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Para Nabil Bonduki, o grande avanço do PDE é mudar a cultura urbanística da cidade, de modo a alterar a lógica que persistiu, ao longo do século 20

Para Nabil Bonduki, “o grande avanço do Plano Diretor é tentar mudar a cultura urbanística que está posta dentro das cidades, de modo a garantir que a lógica que presidiu a cidade, praticamente ao longo do século 20, seja alterada”. Entre as transformações previstas neste plano cabem destacar a integração moradia, emprego e transporte público, a atenção para o desenvolvimento da zona rural da cidade e a criação de polos econômicos culturais

O PDE vai organizar o processo de verticalização de São Paulo em torno dos eixos

O PDE vai organizar o processo de verticalização de São Paulo em torno dos eixos de mobilidade. (Foto: Paulo Whitaker/Reuters - detalhe: Equipe de Comunicação do vereador Nabil Bonduki)

O Plano Diretor Estratégico (PDE) com a Política de Desenvolvimento Urbano, em vigor desde 1º de agosto em São Paulo, tem em sua essência a meta de aproximar a cidade que existe das pessoas que nela vivem, além da ocupação física do espaço urbano.

Até 2029, prazo para atingir seus objetivos, o PDE poderá mudar profundamente a dinâmica social, política e ambiental paulistana. Nesta entrevista com o vereador Nabil Bonduki, que relatou o projeto de lei do Plano Diretor na Câmara de São Paulo e é especialista no tema reforma urbana, foram apresentados alguns dos mecanismos políticos que deverão garantir essa transformação em andamento da capital.

O Plano Diretor Estratégico contribui para a redução da exploração imobiliária que ocorre em São Paulo? 

Nabil Bonduki: O PDE contribui bastante para combater a especulação imobiliária com imóveis e terrenos ociosos e subutilizados, que é aquilo que poderíamos chamar de o mais básico da especulação. Ou seja, avança muito no sentido de tornar autoaplicável o instrumento de edificação compulsória, utilização compulsória de edifícios subutilizados, construções e terrenos vazios e subutilizados. Sancionado o PDE, automaticamente a prefeitura pode começar a notificar os proprietários desses imóveis e terrenos e exigir projeto de ocupação, com prazo de um ano, após o que passa a incidir o imposto progressivo. Ou seja, a alíquota do Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) dobra a cada ano até atingir 15% do valor do imóvel.

Trata-se de um instrumento possível no âmbito do Estatuto da Cidade. E, por outro lado, estabelece a prioridade para fazer essa notificação para os imóveis que são Zonas Especiais de Interesse Social (Zeis) nos eixos de estruturação da transformação urbana – as áreas que se busca adensar ao longo do sistema de transporte coletivo de massa – e nos das subprefeituras do Centro, basicamente Sé e Mooca. Essa é a prioridade para notificação, mas, em tese, em toda macroárea de estruturação metropolitana, de urbanização consolidada e em consolidação, que são as mais urbanizadas da cidade, pode ser aplicado esse instrumento.

Outro instrumento fundamental de reforma urbana que foi aplicado e tem uma relação grande com a produção imobiliária é a outorga onerosa do direito de construir, que é cobrada a partir do coeficiente básico 1. Ou seja, tudo o que se constrói além de uma vez a área do terreno está sujeito ao pagamento do chamado solo criado, que é a outorga onerosa do direito de construir. Isso de certa forma também vai no limite daquilo que o Estatuto da Cidade permite, no sentido de obter o que a gente chama de uma contrapartida pela mais-valia imobiliária gerada por esses empreendimentos verticalizados.

Agora, por outro lado, o PDE ordena o processo de verticalização. Não termina com ele, até porque se avalia que uma cidade como São Paulo não tem como deixar de ter um adensamento, mas ordena esse adensamento de modo a dirigi-lo para as áreas que estão junto aos eixos do transporte coletivo de massa.

Esses eixos são os corredores de ônibus, metrô e trens?

Nabil: Sim, são as áreas em que se prioriza o adensamento para estimular o uso do transporte coletivo e para que o processo de verticalização se dê mais dirigido, e não tão disperso como hoje, com problemas sérios de impacto sobre as áreas mais horizontais da cidade.

Então, há um direcionamento, tanto que a outorga é mais barata junto ao transporte coletivo do que nos miolos dos bairros. Nestes, o coeficiente de aproveitamento – quanto pode ser construído num terreno – é 2, enquanto nos eixos é 4. Isso quer dizer que a altura dos edifícios tem restrição de oito andares, com exceção das áreas que já estão verticalizadas. Desse modo, controla-se o processo sem inviabilizar o investimento privado, que continua possível na cidade, mas direcionado e ordenado.

