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A aprovação da PEC 55 congela os gastos em políticas sociais e desmonta a estrutura de financiamento para os diversos níveis da educação prevista na legislação

O Plano Nacional da Educação aprovado pelo Congresso que prevê o aumento de alunos matriculados no ensino superior em 40% nas universidades públicas até 2024 está ameaçado porque o investimento está inibido pelo congelamento de gastos da PEC

Pelo Plano Nacional de Educação, as universidades públicas deverão ampliar suas matrículas em 150% até 2024. (Foto: Isa Lima/Agência UnB)

Uma grande conquista do povo brasileiro com o processo de redemocratização na década de 1980 foi a Constituição instituir níveis obrigatórios de investimentos em educação. A Constituição Federal de 1988, em seu art. 212, estabeleceu para os três níveis de governo um limite mínimo de investimentos a serem efetuados com a educação (manutenção e desenvolvimento do ensino) em relação às suas receitas líquidas de impostos e transferências: 18% para a União e 25% para os governos estaduais e municipais.

Essas definições contribuíram muito para evitar distorções encontradas nas prestações de contas da educação, nas quais era comum encontrarem-se discriminadas obras de infraestrutura, festas populares, atividades inerentes à assistência social e pessoal desviado das funções da educação alocados em outras secretarias e custeados com recursos da área.

A essa definição da Constituição e da Lei de Diretrizes e Base (LDB) sobre o que é a manutenção e desenvolvimento do ensino, ampliando muito as obrigações do Estado e os direitos sociais, são somadas a Lei do Fundeb, a PEC 59/2009, a Lei do Piso Salarial Nacional (Brasil, 2013d), todas iniciativas do governo Lula. É importante ressaltar que essas três leis são posteriores à Lei de Responsabilidade Social (LRF), de 2000 (Brasil, 2013c), e se situam em uma conjuntura política, econômica e social bem distinta da correlação de forças da década de 1990, que foi marcada pela preocupação com a limitação dos gastos do Estado e o compromisso do pagamento das dívidas dos entes federados. Os governos Lula e Dilma foram no sentido oposto, de investimentos em políticas sociais e protagonismo do Estado no desenvolvimento social e econômico. A aprovação da PEC 55 pelo governo Temer congela os gastos em políticas sociais, mas não o pagamento dos juros da dívida pública para o sistema financeiro, expressando o retorno de uma correlação de forças favoráveis ao neoliberalismo que destrói todas as conquistas desde a Constituição de 1988.

Além da Lei do Fundeb, da PEC 59/2009 e da Lei do Piso, a criação do Plano de Ações Articuladas (PAR) pelo MEC para operacionalizar o Plano de Metas Compromisso Todos pela Educação em 2007, chamado “PAC da Educação”, significou mais um aporte de recursos pelo Fundo Nacional para o Desenvolvimento da Educação (FNDE) para estados e municípios (Brasil, 2013b). Os recursos foram direcionados para estados e municípios que não atingiam um desempenho favorável em quatro dimensões trabalhadas pelo PAR: 1. gestão educacional; 2. formação de professores e dos profissionais de serviço e apoio escolar; 3. práticas pedagógicas e avaliação; 4. infraestrutura física e recursos pedagógicos (Brasil, 2013b).

Por essas razões, que proporcionaram maior destinação de recursos para todos os níveis de ensino, houve uma evolução dos investimentos em educação no Brasil (Brasil, 2013a), embora esse aumento do investimento, que deveria atingir 10% do PIB em 2024 pelo Plano Nacional de Educação (PNE), já encontrasse um obstáculo no limite de gastos com pessoal pela Lei de Responsabilidade Fiscal, pois historicamente em educação os gastos com pessoal são superiores a 70%, bem acima do teto estipulado pela LRF.

A manutenção desse conflito institucional poderia acarretar o não cumprimento de uma dessas leis: a LRF, a Lei do Fundeb ou até mesmo o dispositivo constitucional que estipula 25% dos recursos orçamentários de estados e municípios para educação, e houve diversos pronunciamentos de lideranças do movimento municipalista reivindicando mudanças na LRF. Como resposta, o governo Dilma Rousseff apontou que a nova conjuntura das políticas públicas, em especial da educação, exige uma revisão da legislação. Em reunião do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (CDES) em 22 de agosto de 2013, a ministra da Casa Civil, Gleisi Hoffmann, reconheceu que “o país precisa rediscutir os limites rígidos de gastos de custeio quando o assunto é educação. Pagar professores e comprar livros didáticos devem ser vistos não como gastos, mas como um investimento no futuro do país” (Carta Maior, 2013).

