à toa que escolheu esse nome para sua produtora. Investigam os limites da sexualidade e dos relacionamentos humanos. Seu primeiro filme a fazer sucesso internacional, Mulheres à Beira de um Ataque de Nervos, fala de uma mulher grávida abandonada pelo pai da criança, aliás casado, que está em vias de fugir com outra. A mulher grávida, ao saber que a esposa dele está em seu encalço para matá-lo, sai atrás dele, para salvá-lo, apesar de tudo. Enquanto isso, recebe uma amiga desesperada porque descobriu que seu namorado é um terrorista xiita. E assim por diante.
Tudo sobre Minha Mãe, outro grande sucesso, traz uma prostituta travesti pai de uma criança, outra prostituta travesti chamada Agrado, uma freira grávida com aids... y otras cositas más. Nesse universo, nada é surpreendente, a não ser o aparente equilíbrio e normalidade – noções que estão sendo postas em xeque. Dedicado explicitamente à mãe do diretor, fala dos horrores da paternidade e da munificência da maternidade – ah, as maravilhosas personagens femininas de Almodóvar! Uma mulher que esteja se sentindo por baixo deve procurar assistir a este filme para imediatamente sentir-se homenageada. Arrebatou todos os principais prêmios do mundo: Oscar, Cannes, o César francês, o Goya, o Bafta, o Globo de Ouro, o David di Donatello italiano etc.
Mas muitos e muitos mais são os filmes, sempre interessantíssimos, desse diretor, que é de uma originalidade ímpar e de extremo impacto. Faz pensar que não é por acaso que surgiu no país do anarquismo e do surrealismo (Salvador Dalí, Luis Buñuel).
Tem atores e atrizes prediletos, que vão e voltam em seus filmes e que por isso se tornam populares: Antonio Banderas, Victoria Abril, Carmen Maura, Marisa Paredes, Penélope Cruz, Rossy de Palma (esta já foi descrita como “um Picasso”, tal o desconcerto de suas feições), Cecilia Roth, entre outros.
Irmãos Dardenne
Jean-Pierre e Luc Dardenne são belgas e se interessam por investigar os marginais da grande prosperidade europeia, em geral jovens à deriva, desgarrados e sem futuro, ou mesmo sem-teto.
Seus brilhantes filmes são secos e pouco dados a derramamentos de emoção. Por isso, às vezes são duros de ver. Num deles, um menino matou outro ao assaltar um carro, e vai trabalhar sem o saber na oficina do pai do assassinado. Em outro, um casal sem teto, bem jovem, espera um filho. Assim que o bebê nasce o pai o vende, porque sempre viveu da mão para a boca, e não tem noção de que um filho é outra coisa. Só percebe a gravidade do que fez quando a mãe desmaia ao receber a notícia de que achou comprador e efetuou a transação. Depois, sai como um louco a tentar desfazer sua iniciativa.
O recente O Silêncio de Lorna mostra uma jovem albanesa que comprou sua cidadania ao se casar com um belga viciado em drogas. Ela não gosta dele, e ele é horrível, mas, quando os traficantes de pessoas decidem matá-lo para casá-la com um russo que quer adquirir cidadania belga através dela, que agora é belga, ela, que pensa estar grávida sem que saibamos se está mesmo ou é imaginação, se rebela e foge.
Os filmes dos irmãos Dardenne, ganhadores de prêmios mas pouco conhecidos, contam-se entre os melhores e mais relevantes do cinema internacional da atualidade.
Walnice Nogueira Galvão é professora emérita da FFLCH-USP