Sociedade

Para o secretário de Transportes, Jilmar Tatto, o debate de fundo é a democratização e a desprivatização do espaço público

Segundo Jilmar Tatto, secretário de Transportes, a Prefeitura da São Paulo está simplesmente tirando do papel o Plano Nacional de Mobilidade, que apresenta uma hierarquia de prioridades: em primeiro lugar, o pedestre; em segundo, os veículos não motorizados, a bicicleta, principalmente; em terceiro, o transporte público; em quarto, o transporte de mercadorias ou cargas; e em quinto, a motocicleta ou o carro individual

Tatto: a prefeitura adota medidas de mobilidade que melhoram a qualidade de vida

New York Times, Wall Street Journal, El País elogiaram nossa proposta de mobilidade. (Foto: Cesar Ogata - Secom/Fotos Públicas/Jilmar Tatto: Marcio de Marco/FPA)

Acostumado a grandes embates, o secretário municipal de Transportes Jilmar Tatto tem o perfil talhado para o exercício do cargo. Esteve à frente da mesma secretaria no governo de Marta Suplicy (de 2002 a 2004), quando colocou em funcionamento o novo sistema de transporte de São Paulo implantando inovações como o Bilhete Único e a primeira licitação pública para empresas operarem o sistema, dominado por cartéis. Na gestão de Fernando Haddad, Tatto é responsável pela vitrine da administração, a implantação do Plano Nacional de Mobilidade na cidade.

Jilmar Tatto participou do EntrevistaFPA, em 8 de outubro de 2015. O programa com transmissão pelo site da Fundação Perseu Abramo e conduzido por Joaquim Soriano contou com a participação ativa dos internautas. A relevância do tema nos levou a também registrar uma síntese da entrevista em Teoria e Debate

A atual administração da cidade de São Paulo vem se destacando no quesito mobilidade por medidas de baixo custo e impacto positivo imediato. Como é traçar uma estratégia de mobilidade para uma cidade dessa dimensão?

Jilmar Tatto: Não estamos inventando a roda na cidade de São Paulo. O prefeito Fernando Haddad está simplesmente pondo em prática o Plano Nacional de Mobilidade – uma lei federal que apresenta uma hierarquia de prioridades: em primeiro lugar, o pedestre; em segundo, os veículos não motorizados, a bicicleta, principalmente; em terceiro, o transporte público; em quarto, o transporte de mercadorias ou cargas; e em quinto, a motocicleta ou o carro individual.

Estamos fazendo, arrumando e ampliando 1 milhão de metros quadrados de calçadas. Em relação às ciclovias, a cidade tinha apenas 63 quilômetros, e detectamos a necessidade de pelo menos 1.500 quilômetros. Então, planejamos fazer 400 quilômetros. Em pesquisa, verificamos que as pessoas não usam bicicleta para trabalhar na cidade de São Paulo por insegurança, medo, pela proximidade com os carros – e pela legislação o ciclista não pode trafegar pela calçada.

Iniciamos o programa, e o número de pessoas usando as ciclovias dobrou. Faltam cerca de 100 quilômetros e estamos priorizando a periferia, justamente para fazer as conexões com o Centro. Temos algumas diretrizes em relação às ciclovias, aos outros modais de transporte, ônibus, metrô, e equipamentos públicos, escolas, hospitais. É bom que haja essa conexão e se priorize a segurança.

Em relação ao transporte público, implantamos cerca de 500 quilômetros de faixas exclusivas. Existe um debate conceitual que é fundamental e estratégico. Há quem diga que o viário da cidade de São Paulo não é suficiente. É suficiente, sim, mas não é democrático. Às vezes, o usuário do carro reclama da faixa exclusiva, ou da ciclovia, e até da calçada do pedestre. Só que ele ocupa 80% do espaço, porque a lógica sempre foi fazer o viário para o carro. É preciso fazer o viário para as pessoas. Gasta-se dinheiro alargando pistas, como foi feito nas marginais, na época do Serra. Não adianta, abre-se uma nova faixa para o carro e, três meses depois, a situação é a mesma de antes, porque as pessoas são induzidas a usar carro.