A educação superior e a ciência

Entre 2003 e 2014 foram criadas 18 novas universidades federais no país. Os diferentes períodos de crescimento da rede federal e de estagnação indicam que os momentos de maior expansão foram no governo de Juscelino Kubitschek, na ditadura militar e nos governos Lula e Dilma, sendo que devemos creditar ao período de Vargas a estruturação do sistema federal de ensino superior (Brasil, 2015a).

O orçamento do Ministério da Educação foi incrementado no último período dos governos Lula e Dilma, assim como o destinado especificamente para as universidades federais (Brasil, 2015a). Utilizamos os dados do Ministério da Educação em Camargo (2014) e do documento “Análise da Expansão das Universidades Federais” (Brasil, 2015a) para termos o financiamento das universidades federais pelo MEC. O financiamento das universidades federais pelo MEC, em bilhões de reais por ano, era em 2003, em valores nominais, R$ 6,4 bilhões e, em valores reais, R$ 10,3 bilhões; em 2012, os valores já eram de R$ 25,9 bilhões.

Fizemos o cruzamento dos dados de financiamento das universidades federais com o número de alunos no período, e a razão entre investimentos das IFES e número de matrículas nos indica que não houve precarização das instituições. No sentido inverso, os dados nos indicaram que o valor de investimento per capita aumentou, passando, em termos corrigidos pelo IPCA, de R$ 19.517 em 2003 para R$ 25.222 em 2013. Ou seja, todos os valores foram atualizados pelo índice que mede a inflação e assim percebemos em valores de 2013 quanto foi o investimento em cada um dos anos anteriores. Utilizamos os dados de número de alunos de 2003 a 2011 do documento “Análise sobre a Expansão das Universidades Federais: 2003 a 2012. Relatório da Comissão Constituída pela Portaria nº 126/2012” (Brasil, 2015 b); os dados de matrículas de 2012 foram retirados do Censo Inep (Brasil, 2012) e os dados de matrícula de 2013 também foram acessados pelo Censo Inep (Brasil, 2013). O investimento per capita aumentou ao longo dos anos, com um investimento orçamentário em crescimento exponencial para garantir um crescimento linear no número de vagas.

Outro ponto muito discutido nas avaliações do Reuni, a suspeita de que haveria uma sobrecarga de trabalho docente. Se avaliarmos a relação professor/aluno, entretanto, ela permanece estável durante todo o período apontado. Segundo dados sobre o crescimento do número de docentes nas IFES (Brasil, 2015 b), tínhamos 40.523 docentes efetivos em 2003 e 75.279 em 2014. Ao dividirmos o número de alunos pelo número de professores ano a ano, encontramos essa estabilidade. Em 2003, a relação aluno/professor foi de 13,02 alunos por professor, e em 2013, 15,61.

Apesar desse crescimento até 2014, ao analisar a meta 12 do Plano Nacional de Educação (PNE) percebemos a necessidade de uma continuidade desse crescimento do financiamento. A meta 12 estabelece:

Elevar a taxa bruta de matrícula na educação superior para 50% (cinquenta por cento) e a taxa líquida para 33% (trinta e três por cento) da população de 18 (dezoito) a 24 (vinte e quatro) anos, assegurada a qualidade da oferta e expansão para, pelo menos, 40% (quarenta por cento) das novas matrículas, no segmento público (Brasil, 2014).

O objetivo de ter 40% das novas matrículas no segmento público gerará uma necessidade de expansão maior do que a proporcionada pelo Reuni. A taxa líquida de escolaridade superior em 2013 foi de 18%, o que significa 7.526.681 de matriculados em todos os estabelecimentos de ensino. A taxa líquida de escolaridade superior em 2024 terá que ser de 33%, o que significará 13.798.916 de matriculados se considerarmos a população atual, para efeito de simulação (faremos assim por não encontrarmos um parâmetro de evolução demográfica). Isso demandará um aumento de matrículas de 6.272.235 jovens, sendo que o setor público deve ter um aumento de 2.508.894, que é 40% desse total. Hoje o setor público chega a 1 milhão de alunos, então ele terá que ter um aumento de 150% até 2024.

A proposta do PNE para o período de 2014 a 2024, aprovada no Congresso, instituiu um novo patamar de investimento público em educação que agora se tornou inócuo com a aprovação da PEC 55 de congelamento de gastos em políticas sociais. Foi aprovada a garantia de reserva de recursos governamentais para a educação no valor referente a 10% do PIB nacional, a ser investido pelas três esferas de governo, mas isso hoje foi inviabilizado. Houve no Senado também o adendo feito pelo relator do PNE para reservar 75% de todos os recursos oriundos de royalties do petróleo, a partir da promulgação do PNE, para a educação. Esses novos marcos institucionais apontavam que o patamar de 10% do PIB para a educação significaria um aumento de 60% dos recursos atuais para a educação básica e superior. A conjugação das políticas educacionais atuais com o PNE significaria um patamar inédito de investimentos educacionais. Com maior destinação de recursos para todos os níveis de ensino, houve uma evolução dos gastos em educação no Brasil. Os dados do Instituto Nacional de Pesquisas Econômicas Aplicadas (Ipea) e do Inep indicam um crescimento de 4,7% para 6,1% do PIB entre 2000 e 2011, série que deve ser revertida em declínio dos próximos vinte anos.

