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Diante do ataque das elites conservadoras é fundamental intensificar o debate em torno das diferenciações e eficácia do modo petista de governar

Um dos diferenciais do modo petista de governar é a forte ênfase ao diálogo social. As obras de infraestrutura e os programas sociais são cruciais em uma agenda de desenvolvimento, mas sem a participação da população e das instituições organizadas as gestões públicas tendem a ter características tecnocráticas. O diálogo social ajuda a calibrar os programas

Conferências faze parte do arcabouço institucional do município de São Paulo

Conferências fazem parte do arcabouço institucional do município. (Foto: PMSP)

Vivemos tempos de forte ataque das elites conservadoras às conquistas sociais realizadas nos últimos treze anos pelo modelo de desenvolvimento nacional, que associou crescimento com distribuição de renda e políticas de inclusão social: valorização do salário mínimo, programas como o Bolsa Família, o Minha Casa Minha Vida; na educação o Prouni, Enem (e sua utilização nas universidades públicas), a ampliação do Fies, o Pronatec; no campo o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf), entre tantos outros. Sabemos que esse modelo permitiu a forte expansão de empregos (em contraste com o verificado nos vinte anos anteriores), impulsão de um grande mercado consumidor interno, redução da pobreza e queda na desigualdade social.

Entretanto, as elites põem de lado tudo isso e culpam as referidas políticas sociais pela suposta desorganização das contas públicas. No entendimento da crise econômica, os grupos de oposição não dão o peso devido a elementos como a retração internacional, a desaceleração da China, a queda dos preços das commodities e nem mesmo a fatores internos como o excesso de desonerações tributárias, que explica parte dos desajustes fiscais observados.

No campo político, esses segmentos, que foram derrotados nas eleições, aprofundam a crise econômica ao inviabilizar canais de negociação e governabilidade. Mais: esses segmentos buscam a própria destruição do que denominamos de “modo petista de governar”, associando-o como sinônimo de corrupção. A campanha pelo impeachment da presidenta Dilma Rousseff, reeleita legitimamente nas urnas e sem qualquer prova de ilegalidade dos seus atos, é a síntese desse processo de bombardeios com objetivos claros.

Diante desse quadro, é fundamental fazer a disputa na base e nas ruas, reorganizar o partido e intensificar o debate em torno das diferenciações e eficácia do modo petista de governar.

Neste artigo, pretendemos refletir sobre um dos aspectos que caracterizam o modelo de gestão pública defendida pelo PT. Defendemos que um dos diferenciais do modo petista de governar é a forte ênfase que nossas gestões dão ao diálogo social. As obras de infraestrutura e os programas sociais são cruciais, sim, em uma agenda de desenvolvimento, mas sem o envolvimento e a participação social da população e das instituições organizadas as gestões públicas, em quaisquer das esferas de governo (municipal, regional, estadual, nacional), tendem a ter características tecnocráticas. O diálogo social ajuda a calibrar programas, priorizar aquilo que de fato é essencial, envolver as pessoas e maximizar a relação benefícios por custo dos programas.

Gestões tecnocráticas definem prioridades e distribuem recursos sem ouvir as partes e sem a obtenção de consensos mínimos em torno dos projetos. Por consequência, elas estão mais sujeitas a erros e a menor efetividade de suas políticas. A ausência de diálogo social favorece ainda a reprodução de um modelo de crescimento econômico socialmente excludente. Em última instância, o ataque ao modo petista de governar tem o objetivo de fazer com que o país regrida a um modelo de crescimento tecnocrático, economicamente concentrador de renda e socialmente elitista.

Nesse sentido, São Paulo – uma das Cidades Globais, a maior da América Latina e marcada historicamente por suas desigualdades sociais e pela exclusão da participação popular nas decisões do seu processo de desenvolvimento – propicia, sob a gestão de Fernando Haddad, laboratório importante de reflexões e análises. Em virtude das grandes proporções dos assuntos ligados à cidade, da complexidade inerente à sua governança e dos imensos desafios que são as soluções para os seus problemas, cresce a importância do diálogo com a população, visando aprimorar as políticas e os instrumentos da gestão pública. Claro, diálogo este de forma complementar e colaborativa aos debates realizados pelos canais tradicionais da democracia representativa.

O diálogo social na gestão Haddad

O diálogo social é a via prioritária da construção das políticas públicas na gestão do prefeito Haddad. São várias as manifestações dessa linha de gestão participativa. Aqui, vamos apenas nos ater a algumas delas.