Do ponto de vista da mobilidade, abrir viário, fazer túnel, construir viadutos, pontes não ajuda – atrapalha. Não se trata de recurso público. Pode ter certeza que o prefeito que faz viaduto, túnel, passarela não está gerando mobilidade.

Claro que estamos falando da passarela dentro de uma cidade, e não em rodovias. Se o Plano Nacional de Mobilidade diz que a prioridade é o pedestre, a passarela é uma excrescência. O pedestre sobe as escadas, atravessa pela passarela, enquanto o carro fica em nível, como se ele atrapalhasse o carro. É o contrário: o pedestre tem de andar na calçada, atravessar a rua em nível. Isso acontece também em relação ao ônibus. Sou entusiasta das faixas exclusivas à direita. Primeiro, porque não tem custo; segundo, porque dá para fiscalizar, ninguém invade a faixa; terceiro, o pedestre embarca no ônibus sem precisar atravessar a rua para ir ao canteiro central no corredor à esquerda. Para viagens de longa distância é importante ter corredor, mas para viagens curtas não há necessidade.

Estamos fazendo tudo isso na cidade sem gastar muitos recursos e melhorando a qualidade de vida das pessoas. O debate de fundo é a democratização do espaço e ainda a desprivatização do espaço público. Um indivíduo que deixa o carro na via o dia todo, está usando um espaço só para ele, de manhã até à noite. É preciso abrir esse espaço para calçada, ou transporte público, ou bicicleta. Ele usará e os outros também. Há décadas acontece um processo de privatização do espaço público. De um lado, o espaço é privatizado e, de outro, não é democrático. Então, não há mobilidade – e todos são prejudicados.

Para o prefeito Fernando Haddad, a cidade precisa ser ocupada. Essa é uma maneira inclusive de enfrentar a violência, não construindo muros, colocando arame farpado, contratando segurança... Abrir as ruas nos fins de semana para as pessoas passearem, colocar em praça pública cinema, ocupá-las  com wi-fi e melhorar a qualidade do serviço.

Ter ônibus equipado com ar-condicionado e wi-fi é uma decisão. Em uma concessionária, o vendedor não pergunta mais se você quer carro com ou sem ar-condicionado. Todo ônibus dentro da cidade de São Paulo terá ar-condicionado, porque a cidade está cada vez mais quente. Isso é qualidade de serviço.

A expansão de ciclovias, a melhoria da qualidade do transporte sobre pneus, que é responsabilidade da prefeitura, são elementos e marcas possíveis de fazer sem dinheiro, rápido, com segurança e com planejamento. Tudo o que estamos fazendo tem um projeto por trás, tem um técnico assinando.

Se é tão simples, se tem um apoio tão grande da população, por que outros não fizeram? Provavelmente porque não queriam democratizar o espaço público. Só um governo de esquerda consegue fazer isso.

Interessante essa exposição sobre a democratização do espaço público. O exemplo da passarela realmente é fantástico.

Jilmar: Às vezes o cidadão não percebe certas coisas. Tem aquela cerquinha que o obriga a ir quase até o próximo quarteirão para atravessar a rua. São coisas para que o carro não precise parar na travessia do pedestre. Estamos mudando o jeito de pensar inclusive na própria Companhia de Engenharia de Tráfego (CET). Um técnico que está na CET há vinte anos um dia me disse: “Secretário, eu era uma das pessoas que davam entrevista contra a faixa exclusiva de ônibus, inclusive na Avenida 23 de Maio. Era escalado para falar e estava convencido de estar certo. Agora quero dizer: vocês têm razão. Estávamos fazendo tudo errado na cidade. Mobilidade é outra coisa”.

Que maravilha! Nós sabemos que metrô é de responsabilidade do governo do estado e São Paulo tem uma malha pequena, em comparação com outras cidades até menores. Como fica o metrô dentro dessa proposta de mobilidade?

Jilmar: É uma cidade de 11 milhões de habitantes que precisa de transporte de massa. Transporte em pneus é de média e pequena capacidade. A solução para o transporte coletivo em São Paulo é metrô. O ônibus tem de ser um complemento ao metrô.

Há décadas que o governo do estado, peessedebista, não consegue ampliar a malha metroviária na cidade de São Paulo, o que sobrecarrega o sistema de ônibus. Por mais que compremos ônibus maiores, cuja lotação é de 200 pessoas, a solução da mobilidade na cidade está na construção de mais metrô, que transporta mil pessoas.