O déficit fiscal, o pagamento dos juros da dívida pública e a retomada da economia

O principal argumento para o congelamento dos investimentos em políticas sociais para a aprovação da PEC do limite de gastos foi que o Brasil era deficitário e precisava equilibrar suas contas públicas. Isso é fantasioso, pois todos os países do mundo apresentam déficit fiscal para retomar o crescimento da economia, esse é um princípio vigente desde a Grande Depressão de 1929 e do New Deal formulado por Keynes. O Estado deve investir mais para estimular a economia, pois o mercado é incapaz disso.

Segundo dados do Banco Mundial, em 2015 o Brasil teve um déficit de 0,9%, mas os Estados Unidos tiveram 2,5%; o Chile teve 1,6%; a Austrália, 3,1%; o Japão, 7,7%; a Índia, 4,5%; a África do Sul, 2,8%; a Argentina, 3,5%; e a China 2,1%. Sejam países capitalistas centrais, países em crescimento acelerado ou países sul-americanos, o déficit fiscal bem acima do patamar brasileiro foi uma constante, com cada estado promovendo o reaquecimento de sua economia. Por que o Brasil tem que ser diferente e destruir suas políticas sociais?

Ao lado dessa constatação, precisamos fazer um exame detalhado dos gastos do Estado brasileiro em juros e amortizações da dívida. Nós gastamos por volta de 45% de todas as receitas do país com essa finalidade, o que torna o Brasil um paraíso para a especulação financeira fácil e de ganhos rentistas garantidos. Temos uma taxa média de juros selic que é uma das maiores do mundo e enfrentamos ainda a falta de transparência na dívida, que deveria passar por uma auditoria pública, a exemplo do que o Equador fez para conseguir diminuir a do país em dois terços. Junte-se a essa situação o fato de que os juros de mercado no Brasil (de cheque especial a cartões de crédito) são muito mais altos do que o que se pratica no resto do mundo, desestimulando a produção, impedindo o crescimento real da economia e sugando recursos que deveriam estar sendo empregados em políticas sociais e obras de infraestrutura.

Referências

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_________. Ministério da Educação. PAR – Plano de Ações Articuladas. Disponível em: http://simec.mec.gov.br/cte/relatoriopublico/principal.php. Acesso em: 1 set. 2013

__________. República Federativa do Brasil. Presidência da República, Casa Civil. Sub-secretaria de Assuntos Jurídicos. Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/lcp101.htm. Acesso em: 1 set. 2013c

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___________. Ministério da Educação, Secretaria de Ensino Superior. A Democratização e Expansão da Educação Superior no País: 2003-2014. Balanço Social 2003-2014, Brasília, 2015 a. Disponível em: file:///C:/Users/Penildon/Downloads/balanco_social_sesu_2003_2014%20(1).pdf. Acesso em: 2 jul. 2015

___________. Ministério da Educação. Análise sobre a Expansão das Universidades Federais: 2003 a 2012. Relatório da Comissão Constituída pela Portaria nº 126/2012, Brasília, 2015 b. Disponível em: file:///C:/Users/Penildon/Downloads/analise_expansao_universidade_federais_2003_2012%20(2).pdf. Acesso em: 4 ago 2015

___________. Ministério da Educação, Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais – Inep. Resultados do Censo da Educação Superior 2012. Tabela Disponível em: www.inep.gov.br/informacoes_estatisticas/indicadores_educacionais/2014/apresentacao_efa_29012014.pdf. Acesso em: 9. ago. 2014

CAMARGO, Murilo Silva de. A evolução dos indicadores da educação superior brasileira no período 2003 a 2013: dados e resultados das políticas públicas implementadas. XIV Colóquio Internacional de Gestão Universitária – CIGU: A Gestão do Conhecimento e os Novos Modelos de Universidade. Florianópolis, 2014.

DA REDAÇÃO. "Governo quer mexer na Lei de Responsabilidade Fiscal'. Carta Maior. Disponível em: http://www.cartamaior.com.br/?/Editoria/Politica/Governo-quer-mexer-na-Lei-de-Responsabilidade-Fiscal/4/28429. Acesso em: 30 mar. 2014

Penildon Silva Filho é professor da UFBA e doutor em educação, integra o Conselho Curador da Fundação Perseu Abramo (e-mail:[email protected])