Há estimativa de quantos imóveis podem ser considerados subutilizados e ter alguma intervenção da prefeitura?

Nabil: Não. Foi criado o Departamento de Controle da Função Social da Propriedade, que está encarregado de fazer as notificações. O PDE estabelece o procedimento, inclusive de instituição de uma listagem que deve ser publicizada para que o processo seja mais transparente e acelerado.

É difícil, porque quando se fala em subutilizado se define um coeficiente mínimo para dizer o que é subutilizado, e na maior parte da cidade é meio subutilizado. Ou seja, todo imóvel que construiu menos da metade da área é considerado subutilizado. Isso significa um número grande de imóveis. Claro que não são esses os prioritários, mas sim os prédios e os terrenos vazios, mas os subutilizados também vão no sentido de dar o melhor aproveitamento do solo da cidade.

A utilização imediata dos imóveis subutilizados e/ou vazios se dará de que forma? Se o proprietário não apresentar projeto, a prefeitura assumirá essa tarefa?

Nabil: A lei estabelece que o proprietário tem um ano para apresentar o projeto, antes de construir. Se não apresentar o projeto, pagará imposto progressivo durante, no mínimo, cinco anos. Ao fim desse prazo, se houver interesse em obter o imóvel para realizar alguma intervenção pública, a prefeitura pode desapropriá-lo, pagando-o com Títulos da Dívida Pública. Mas interessa que seja ocupado. Aliás, o objetivo do imposto progressivo não é cobrar mais imposto, mas sim dar um melhor aproveitamento para a cidade e, principalmente, ter um impacto fundiário, ou seja, reduzir o preço da terra, o que favorecerá ações tanto da prefeitura como do setor privado.

No fundo, busca-se estimular o setor produtivo da construção civil. À medida que se produz mais, criam-se mais alternativas de habitação, de espaço construído, o que faz com que os preços caiam. A ação é muito mais ampla, portanto.

As Zeis, que são um outro aspecto essencial de reforma urbana, reservam terrenos, e uma parte deles, muito bem localizada, é destinada à produção de Habitação de Interesse Social (HIS) para a Faixa 1, ou seja, quem ganha até três salários mínimos. Essa iniciativa é muito importante porque permite à população de baixa renda acesso à habitação bem localizada na cidade, principalmente as Zeis 3, que estão ao longo do sistema de transporte coletivo, onde prioritariamente o poder público vai atuar. Como nas Zeis 3 também incide o imposto progressivo, supõe-se que nas áreas que seriam notificadas o preço da terra baixaria, o que dá melhores condições para a prefeitura desapropriar e produzir habitação para a população de baixa renda.

Outra questão também importante de avanço é a Cota de Solidariedade: uma obrigação dos empreendedores em construções imobiliárias com mais de 20 mil metros de área construída de destinar, no mínimo, uma área correspondente a 10% da obra para a construção, pela prefeitura, de moradias populares. Como alternativa, o empreendedor pode construir as habitações correspondentes ao valor em outro lugar, mas dentro da área mais urbanizada da cidade. Assim, cria-se a contrapartida para a produção de HIS bem localizada na cidade.

Além disso, há a destinação de 30% do Fundo Municipal de Desenvolvimento Urbano (Fundurb), para onde vai o recurso da outorga onerosa, para HIS. Isso possibilita à prefeitura ter recursos para aquisição de terra em Zeis 3.

O instrumento de outorga onerosa e o fundo já existiam antes desse PDE?

Nabil: Sim, só que a outorga onerosa arrecadava muito menos do que deverá arrecadar. Como o coeficiente passou para 1, o básico, todo empreendimento terá de pagá-la. Em muitos lugares, quem construía duas vezes a área do terreno não a pagava. Avançou-se muito com o Plano de 2002. Passamos a uma situação de uma mudança importante, mas insuficiente ainda para arrecadar uma quantidade significativa de recursos. Agora, a arrecadação de outorga onerosa vai dobrar, ou até triplicar. Um terço dela tem de ser destinado para HIS, um terço para mobilidade, fundamentalmente transporte coletivo, ciclovias e calçadas. Assim, cria-se um fundo para produzir moradia popular. E nas operações urbanas devem ser destinados para HIS, no mínimo, 25%.