O prefeito Haddad, sabendo da importância do metrô, fez um convênio com o governador Alckmin e está ajudando a expandir o metrô e o monotrilho – destinou cerca de R$ 400 bilhões. O problema é que eles não conseguem pôr de pé as estações e os monotrilhos, que já deveriam estar inaugurados. Por terem sido contratados sem projeto básico, estão sendo refeitos. Imagine um monotrilho para a Cidade Tiradentes! São muitas pessoas, para aquela quantidade de pessoas tem de ser metrô. A justificativa para ser monotrilho foi que era mais barato. Mas, hoje, o preço dos dois é igual. E ainda há muita dúvida sobre a tecnologia do monotrilho. Para alguns técnicos, até do próprio metrô, a solução é derrubar o monotrilho, porque ele não tem tecnologia para ser posto em funcionamento. Foi uma grande irresponsabilidade, na época do Serra e continuada pelo Alckmin. Sem dúvida, a cidade precisa de uma rede metroviária, que está muito atrasada e, infelizmente, acaba sobrecarregando o transporte sobre pneus.

Então o metrô empacou e o monotrilho corre o risco de não rodar?

Jilmar: Isso mesmo. Aquele pequeno trecho, inaugurado na Vila Prudente, treme bastante. E tem essa novidade de a Secretaria do Transporte Metropolitano pôr sob sigilo de 25 anos as informações do metrô e do monotrilho em São Paulo. Imagine se alguém do PT faz isso...

Sabemos que a maioria da população de São Paulo aprova essas medidas tomadas pela prefeitura. O prefeito Haddad foi muito elogiado por jornais estrangeiros pela política de mobilidade. Mas quem tem resistência tem por quê?

Jilmar: É muito difícil mudar a cidade. Não é uma cidade conservadora. Tivemos prefeitos e prefeitas progressistas. Do ponto de vista eleitoral ela se movimenta, às vezes mais para a esquerda, outras mais para o centro e para a direita. Acontece que existem grupos econômicos, principalmente, e uma mídia extremamente conservadores. Há um ataque especulativo contra essas políticas.

É surreal! Mesmo fazendo políticas públicas que ajudem a população e zelando pelo dinheiro público, cotidianamente grupos de mídia falam mal do que está sendo feito na cidade. Já o New York Times, o Wall Street Journal, o El País, os prefeitos de Paris, Bogotá, Nova York, o mundo inteiro está olhando para São Paulo, elogiando o prefeito Haddad e o que ele está fazendo na cidade, a coragem e essa proposta de mobilidade para as pessoas.

Acho que é uma questão de tempo. Uma política social de mobilidade da qual ninguém fala, por exemplo, é o passe livre. São 500 mil, meio milhão de estudantes que se locomovem de ônibus todos os dias na cidade e não pagam passagem. Também não pagam passagem mulheres a partir dos 60 anos e homens a partir dos 65. São 200 mil pessoas da melhor idade beneficiadas. Essas políticas estão funcionando mesmo com a crise.

Em 2013, o estopim das manifestações foi a reivindicação de passe livre. Agora, há o passe livre, mas não é universal. O que limita ter transporte público, de qualidade e gratuito?

Jilmar: O financiamento. O debate que tem de acontecer, começando no Congresso Nacional, é sobre quem deve financiar o transporte público, que tem de ser universal. Se for gratuito, quem paga? Hoje, o usuário paga uma parte; os impostos, através de orçamento, pagam outra; e as empresas, por meio do vale-transporte, pagam outra. Essa distribuição é injusta, pois o usuário é muito penalizado. E é bom lembrar que há gratuidades, que são benefícios conquistados pela sociedade.

A Frente Nacional de Prefeitos entende – e o prefeito Haddad liderou isso – que o usuário do carro, desde que use a via, deve pagar um percentual para o transporte público, através do combustível. E as empresas deveriam pagar o vale-transporte a partir do momento em que o funcionário é contratado, usando ou não o transporte público. Isso porque o transporte está à disposição. O ônibus está lá, sendo usado ou não, gera custo. Com essas duas fontes de arrecadação, é possível não só universalizar o serviço, mas eventualmente resolver a questão da tarifa.