Assim, em março de 2013, logo no início do governo, foi constituído o Conselho da Cidade, novo canal de diálogo entre a administração municipal e a sociedade. O Conselho da Cidade é órgão consultivo, formado por 136 conselheiros, convidados pelo prefeito. No âmbito do governo, cabe à Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania a coordenação dos trabalhos do Conselho da Cidade.

A exemplo do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social da Presidência da República (CDES), o Conselho da Cidade foi criado para ter uma composição ampla e plural, com representantes dos movimentos sociais, entidades de classe, empresários, sindicalistas, cientistas, estudantes, artistas e lideranças religiosas. O conselho reúne-se quatro vezes ao ano, para analisar temas centrais e estratégicos para a cidade, como o Programa de Metas, o Plano Diretor e o projeto urbanístico do Arco do Tietê.

Na primeira reunião do Conselho da Cidade, em 2013, o prefeito Fernando Haddad abriu as discussões afirmando:

“Queremos promover a política com ‘P’ maiúsculo, a política em que as pessoas, sem cerimônia e com o peito aberto, vão se reunir para expressar seus pensamentos e sentimentos a respeito de São Paulo, ajudar a desenhar seu futuro, a encurtar os caminhos de superação das dificuldades (…). O Conselho tem também um papel pedagógico de envolver os cidadãos nos negócios da cidade”.

Além do Conselho da Cidade, foram também criados na administração Haddad os seguintes conselhos: Conselho Municipal de Transportes; Conselho Municipal de Segurança Alimentar e Nutricional; Conselho Municipal do Esporte, Lazer e Recreação; Conselho Municipal de Políticas para as Mulheres; Conselho Municipal de Igualdade Racial.

Paralelamente, foram constituídos conselhos participativos nas 32 subprefeituras da cidade de São Paulo.

Os conselhos participativos têm caráter público e autônomo da sociedade civil. A função desses conselhos territoriais é permitir aos cidadãos exercer o controle social; assegurar a participação no planejamento e fiscalização das ações e gastos públicos. Cabe aos conselhos participativos sugerir ações e políticas públicas nos territórios. Esses conselhos são formados por representantes da sociedade civil eleitos pelos cidadãos paulistanos. O papel da prefeitura, nesse caso, é dar condições para o seu funcionamento, apoiando o processo de descentralização e de participação popular. A coordenação desses conselhos é da Secretaria Municipal de Relações Governamentais.

Os conselhos participativos em cada subprefeitura têm entre 19 e 51 conselheiros, que são eleitos pelo voto direto em cada distrito da cidade, proporcionalmente à população de cada distrito e subprefeitura (cada subprefeitura abrange, em média, 300 mil habitantes). Em iniciativa inédita, o governo Haddad criou condições para a participação também de imigrantes e moradores de rua, na medida em que no processo eleitoral podem votar igualmente cidadãos sem título de eleitor ou residência fixa. Estima-se que haja 500 mil imigrantes e 15 mil moradores de rua na cidade de São Paulo.

Em dezembro de 2015, os paulistanos escolheram os representantes para o segundo biênio do Conselho Participativo Municipal. O processo eleitoral para o período 2016-2018 aconteceu nas 32 subprefeituras da cidade. Foram eleitos 1.162 conselheiros.

Cumpre destacar ainda as 39 Conferências Municipais Temáticas realizadas até novembro de 2015. Houve conferências temáticas que debateram propostas específicas das mulheres: negras, de povos tradicionais, indígenas, imigrantes, prostitutas/em situação de prostituição, jovens, idosas, lésbicas, bissexuais, transexuais, travestis, com deficiência e trabalhadoras. Essas conferências representaram, uma vez mais, a oportunidade das munícipes discutirem, proporem e formularem diretrizes e subsídios para as políticas para as mulheres.

O Programa São Paulo Aberta, constituído a partir de outubro de 2013, é outra via de diálogo e participação. Trata-se do comprometimento da cidade, por meio de uma série de ações matriciais do governo, com os princípios e objetivos da Open Government Partnership (OGP). Essa organização internacional, formada por mais de meia centena de países, tem como objetivo comprometer os governos com maior transparência, participação popular e controle social. Com o São Paulo Aberta, a prefeitura inova por meio da criação de um instrumento oficial para instituir um governo com mais participação, transparência e inovação tecnológica nas políticas públicas.