São duas questões básicas: o choque fundiário e o recurso que permite à prefeitura comprar terra para produção habitacional. Se combinados com os programas de habitação, principalmente o Minha Casa, Minha Vida, pode-se chegar a uma produção pública voltada para interesse social mais significativa do que temos hoje.

Quais são os outros instrumentos autoaplicáveis além da outorga onerosa, a notificação?

Nabil: Na área ambiental, por exemplo, foram propostos 160 novos parques. Parte já está em processo de desapropriação, mas outra boa parte ainda é só proposta. As áreas dos parques foram transformadas em Zonas Especiais de Proteção Ambiental (Zepam), que têm o coeficiente 0,1, muito baixo. Com isso, essas áreas dificilmente serão ocupadas, pelo menos por empreendimentos formais, e é claro que é preciso evitar ocupações irregulares.

A médio prazo, a prefeitura poderá desapropriar essas áreas, e para isso foi criado o Fundo Municipal de Parques (FMP), uma espécie de crowdfunding (financiamento coletivo) para que a prefeitura tenha condições de comprar terra. Busca-se o apoio da sociedade, abre-se uma conta para cada parque proposto para que a sociedade possa contribuir (empresas, pessoas físicas etc.). Para cada real depositado pela comunidade, a prefeitura deposita valor corresponde. Então, angaria-se recurso para a desapropriação. De um lado há um choque fundiário, que é a transformação da área em Zepam, e de outro se cria o FMP, para adquirir essas áreas. Isso é autoaplicável.

Outro mecanismo autoaplicável é o pagamento por serviços ambientais prestados, que funcionará mediante edital a ser aberto pelo Fundo Municipal de Meio Ambiente (Fema). Isso é extremamente importante, porque reconhece as áreas que devem ser preservadas e precisam de algum tipo de remuneração para que seus proprietários de fato as conservem. A propriedade pode ser uma área verde significativa, remanescente de Mata Atlântica, ou uma área com muitas nascentes que fornecem água para a cidade, ou ainda uma área de agricultura convertida para agricultura orgânica.

Outro instrumento autoaplicável são as Zonas Especiais de Preservação Cultural (Zepec), divididas em quatro categorias. Uma delas é a Área de Proteção Cultural (APC), que contempla espaços significativos do ponto de vista cultural e simbólico para a cidade. Por exemplo, o cine Belas Artes, o Brincante, que é o teatro do Antonio Nóbrega... Não confundir com Território de Interesse Cultural – caso da Consolação-Centro –, que é mais geral. A prefeitura precisa definir quais são esses espaços, o que pode ser feito pelo Conselho Municipal, mas não é necessário uma nova lei. O próprio Plano Diretor definiu as regras para isso. Há uma série de vantagens com o objetivo de protegê-los e evitar que desapareçam.

Há ainda os incentivos para a fachada ativa, a restrição da quantidades de garagens, a eliminação da obrigatoriedade de toda unidade habitacional ter uma garagem... Isso tudo é autoaplicável, não precisa de lei. Assim como os limites de oito andares no miolo dos quarteirões. Todos os elementos do solo, aqueles que já foram definidos no Plano Diretor, são autoaplicáveis, não precisam aguardar outra lei. Agora, quem apresentou projeto até a sanção da lei pega as regras anteriores. Por isso, vamos ter um certo divisor de águas, vai levar um certo tempo para que todos estejam sob as novas regras.

Todos esses instrumentos indicam que a cidade de São Paulo está num processo de transformação...

Nabil: Gradativamente. A cidade terá um tempo para ser transformada.

Passemos então à reorganização da zona rural de São Paulo prevista no PDE. Há espaço em São Paulo para regiões que desenvolvam atividades agrícolas, ecoturísticas?

Nabil: Há regiões que podem desenvolver muito mais do que hoje. A zona rural de São Paulo, que foi criada no Plano Diretor, deve ter por volta de 300 quilômetros quadrados. Nem toda ela com possibilidade de desenvolvimento agrícola, mas sua demarcação impossibilita um parcelamento urbano. Ou seja, como não se pode fazer parcelamentos, construções, se contém o crescimento horizontal da cidade. Buscamos atrair novos empreendimentos de caráter rural, como atividades de ecoturismo ou na área de educação e saúde que não podem ser implantadas dentro das cidades.

