Criada no Congresso, a Frente Parlamentar Mista em Defesa dos Direitos das Mulheres, instrumento suprapartidário com adesão de duzentas parlamentares
Criada no Congresso, a Frente Parlamentar Mista em Defesa dos Direitos das Mulheres, instrumento suprapartidário com adesão de duzentas parlamentares
A defesa dos direitos humanos das mulheres se torna imprescindível na medida em que percebemos que o aumento de sua participação na sociedade não encontra paralelo na dinâmica socioeconômica. Somos 42% da força de trabalho na América Latina, responsáveis por quase metade do PIB mundial. No Brasil, sustentamos, sozinhas, quase 40% das famílias. Mesmo assim, somos agredidas e assassinadas dentro de nossas casas, vítimas de um machismo que desafia os séculos
Frente Parlamentar Mista em Defesa dos Direitos das Mulheres. (Foto: Victor Diniz/Câmara)
A Frente Parlamentar Mista em Defesa dos Direitos Humanos das Mulheres é um instrumento suprapartidário, dinâmico e horizontal, da Câmara Federal, do Senado e dos movimentos sociais, que procura alcançar os municípios e estados da federação vigiando os direitos conquistados, estimulando outros e fomentando políticas afirmativas pela igualdade entre homens e mulheres. A frente nasceu com a adesão de aproximadamente duzentos parlamentares e foi apresentada ao povo brasileiro em 8 de março, Dia Internacional da Mulher.
Em sintonia com a população, acompanharemos o andamento de programas governamentais e a aplicação de políticas públicas, seguiremos o trâmite de projetos de lei com impacto nos direitos humanos das mulheres e organizaremos debates, seminários e palestras, com foco no empoderamento da mulher brasileira e no estímulo de um processo de transformação na sociedade.
É mista porque une deputados e senadores, membros das duas casas legislativas que compõem o parlamento federal, pelo mesmo objetivo: garantir que os direitos das mulheres, em todas as áreas da nossa sociedade, sejam respeitados e ampliados, jamais diminuídos ou extintos.
A defesa dos direitos humanos das mulheres se torna imprescindível na medida em que percebemos que o aumento de sua participação na sociedade não encontra paralelo na dinâmica socioeconômica.
Somos 42% da força de trabalho na América Latina, responsáveis por quase metade do PIB (Produto Interno Bruto) mundial. No Brasil, sustentamos, sozinhas, quase 40% das famílias. Mesmo assim, somos agredidas e assassinadas dentro de nossas casas, vítimas de um machismo que desafia os séculos e nos cerceia na disputa igualitária do mercado de trabalho.
Acumulamos os afazeres domésticos com trabalho externo. Assim, trabalhamos seis horas, em média, a mais que os homens. Estamos sobrecarregadas. Por isso, estamos morrendo mais de doenças do coração, de acidente vascular cerebral (AVC) e em consequência de acidentes, além dos cânceres de mama e de colo de útero.
Enquanto mulheres, precisamos nos olhar como seres humanos na sociedade. Enquanto deputadas e senadoras, temos de propor novas políticas públicas que atendam a essas novas necessidades. Assim como sugerimos a vacina contra o HPV – que causa o câncer de colo de útero – ao Ministério da Saúde, é nossa obrigação reivindicar medidas preventivas para reduzir o impacto desses novos males que têm atingido, como nunca, as mulheres brasileiras.
A ampliação da licença-maternidade e da licença-paternidade, por exemplo, estimula a divisão dos cuidados e das responsabilidades de pai e mãe. Talvez uma outra solução seja a licença parental, onde homem e mulher podem definir o tempo que cada um precisa nos cuidados e dedicação ao filho e ao trabalho. Essa flexibilidade permite que marido e mulher se dividam, conforme for conveniente, para se desligar do trabalho e dedicar-se ao filho. Essa divisão de responsabilidades contribui para a socialização dos cuidados aos filhos de forma igualitária, além de aumentar os vínculos afetivos. Por isso, suscitaremos esse debate no Congresso Nacional.
Melhorar as condições das mulheres encarceradas e das esposas de presos será outro compromisso da frente. De acordo com levantamento divulgado pelo Ministério da Justiça, a população penitenciária feminina no Brasil cresceu 567,4% entre 2000 e 2014, enquanto a dos homens, 220%. São mais de 37 mil mulheres presas no país. A maioria tem de 18 a 29 anos e é negra.
Mesmo em conflito com a lei, homens e mulheres têm o direito de cumprirem suas penas com dignidade. Uma mulher desrespeitada no cárcere, sendo obrigada a dar à luz algemada na maca, perde a autoestima e o desejo de retomar a vida dentro da lei. Quando isso acontece ao homem, quem sofre é a família, que se desestrutura e compromete o futuro dos filhos.