Acho perigoso, por ora, regulamentar a tarifa zero para todos. O usuário deve pagar uma parcela, ainda. Hoje, na prática, há 40% que não pagam passagem – estudantes, idosos, deficientes, funcionários dos Correios, oficiais de Justiça e outras categorias têm esse benefício. É preciso ter outras fontes de financiamento; caso contrário, desestrutura todo o sistema.

Os ciclistas andam de bicicleta ao lado desses ônibus gigantescos... E o problema da segurança das ciclovias?

Jilmar: É importante que se diga que o ciclista tem direito de andar na cidade, com ciclovia ou não. E ele não pode andar na calçada. Portanto, onde não tem ciclovia, tem de andar junto com os veículos, com os ônibus, com os carros.

Os usuários de ônibus, de carros têm de respeitar a bicicleta, que é um veículo não motorizado e frágil. A cidade de São Paulo tem 17 mil quilômetros de vias e comportaria 1.500 quilômetros de ciclovias. Como não é possível colocar ciclovias em toda a cidade, isso precisa ser resolvido, primeiro, com educação aos motoristas, para que respeitem os ciclistas; e aos ciclistas, para que respeitem as regras de trânsito. A segunda medida é a redução do limite máximo de velocidade. Se a velocidade de uma via é 70 Km/h, é evidentemente perigoso. Se o motorista precisar frear, põe em risco o pedestre, o usuário do carro e o ciclista. Uma velocidade segura na cidade de São Paulo é 50 Km/h, como padrão, porque diminui a gravidade de um acidente. Com a redução feita até agora, o número de mortes, felizmente, já caiu 35%.

A indústria automobilística produz veículos cada vez mais potentes e velozes, mas a função do carro é a locomoção de forma segura. Até o nome das autoescolas já induz o motorista a correr: Fórmula 1, Ayrton Senna, e por aí vai. Felizmente a cidade está começando a entender o porquê dessa redução, que é para diminuir o número de acidentes.

A meta da ONU para esta década é reduzir pela metade o número de mortes em acidentes de trânsito. O Brasil tem vinte por 100 mil habitantes. A cidade de São Paulo estava com doze por 100 mil. Com as medidas que tomamos, baixou para nove. Só que é preciso baixar para seis até 2020. A média europeia é três; a do Japão está em 1,5, e eles têm política para zerar. Além da gravidade e de todo o sofrimento para as famílias, há ainda o gasto relacionado ao SUS, que é muito alto.

Em São Paulo tem uma agravante importante, que é o acidente com motocicletas, os motoboys, não é?

Jilmar: Sim, 80% dos acidentes com veículos envolvem moto. Estamos atentos e aperfeiçoando a fiscalização relacionada a motocicletas. Se esse percentual não diminuir, vamos tomar outras medidas.

O que a prefeitura pode fazer ou está fazendo no sentido de educar para ter a cidade mais segura para todos no trânsito com essa hierarquia: as pessoas em primeiro lugar, e não os automóveis?

Jilmar: Da arrecadação relacionada às infrações de trânsito, 5% vai para o Fundo Nacional para a Educação de Trânsito. O que tem de direcionar melhor não está focado em ter uma hierarquia. Existem vários órgãos envolvidos, Denatran (nacional), Detrans (estaduais) e, no caso da Prefeitura de São Paulo, há a CET. Nós usamos mais a linguagem de faixas de vinil, relógios com mensagens. Fazemos uma política de sinalização de pedestre e temos uma escola de educação em trânsito na própria CET, frequentada pelos agentes da CET, para orientação sobre o respeito à sinalização de trânsito. Isso é o que a prefeitura consegue fazer.

Acho que a cidade ainda não está mobilizada o suficiente para essa questão da velocidade, ou porque os currículos não são adequados, ou porque as escolas de formação de condutores não se detêm nisso. Entre velocidade e segurança, o usuário às vezes prefere a velocidade. As pessoas reclamam, mas, se o limite fixado em 60 km/h em uma via for reduzido para 40 km/h, há um sentido – pode ter uma curva, ou o pavimento não estar de acordo etc. Não respeitar a sinalização de trânsito é assumir o risco de sofrer um acidente.