Zona rural não significa que não se pode fazer nada naquele espaço geográfico. A ideia é manter as características rurais de baixa densidade, preservação de todos os requisitos ambientais, já que estão em área de proteção ambiental. Ao mesmo tempo está previsto no Plano Diretor um plano de desenvolvimento rural sustentável. A ideia é que possa haver novos agricultores, novas atividades, inclusive beneficiamento de alimentos, e que possa florescer uma zona econômica importante, mesmo que não seja urbana.

O grande avanço do Plano Diretor é tentar mudar a cultura urbanística que está posta dentro das cidades, de modo a garantir que a lógica que presidiu a cidade, praticamente ao longo do século 20, seja alterada. A cidade cresce infinitamente em direção à zona rural, que é o espaço do nada. Essa lógica da valorização do espaço urbano fazia com que as atividades rurais fossem desprezadas.

Agora se espera que a cidade cresça para dentro nos eixos de transformação, nas Zeis, na macrozona metropolitana, que são antigas áreas industriais subutilizadas ao longo das ferrovias, ao longo dos rios.

E a zona rural passa a ter seu desenvolvimento próprio como uma área de desenvolvimento econômico, para inclusive ser uma barreira ao crescimento urbano. Se ficar sem atividade gerará exatamente o estímulo para a expansão horizontal, e quanto mais a cidade cresce horizontalmente, maiores são os gastos com mobilidade, com implantação de equipamentos de maneira dispersa no território.

Como está relacionada a criação da zona rural com a questão da segurança alimentar?

Nabil: Veja, a zona rural de São Paulo é todinha na área de proteção, em torno das represas na zona sul, e a ideia é que ali se desenvolva agricultura orgânica. Há uma preocupação em melhorar a qualidade da alimentação da população, não só na zona rural. Feiras orgânicas também estão no Plano Diretor, e a Secretaria de Desenvolvimento Econômico está batalhando para ampliar a quantidade dessas feiras na cidade. Isso também está ligado à merenda escolar. A cidade fornece merenda para 1 milhão de crianças diariamente. A melhoria dessa merenda está vinculada não só à introdução de alimentos orgânicos, mas também à elevação da qualidade dos hábitos alimentares da população.

Essa concepção está ancorada nas ações do poder público, mas como entra a iniciativa privada nessa lógica de sustentabilidade?

Nabil: Na verdade, não existe restrição à atuação do setor privado. A questão é como fazer para que ele atue de acordo com o interesse público, em outro patamar de relação entre público e privado. O que não pode é o setor privado dar as cartas, na perspectiva de lucro.

Há outra questão relacionada com o Polo de Economia Criativa, circunscrito na região da Praça da República e arredores. Por que um polo específico para essa questão da economia criativa?

Nabil: Antes disso vamos falar sobre o território de interesse da cultura. A ideia é termos territórios na cidade onde haja uma sinergia entre atividades ligadas à cultura e criação e também de interesse de paisagem. Envolve imóveis culturais, outros que não são culturais, e busca conectar esses espaços através de rotas de interesse da população que gerem territórios de interesse da cultura, os Polos de Economia Criativa (PEC).

Essa foi uma proposta do Andrea Matarazzo, que trouxe a questão dos PEC para o Plano Diretor. De alguma maneira, alguns deles já existem, outros poderão ser estimulados pela ação da prefeitura. O território de interesse cultural definido no Plano Diretor é mais amplo, vai da Paulista até a Luz, e dentro dele está proposto um polo criativo. Mas outros poderão ser criados em cada região da cidade, a partir da discussão dos planos regionais.

Nessa linha dos polos também há os parques tecnológicos?

Nabil: Polos de Economia Criativa são uma das iniciativas da área de desenvolvimento econômico. Mas foram propostos outros tipos. Um deles, como eu disse, é o polo de economia rural sustentável. Também há os polos de desenvolvimento econômico da periferia da cidade: leste, sul, noroeste, norte e Fernão Dias. A ideia central do Plano Diretor é levar para a periferia da cidade de São Paulo o emprego, a renda, o trabalho, para romper a polarização que existe entre emprego e moradia: a moradia popular, sobretudo social, concentrada na periferia e o emprego concentrado no centro expandido. Assim, a prefeitura deverá realizar planos de desenvolvimento econômico para organizar sua ação dentro dessas áreas.

Os Parques Tecnológicos são um tipo específico dentro do Polo de Desenvolvimento Econômico. Na zona leste há grande área de desenvolvimento, tem um polo tecnológico em torno do Itaquerão. E outro que não está ligado a um Polo de Desenvolvimento Econômico, que é o Parque Tecnológico do Jaguaré, conectado à USP.