Entre as ações do São Paulo Aberta está o Gabinete Aberto. Trata-se de programa quinzenal, transmitido pela internet (site: saopauloaberta.prefeitura.sp.gov.br) e pela Rede SP Saudável. O prefeito, as secretárias e secretários da gestão são convidados a apresentar e dialogar com jornalistas e internautas os assuntos referentes a cada pasta. O objetivo é aumentar a transparência da ação governamental nas diferentes áreas (saúde, educação, transporte, serviços, esporte, desenvolvimento, cultura, trabalho, esporte, juventude e outros). Os internautas podem enviar perguntas ao longo da transmissão. A duração do programa varia entre 60 e 90 minutos.

Nessa direção, uma das medidas da reforma administrativa de maio de 2013 foi a criação da Controladoria-Geral do Município, visando intensificar os controles para combater eventuais atos de corrupção e dar maior transparência à gestão.

O diálogo social complementa-se com a implementação do Ciclo Participativo de Planejamento e Orçamento do Município de São Paulo, que havia sido abandonado nas gestões anteriores.

O Ciclo Participativo iniciou-se com a discussão, ao longo de 2013, do Programa de Metas. A participação da população no debate do Programa de Metas se deu por meio de 35 audiências públicas (31 nas subprefeituras), três audiências temáticas e uma audiência geral na Câmara Municipal. Nessas audiências, foram colhidas quase 10 mil sugestões. O Programa de Metas orientou três peças fundamentais do planejamento: o Plano Plurianual (PPA), a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e a Lei Orçamentária Anual (LOA).

Outro passo importante no Ciclo Participativo foi a criação do Conselho de Planejamento e Orçamento Participativo (CPOP), composto por representantes da sociedade civil, do Executivo e do Legislativo Municipal.

No total, o Ciclo Participativo de Planejamento e Orçamento do Município de São Paulo contou com 99 audiências públicas, que contemplaram todas as subprefeituras. Mais de 11 mil pessoas participaram do processo

A política de desenvolvimento: o diálogo social como fator estruturante

A atual Secretaria de Desenvolvimento, Trabalho e Empreendedorismo da cidade de São Paulo segue a diretriz do diálogo e participação social em sua forma de gestão. Não poderia ser diferente em absoluto, considerando-se nossa própria trajetória pessoal, inserida nas lutas sociais e sindicais em prol do direito de participação na empresa, nas organizações sociais e na esfera pública.

Como dissemos em artigo anterior: “Estamos entre aqueles que veem a participação e o diálogo social como essenciais para a definição das melhores escolhas e rotas a serem tomadas. Isso significa construir, valorizar e apoiar  espaços de diálogo como Plano Plurianual Participativo, Orçamento Participativo, conselhos, fóruns, arranjos produtivos locais etc. A partir desses espaços de diálogo emergem políticas articuladas em conjunto com representações empresariais, sindicatos de trabalhadores, universidades, entidades da sociedade civil como o Dieese, bem como entidades e instituições representativas dos diferentes territórios da cidade (subprefeituras, associações comerciais e industriais, igrejas, entre outras)”.

Na área das políticas ativas no campo do trabalho e economia solidária (nas quais se inserem as ações relativas à qualificação profissional, intermediação de mão de obra, Agenda do Trabalho Decente e economia solidária), o diálogo social ocorre por diversas vias. Em primeiro lugar, por intermédio do Conselho Municipal de Emprego (que tem a participação do poder público, sindicatos de trabalhadores e entidades empresariais).

No caso da economia solidária, a participação social está umbilicalmente ligada a essa área de trabalho. A economia solidária pressupõe democracia, solidariedade, igualdade e participação. Assim, os diversos projetos em curso são dialogados e construídos em parcerias com as instituições representativas desse segmento, como é o caso da Unisol. A participação dos empreendimentos solidários e dos cooperados que deles fazem parte é imprescindível para o sucesso das ações.

No que concerne às ações visando a construção e implementação da Agenda Municipal do Trabalho Decente na cidade de São Paulo, as ações se dão articuladas com a Organização Internacional do Trabalho (OIT), os órgãos públicos, as entidades empresariais e os sindicatos de trabalhadores. Assim, uma das primeiras medidas foi a constituição de um Comitê Gestor da Agenda. Entre as várias ações está a promoção de vários debates sobre a importância e os caminhos para alcançar o trabalho decente. Esses debates acontecem com centrais sindicais, sociedade civil, classe empresarial e órgãos governamentais. Um seminário aberto, organizado pela secretaria em parceria com a OIT, está programado para maio, quando se darão novos passos rumo ao trabalho decente na cidade de São Paulo, conforme compromisso firmado pelo prefeito Haddad no início de sua gestão. Importante registrar que a OIT possuiu um espaço (sala) permanente na sede da Secretaria de Desenvolvimento, Trabalho e Empreendedorismo, fruto dessa parceria.

