Não podemos achar que a solução para o esgotamento do sistema político virá de um Congresso carente de representatividade, protagonista da ruptura democrática
Não podemos achar que a solução para o esgotamento do sistema político virá de um Congresso carente de representatividade, protagonista da ruptura democrática
Um novo Estado nacional, inclusivo, democrático, solidário e soberano somente poderá emergir a partir de um novo e pujante processo de organização e mobilização da sociedade brasileira, que temos o dever e a obrigação de protagonizar
As propostas são incapazes de reduzir a interferência do poder econômico na política. Foto: Nelson Jr./ASICS/TSE
Há muito tempo o sistema político brasileiro dá sinais de esgotamento. A ausência de reformas estruturais capazes de responder aos anseios da maioria da população brasileira, as Jornadas de Junho de 2013 e a falta de respostas concretas da sociedade política e a grave crise institucional na qual estamos imersos desde o término das eleições de 2014 são sintomas nítidos do esgotamento de um sistema político edificado sobre o poder econômico e extremamente suscetível à corrupção.
Entretanto, o sistema político existente não é apenas produtor de distorções, pois é também o produto da luta de classes em determinado estágio da nossa história. A chamada Constituição Cidadã, a partir da qual se edifica a Nova República, é resultado da luta contra a ditadura civil-militar, pelas eleições diretas e por direitos políticos e sociais.
Ressaltar isso é importante para percebermos que a crise de representatividade que afeta o nosso sistema político, agravada pelo golpe de Estado consumado no Congresso Nacional e perceptível no elevado índice de abstenção dos eleitores no primeiro turno das eleições municipais de 2016, não está associada somente ao esgotamento do sistema político. Também está vinculada ao esgotamento de um projeto de desenvolvimento nacional norteado pela política de conciliação de classes, que foi capaz de ampliar direitos e o poder de compra dos mais pobres sem reestruturar o Estado em um período de crescimento econômico, mas que se revelou incapaz, no Brasil e em diversos lugares do planeta, de assegurar os direitos conquistados após a eclosão da crise econômica internacional.
Aliás, não podemos analisar a conjuntura brasileira sem mencionar o contexto global, caracterizado pela desumana financeirização da economia, pela sobreposição do poder dos Estados nacionais pelo poder das corporações transnacionais, pelo déficit de democracia, pelo neoimperialismo, o terrorismo e as novas diásporas. A crise brasileira está inserida em uma crise civilizatória global, que ficou evidente a partir do recente colapso da economia internacional. Não por acaso testemunhamos o irromper da Primavera Árabe, dos Indignados e do Occupy Wall Street.
Se o diagnóstico revela uma grave doença da civilização e da democracia burguesa, bem como o esgotamento do nosso sistema político e de um projeto de desenvolvimento nacional, não podemos achar que a solução virá de um Congresso carente de representatividade, protagonista da ruptura democrática, que por diversas vezes se revelou incapaz de se autorreformar.
Dito isso, faz-se importante destacar que a proposta de reforma política em tramitação no Congresso Nacional tem aspectos positivos, mas é insuficiente para sanar o déficit de representatividade do nosso sistema político.
A PEC 36/2016 pretende vedar as coligações nas eleições proporcionais; criar uma cláusula de barreira que impeça a proliferação de partidos sem representatividade e sem plataforma política; fortalecer o estatuto da fidelidade partidária; e regulamentar o estatuto da federação partidária. A PEC 113-A/2015, por sua vez, que tramita em conjunto com a PEC 36/2016, pretende acabar com a reeleição nas eleições majoritárias; reduzir o número de assinaturas necessárias à apresentação de projetos de lei de iniciativa popular; e dispor sobre a elegibilidade de policiais e bombeiros militares.
Em princípio, são propostas que vêm no sentido de fortalecer os partidos políticos e seus respectivos programas; estimular a renovação de presidente, governadores e prefeitos a cada eleição; e de facilitar a apresentação de projetos de lei de iniciativa popular. Entretanto, são propostas incapazes de reduzir significativamente a interferência do poder econômico na política e de ampliar a participação popular nos grandes temas de interesse nacional.
Hoje, por exemplo, o modelo de desenvolvimento do Estado brasileiro está sendo completamente reformulado. A PEC 241/2016 pretende congelar o crescimento real dos gastos públicos durante duas décadas, afetando a oferta de serviços públicos fundamentais, mas a população brasileira não tem o direito de opinar, de escolher o caminho a ser trilhado para o enfrentamento da crise econômica.
Não resta dúvida, portanto, que o esgotamento do nosso sistema político está associado ao atual estágio da luta de classes e ao esgotamento de um projeto de desenvolvimento nacional, e que o caminho para a reconstrução do sistema político e para as necessárias reformas do Estado é a luta popular. Um novo Estado nacional – inclusivo, democrático, solidário e soberano – somente poderá emergir a partir de um novo e pujante processo de organização e mobilização da sociedade brasileira, que temos o dever e a obrigação de protagonizar.
Fátima Bezerra é senadora pelo PT-RN