Na verdade, deve haver um estudo para definir quais são as atividades que podem ser desenvolvidas em determinada região. É importante saber qual é a vocação da área, que ações têm de ser tomadas para que ela se desenvolva.

O polo do Jaguaré está mais especificado porque está junto à USP, já tem uma vocação. É um polo de desenvolvimento econômico voltado para um parque tecnológico.

Mas a ideia é que isso ocorra para fora do centro expandido. O deslocamento por longas distâncias custa mais para a prefeitura porque aumenta o subsídio. O deslocamento de alguém que vai da Cidade Tiradentes para a Avenida Paulista tem um grande subsídio da prefeitura: aproximadamente 80% da sua passagem é subsidiada. A redução das distâncias, além de beneficiar a população, levar atividade econômica que gera economia para os bairros, melhora o trânsito, melhora tudo...

Um eixo do plano que é destacado é moradia perto do emprego e emprego perto da moradia.

Nabil: E as ZEIS buscam trazer a moradia para mais perto. Nos eixos do transporte coletivo, aliás, tem um limite de área dos apartamentos, com o intuito de evitar que haja um adensamento construtivo sem adensamento populacional, o que tem ocorrido em muitos bairros que se verticalizam mas perdem população. A ideia, seja pela área máxima do apartamento, seja pela facilidade de ter um comércio no térreo, é construir para ter população morando. Aproveita-se melhor o solo e têm-se lugares próximos a transporte coletivo e também do emprego.

Sobre a questão da moradia, há um ponto em destaque no Plano Diretor que é o retrofit, como estímulo para produção habitacional. O que significa esse recurso?

Nabil: Retrofit significa reformar e reciclar o uso de edifícios, geralmente antigos, que estão subutilizados ou vazios. Como no Centro existem muitos, inclusive ocupados, será feito um retrofit, ou seja, uma reforma. É uma reabilitação do edifício, muitas vezes mudando seu uso. Edifícios como hotéis, por exemplo, são transformados em habitação, edifícios de escritórios são reciclados para outro uso. O Plano Diretor facilita isso, assim como facilita uma eventual reconstrução do edifício com a mesma volumetria que tem hoje. Em alguns casos sai mais barato reconstruí-los do que mantê-los.

Essa prática de construção já não existe em São Paulo, não é?

Nabil: Existe, mas é pouco estimulada e pouco realizada. São Paulo vai precisar cada vez mais disso, porque é uma cidade nova, tem apenas uns sessenta anos de grande crescimento. A grande maioria dos edifícios foi construída há menos de sessenta anos. Daqui vinte, a maior parte já terá sido construída há cinquenta. Assim, a manutenção dos edifícios, a reciclagem, a reforma, o retrofit passa a ser um tema importante para a cidade. Se há cinquenta anos a questão era construir, agora temos de construir, mas também de reabilitar o que já, de certa forma, ultrapassou seu tempo de vida útil.

Toda essa transformação de São Paulo, prevista e gestada no PDE, pressupõe também uma interlocução metropolitana. Há alguma articulação com os municípios em torno sobre os eixos do PDE?

Nabil: Com certeza. Isso é um problema. Não temos hoje regulamentado um plano metropolitano. Na verdade, o plano de São Paulo é que pensa essa metrópole. Nós já temos macrozonas de estruturação metropolitana. Só que, pela Constituição e pelo Estatuto das Cidades, os planos diretores são feitos pelos municípios. Há uma lacuna que, para ser superada, precisa ser mudada na Constituição e no Estatuto da Cidade. É preciso estabelecer que os planos diretores municipais sejam articulados de maneira a contemplar a questão metropolitana.

Hoje existe algum diálogo entre as prefeituras que aponte para isso?

Nabil: Muito menos do que deveria. Quem hoje tem o comando disso é o estado. E o estado não tem realizado isso de maneira adequada. Acho que as prefeituras do PT poderiam estar mais bem articuladas, pois o partido está a frente das principais cidades da região metropolitana – São Paulo, Guarulhos, São Bernardo, Santo André, Osasco, Carapicuíba, Franco da Rocha. As administrações petistas poderiam estar mais unidas em torno de um plano que contemple as mesmas diretrizes para esses municípios.

Mas o PT tem ou tinha essa prática no estado de São Paulo. Há o caso das cidades do ABC, que já têm mecanismos de integração metropolitana.