Por isso estamos desenvolvendo uma política, a própria prefeitura já fez comerciais, propagandas em cima disso, que é justamente para reduzir esses acidentes que acontecem na cidade.

Fala-se em “indústria da multa” na cidade. O que você tem a dizer sobre isso?

Jilmar: Primeiro, é bom esclarecer que 70% dos usuários de carro da cidade de São Paulo não levam multa. Fizemos um levantamento do perfil do infrator e aferimos que 5% cometem 50% dessas infrações. Esses têm de ser presos, estão pondo em risco toda a cidade.

E não é possível encontrá-los?

Jilmar: Estamos justamente tentando fazer isso. O motorista que faz parte desse percentual está provavelmente na seguinte situação: o valor do carro em relação à multa não vale a pena. Passa no sinal vermelho, não respeita o pedestre, não respeita o ciclista, não respeita nada. Estamos buscando, e em breve teremos novidades.

Nesse processo educativo de formação de uma nova consciência cidadã sobre a mobilidade, a segurança, existe consulta à população? Há algum tipo de participação para definir faixas de ônibus, ciclofaixas?

Jilmar: Em algumas coisas, sim. A instalação da faixa de ônibus, por exemplo. Está na lei que é preciso hierarquizar, e definimos alguns critérios, levando em conta quantidade de ônibus na via, velocidade média, quantidade de usuários. Apresentamos o programa ao Conselho Municipal de Trânsito e foi aprovado. Em relação às ciclovias foi igual, mesmo estando no Plano Nacional de Mobilidade, no Plano de Metas, ponto de programa de governo. Com relação à licitação de ônibus, recém-lançada, fizemos dezenas de reuniões, audiências públicas nos bairros, por meio das subprefeituras, para que a população opinasse onde deveria passar o ônibus.

Há mecanismos de consultas públicas, conselhos participativos para que as pessoas opinem também na área de mobilidade. Isso faz parte do cotidiano da secretaria. Há situações inclusive em que voltamos atrás. Ao implantar ciclovias, por exemplo, em alguns casos voltamos atrás, porque não tinha sentido ou o terreno era acidentado. Em um programa dessa dimensão ocorrem problemas, e é preciso dialogar com a Câmara, com a associação de bairros.

Entre os vários desafios diários, surgiu uma novidade, em várias partes do mundo, e também em São Paulo: o Uber. Trata-se de um aplicativo no celular com o qual se contrata o serviço de “táxi”, em que uma pessoa oferece o próprio automóvel para “dar uma carona” e receber por isso. Imagino que vocês tenham debatido isso na prefeitura...

Jilmar: Bastante, todos os dias. Inicialmente, não podemos ser contra a tecnologia. Tem de dialogar. É um serviço novo, com uma aceitação grande da população, mas achamos que o Estado não pode abrir mão da ocupação do que é público. Isso implica um processo de desregulamentação, perigoso do ponto de vista do serviço porque, mesmo sendo individual, é um serviço de utilidade pública, e portanto precisa haver um controle do Estado.

Estamos tomando algumas medidas para lançar um serviço público de táxi preto, de luxo, com aplicativo e as características do Uber, que não vai poder usar faixa exclusiva. Por outro lado, consta em lei no Brasil que, para transportar passageiro e cobrar, tem de ter taxímetro, só o táxi, portanto. Quando se introduzem novas tecnologias nesse tipo de serviço, que não tem controle do Estado, há uma desregulamentação do mundo do trabalho.

Mas a prefeitura também regulamenta o trabalho dos taxistas?

Jilmar: Regulamenta, é uma função da prefeitura. O que é caro na cidade são os pontos. Isso nós precisamos debater. O ponto de táxi no Aeroporto de Congonhas, por exemplo, que é uma fortuna e faz uso do viário de forma privada.

O assédio sexual no metrô aumenta a cada dia... Como a prefeitura lida com isso no transporte público municipal?

Jilmar: Temos conversado bastante com a secretária de Mulheres, Denise Mota Dau, e feito também campanhas, inclusive no Jornal do Ônibus. Quando acontece algum assédio, há toda uma orientação ao SPTrans e à fiscalização nos terminais, para levar quem comete esse tipo de abuso para a delegacia. Ou seja, temos uma política voltada para evitar que isso aconteça e, se acontecer, haver punição.