Além de desenvolver agendas para a saúde e para a família, a Frente em Defesa dos Direitos Humanos das Mulheres terá grandes desafios no Congresso Nacional. Vamos lutar para termos mais vez e voz nas casas de leis. Na Câmara Federal, por exemplo, buscaremos apoio para a aprovação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 98/2015, que assegura a ampliação da participação feminina nas câmaras de vereadores, nas assembleias legislativas e na Câmara dos Deputados. A proposta, que garante a reserva escalonada de 10%, 12% e 16% das cadeiras em eleições futuras, foi aprovada em dois turnos pelo Senado e agora depende da apreciação de deputados e deputadas.
Esse texto é uma questão de honra para a bancada feminina da Câmara. Em 2015, proposta semelhante foi rejeitada na Casa, em uma votação que ignorou nossa própria existência, uma vez que somos 52 deputadas – o equivalente a pouco mais de 10% dos 513 representantes eleitos pelo povo – e fomos vencidas pela cultura machista e patriarcal.
Outra PEC que aumentará nossa participação nas decisões da Câmara é a 590/2006, apresentada pela deputada Luiza Erundina (PSB-SP). A proposta assegura a participação de pelo menos uma mulher na composição das mesas diretoras e comissões do Congresso Nacional, da Câmara dos Deputados e do Senado Federal. O texto foi aprovado pelo plenário da Câmara, mas aguarda apreciação do Senado há um ano.
Essas e outras mudanças na Constituição Federal são essenciais para corrigirmos o anacronismo que permeia a legislação brasileira, ainda com fortes traços da cultura patriarcal. Além disso, criarão condições para que assumamos lideranças de bancadas, cheguemos à Presidência da Câmara e do Senado, dando ao Congresso Nacional a sensibilidade e o empreendedorismo que nós reconhecidamente temos.
A violência contra a mulher, por exemplo, é uma das consequências dessa visão cultural ultrapassada. Embora a Lei Maria da Penha (11.340/2006) tenha reduzido em cerca de 10% a taxa de homicídios domiciliares contra as mulheres, os números ainda são alarmantes e mostram que estamos muito longe do pensamento igualitário que buscamos.
De acordo com o Mapa da Violência 2015: Homicídio de Mulheres, foram assassinadas mais de 106 mil mulheres, entre 1980 e 2013, sendo 4.762 só em 2013. As mortes, nesse último ano do estudo, representam média de treze mulheres assassinadas por dia.
Apesar dos avanços que conquistamos nas últimas décadas e da distribuição de renda promovida a partir do governo Lula, negros continuam sendo maioria nas periferias e as mulheres negras, consequentemente, têm sido as maiores vítimas da violência doméstica. Entre 2003 e 2013, a taxa de homicídios de mulheres negras no Brasil aumentou 19,5%, enquanto a taxa de homicídios contra mulheres brancas caiu 11,9%.
É muita coisa para um país com tantos avanços civilizatórios, onde mulheres comandam grandes empresas, elaboram leis, governam municípios e estados e, em 2011, comemoraram a posse da primeira presidenta da República da história. Para se ter uma ideia da dimensão da eleição de Dilma Rousseff, países mais desenvolvidos como os Estados Unidos ainda não elegeram uma mulher para o cargo executivo mais importante do país.
Ainda teremos de esperar alguns anos para colher os resultados da Lei do Feminicídio (13.104/2015), em vigor há um ano, mas não podemos cessar nossos esforços para coibir essa prática hedionda, em que a mulher é assassinada pelo simples fato de ser mulher. Precisamos dar mais garantias legais às mulheres, oferecer subsídios para o enfrentamento, desenvolver mais ações de conscientização e investir na criação de mecanismos de amparo às vítimas de violência, como a Casa da Mulher Brasileira, presente em Brasília (DF) e em Campo Grande (MS) e com unidades em construção em São Paulo e outras capitais do país.
O sofrimento da dona de casa tradicional, a instabilidade da mulher moderna e o incômodo de sermos ignoradas como população economicamente ativa, detentora de direitos, refém de um contrato social insano e impossível de ser honrado, são as principais justificativas para o surgimento desse movimento nacional em defesa dos direitos humanos das mulheres.
A frente parlamentar representa os anseios de 103,5 milhões de mulheres. Somos mais da metade da população brasileira. Buscamos o tratamento igualitário na concretização dos direitos materializados na Constituição e o fim de uma cultura que tem perpetuado a desigualdade entre nós.
Ana Perugini é deputada federal (PT-SP), coordenadora-geral da Frente Parlamentar Mista em Defesa dos Direitos Humanos das Mulheres. É também responsável pelas frentes parlamentares em Defesa da Implantação do Plano Nacional de Educação (PNE) e de Promoção e Defesa da Criança e do Adolescente em São Paulo e integrante das comissões de Educação, Licitações, Minas e Energia e da Crise Hídrica na Câmara dos Deputados