Nabil: O ABC tem o Consórcio do ABC, que é importante. Agora, temos de avançar mais no sentido de fazer uma discussão metropolitana mais bem articulada. Sei que cada município tem sua própria visão, tem seus atores próprios, e nem sempre aquilo que São Paulo define é aquilo que os outros municípios querem. Mas alguns municípios, quando São Paulo cria alguma restrição, de alguma maneira acabam se beneficiando – não sei se beneficiar é o termo correto –, acabam atraindo empreendimentos que saem de São Paulo, em razão da criação de regras mais rígidas. Por isso eu digo que não sei se se beneficia, porque os efeitos que poderão acontecer ali são contraditórios. O fato de produzir mais não significa que o município está melhor do que estava. Mas muitos prefeitos acabam vendo assim: "Estou atraindo investimentos". Essa é uma ideia que às vezes está presente.

De certa forma, nem acho que isso seja ruim, porque os municípios metropolitanos estão naquilo que a gente poderia chamar de um anel em torno de são Paulo. Assim como queremos levar desenvolvimento econômico para Itaquera ou para Perus, que estão na periferia do município de São Paulo, também pode ser muito positivo se tivermos desenvolvimento em Carapicuíba, em Franco da Rocha, em Guarulhos, em Mauá, porque permite exatamente geração de emprego no lugar onde as pessoas moram. Então, um projeto de desenvolvimento regional descentralizado pode ser positivo. Mas pensar isso de maneira organizada seria muito interessante.

E a participação popular, social, nesse processo foi muito presente, certo?

Nabil: Essa é uma questão fundamental. O Plano Diretor de São Paulo teve não só muita participação como muitas propostas que são pontos altos provenientes de processos participativos. Quer dizer, o projeto foi profundamente alterado aqui na Câmara a partir de análises e debates com várias entidades da sociedade, com várias visões que foram sendo introduzidas, até porque estamos muito em contato com os movimentos de diferentes naturezas. Vieram representantes dos cicloativistas, da agricultura orgânica, do movimento ambientalista, do movimento de habitação, dos movimentos culturais. De certa forma, a Câmara é um espaço de interlocução ampla com a sociedade e uma interlocução integrada. E foi o que buscamos fazer com nosso substitutivo, que era contemplar as várias visões que existem na cidade e as várias dimensões. É um plano que dialoga com a questão ambiental, com a questão cultural, com a questão social, com a questão econômica inclusive, e não estritamente urbanístico, no sentido restrito da palavra, só de ordenar o processo imobiliário.

Também é um processo a ser destacado do ponto de vista dos seus procedimentos dentro da Câmara. Teve muita transparência, muita publicidade em todos os momentos. Foi publicado o primeiro substitutivo, feita a primeira votação, depois publicado o segundo. Foi feita a cartilha. Todos os documentos que vieram da sociedade e as emendas apresentadas foram publicados no site. Buscamos fazer com que cada posição ficasse muito explícita para evitar emenda de última hora. Nenhuma emenda foi apresentada de última hora.

O processo de discussão em segunda votação começou no dia 16 e a lei foi votada no dia 30. Foram duas semanas de discussão em plenário, quando foram apresentados substitutivos e emendas e feitas audiências pública para discuti-los. Em suma, é um processo exemplar de como o Legislativo pode atuar no debate de projetos com essa complexidade. Embora, obviamente, tenha muitos aspectos que não foram suficientemente conhecidos pela sociedade como um todo, os interlocutores que participaram do processo sabiam muito bem que proposta estava sendo votada.

O fato, também, de a Câmara ter feito um esforço de levar à grande imprensa e pôr em horário nobre as audiências públicas fez com que o Plano Diretor virasse, vamos dizer assim, uma discussão pública da cidade sobre seu futuro. Isso é um fator importante do processo.

Essa prática continua no próprio Plano Diretor, que também pressupõe a participação ativa da população?

Nabil: Ah, sim, há mais participação da sociedade do que do poder público, o que é raro... Está proposto o Conselho de Política Urbana, com participação da sociedade. Salvo engano meu, são 37 membros da sociedade e 28 do poder público, o que mostra que a sociedade vai ter um papel importante no conselho e, obviamente, em todas as etapas de implementação do Plano Diretor. Essa, aliás, é hoje uma das nossas principais questões, a meu ver: como fazer com que seja um processo de implementação com conhecimento da população, sabendo o que deve fazer, como deve fazer e pressionando para que seja feito.

Acesse o texto integral do Plano Diretor

Evelize Pacheco é editora assistente de Teoria e Debate