Na área da inovação, pesquisa e tecnologia, que é estratégica quando se estrutura e se implementa uma política de desenvolvimento para uma Cidade Global como São Paulo, o diálogo social é ferramenta essencial, uma vez mais. Nesse caso, trabalhamos como o modelo de tríplice hélice, que assenta-se em projetos estratégicos discutidos e realizados em parceria, envolvendo governo, universidades e setor produtivo (empresas e sindicatos). Assim, cresceu a importância do Conselho Municipal de Ciência e Tecnologia, do qual participam instituições como USP, Mackenzie e institutos federais, além da secretaria.

Nesse campo da inovação, ciência e tecnologia, o diálogo também é fundamental. Ele é a base para o sucesso do projeto de constituição do Parque Tecnológico da Zona Leste, cujos elementos centrais estão sendo desenvolvidos visando debater com a comunidade a vocação desse empreendimento para a região.

A Política de Segurança Alimentar e Nutricional (SAN) e a Política de Abastecimento tiveram como primeiras ações a eleição dos membros do conselho e a construção do arcabouço institucional da SAN (com a eleição de membros do conselho; realização da Conferência Municipal de SAN; lançamento do I Plano Municipal de SAN para o município de São Paulo; participação na Conferência Nacional de SAN). Foram realizadas sete pré-conferências macrorregionais como etapas que antecederam a realização da 6ª CMSAN, caracterizadas por um processo de articulação e mobilização bastante intensos, desde o trabalho de envolvimento da população local, totalizando cerca de 700 pessoas em suas sete edições. Também como preparatório à realização da 6ª CMSAN ocorreram dez atividades livres autogestionadas, que abordaram as seguintes temáticas: água, história e memória da alimentação, desperdício de alimentos etc.

Registre-se que, nessa área, realizaremos a Conferência de Desenvolvimento Rural Sustentável, ainda neste ano, com a constituição de conselho e a conformação do Plano Municipal de Desenvolvimento Rural Sustentável, parte das ações do Plano Diretor.>Um dos projetos de requalificação urbana mais desafiadores, coordenados pela secretaria, foi o estabelecimento do Circuito de Compras.

Trata-se de um conjunto de instalações e serviços que irá valorizar a região central de São Paulo, voltada ao turismo de compras. Esse circuito compreende quatro principais áreas: Bom Retiro, Brás, Santa Ifigênia e 25 de Março. O Circuito das Compras será realizado por meio de uma concessão sem qualquer contrapartida do poder público. O projeto vem suprir as necessidades básicas de infraestrutura adequada, estacionamento, segurança, guarda-volumes, banheiros, entre outros pontos, para quem viaja até a cidade com o fim comercial e turístico.

O diálogo permanente com comerciantes, associações comerciais e Ministério Público foi fundamental para a definição do escopo do projeto, realização da licitação e assinatura do contrato de concessão em dezembro de 2015.

Outro programa importante que será implementado é o da constituição de arranjos produtivos locais (APLs) em cadeias produtivas centrais da cidade de São Paulo. Os APLs são, antes de mais nada, espaços de governança da cadeia produtiva, dos quais participam gestores públicos, empresários, sindicatos de trabalhadores, universidades, instituições financeiras, entre outros. O objetivo é estruturar uma agenda de trabalho conjunta, com ações de curto, médio e longo prazo, que visem fomentar os negócios e incrementar a competitividade da cadeia produtiva.

Um dos primeiros APLs deverá ser o da cadeia têxtil e de confecções. Ao longo da gestão Haddad, nossa secretaria manteve forte articulação com empresários, trabalhadores e entidades representativas dessa cadeia produtiva.

Finalizamos enfatizando que é através do diálogo que as instituições e as pessoas expressam suas ideias e contribuições. Acreditamos na conformação de um modelo de desenvolvimento que confere ao Estado cada vez mais um caráter público, cuja gestão esteja sustentada na participação ativa da sociedade. A cidadania se expressa por meio de instrumentos que coadunem aspectos da democracia direta e indireta.

Foi com essa filosofia que o PT foi idealizado e constituído, contribuindo para agregar apoios ao projeto do partido e ganhar a confiança da maioria do povo brasileiro. Certamente, seu resgate e fortalecimento são ações que ajudarão na reorganização do partido.

Artur Henrique da Silva Santos é secretário Municipal de Desenvolvimento, Trabalho, Empreendedorismo e Segurança Alimentar e Nutricional de São Paulo, membro do Conselho Curador da Fundação Perseu Abramo