Quais benefícios trará a licitação de mudanças no transporte coletivo para o cidadão?

Jilmar: Mais espaço dentro dos ônibus e diminuição do intervalo de tempo entre os ônibus, justamente para que o usuário tenha maior oferta desse serviço. Está na licitação ar-condicionado, wi-fi e tomadas nos novos equipamentos. E vamos localizar algumas linhas para aumentar a velocidade desses ônibus. Há uma política para tentar qualificar a tripulação. Por exemplo, para que o motorista possa dirigir de forma segura e dar atendimento qualificado aos usuários. E, em relação à remuneração, fará parte a componente opinião do usuário.

Quem prestar melhor serviço ganha mais e quem prestar mau serviço é punido?

Jilmar: Vamos estipular critérios de pesquisa para avaliar isso: penalizar quem presta mau serviço a partir da opinião do usuário, não só da fiscalização. Quem presta um bom serviço não ganhará mais – deixará de perder. O trabalhador é contratado para prestar um bom serviço.

É possível ampliar ainda mais as linhas de ônibus noturnos?

Jilmar: A cidade é dinâmica, tudo é possível e custa dinheiro. Já temos 5 milhões de cidadãos usando os ônibus noturnos. Funciona como relógio. Ninguém reclama. O ônibus noturno é o piloto para o que queremos fazer no sistema de transportes: o ônibus sair na hora certa, estar no ponto naquele horário programado.

É verdade que com as faixas exclusivas o usuário ganha tempo, chega no horário ao trabalho e em casa. Mas do ponto de vista operacional é poder programar o horário do ônibus para o usuário. Por isso é exclusiva, ninguém pode usar, tem de estar livre. Quando você vê aquela faixa sem ninguém é porque está funcionando. Com o tempo a rede noturna se ampliará, já é uma conquista da cidade. O metrô não funciona depois da meia-noite, e nós colocamos ônibus no traçado do metrô.

O que é possível fazer para melhorar a relação entre ciclistas, pedestres e motoristas?

Jilmar: É uma coisa nova na cidade. O ciclista era um ser invisível, e o número de adeptos da bicicleta está aumentando a cada dia. Da mesma maneira que pedimos para o motorista respeitar o ciclista, também o ciclista tem de respeitar o pedestre, e este tem de respeitar a sinalização de trânsito.

Há um processo de transformação, ampliação de bicicletas e instalação de ciclovias. O pedestre anda na ciclovia, e não na calçada, assim como tinha motorista que estacionava na ciclovia. Agora se sabe que não pode. Há um projeto de uma ONG no Brasil inteiro, o Bike Anjo (bikeanjo.org), que acompanha as pessoas que querem se iniciar nas pedaladas e andar de bicicleta na cidade. É uma ação maravilhosa justamente para incentivar o uso de um transporte e uma vida mais saudável.

Há alguma possibilidade ou interesse da prefeitura em estatizar o transporte público da cidade de São Paulo?

Jilmar: Esse debate não está posto. O prefeito procurou fazer com que o processo de concorrência, de concessão do serviço de transporte, se abrisse para novos interessados em participar. Uma providência foi desapropriar todas as garagens, porque são sinônimo de poder. É muito difícil uma área na cidade para colocar centenas de ônibus. Então, a desapropriação ocorreu.

O custo desse serviço é muito alto. O modelo de concessão e as novas tecnologias de fiscalização deram certo em São Paulo, e agora é preciso aperfeiçoar a qualidade e o mecanismo de controle do Estado. Estamos criando uma central operacional que controla as partidas e, com isso, o pagamento definido. Prefiro o Estado no controle e fiscalização do sistema por meio de tecnologias do que operando. Para operar, contrata-se, não é preciso estatizar a cadeia toda.

Do ponto de vista de custos não há mais o debate sobre a planilha, pois está tudo muito transparente. Não há mais dúvidas em relação ao que entra no sistema, porque o bilhete único resolveu esse problema. É tudo informatizado e on-line. Todo mundo sabe quanto custa cada componente, o pneu, o diesel, o salário do motorista, as peças...

Joaquim Soriano é diretor da Fundação Perseu Abramo