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A reforma pretendida pelo governo Temer prejudica a população e beneficia o sistema financeiro. É um ataque aos direitos dos aposentados e dos trabalhadores

A CPI, instalada com amplo apoio da sociedade, quer investigar o estado das desonerações, dos débitos e dos desvios no sistema para estabelecer o verdadeiro quadro das finanças na Previdência e esclarecer o discurso do rombo orçamentário propagado pelos governistas para justificar a retirada de direitos

Mais de R$ 46 bilhões em contribuições trabalhistas não foram arrecadados pelas empresas

Mais de R$ 46 bilhões em contribuições trabalhistas não foram arrecadados pelas empresas. (Foto: Gustavo Roth/Folhapress)

 

O sistema previdenciário (INSS) paga 33,7 milhões de benefícios: 10,1 milhões de aposentadorias por idade; 3,2 milhões por invalidez; 5,7 milhões por tempo de contribuição; 7,5 milhões por pensão por morte; 1,5 milhão por auxílio-doença; 4,5 milhões de aposentadorias BPC (idosos e pessoas com deficiência carente); entre outros. São cerca de 24 milhões de aposentadorias urbanas e 9 milhões de aposentadorias rurais.

Estudioso do assunto, o auditor fiscal Álvaro Solón afirmou alguns anos atrás que “a Previdência pública brasileira é o maior sistema de redistribuição de renda do mundo. Não existe um sistema público de Previdência fundado no sistema de repartição em lugar nenhum da Terra que tenha esse efeito redistributivo”.

A reforma da Previdência do governo Temer prevê que homens e mulheres tenham idade mínima de 65 anos e 49 anos de contribuição para ter aposentadoria integral. Ou seja, quase na hora da morte. Esquece que as diferenças de gênero são gigantescas. Outros pontos: proibição de acumulação de pensão com aposentadoria; fim da aposentadoria especial para professores e policiais civis; elevação da idade para 70 anos para o Benefício de Prestação Continuada (BPC).

A reforma vai atingir a economia dos municípios. Em 70% deles, o valor dos repasses aos aposentados e demais beneficiários supera o repasse do Fundo de Participação dos Municípios. Mais ainda, em 82% do total, os pagamentos aos beneficiários do INSS superam a arrecadação municipal. É com o pagamento aos aposentados que a economia e o comércio dessas cidades giram.

O leque de maldades dessa reforma é enorme. Um ataque frontal aos direitos sociais dos aposentados, dos trabalhadores e daqueles que se preparam para entrar no mercado de trabalho.

A reforma é justamente para beneficiar o sistema financeiro. A estratégia é desmoralizar a Previdência pública para fortalecer a Previdência privada. E o caminho utilizado é a apresentação de números indicando rombos catastróficos.

Há estudos comprovando a contrariedade dos argumentos do governo. Um deles é o da Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil. Vejamos: saldo positivo de R$ 59,9 bi em 2006; R$ 72,6 bi em 2007; R$ 64,3 bi em 2008; R$ 32,7 bi em 2009; R$ 53,8 bi em 2010; R$ 75,7 bi em 2011; R$ 82,7 bi em 2012; R$ 76,2 bi em 2013; R$ 53,9 bi em 2014; R$ 24 bi em 2015. Nada de déficit.

Para agravar ainda mais a situação, o Congresso prorrogou a DRU até o ano de 2023 e ampliou de 20% para 30% o percentual que o governo pode retirar da Seguridade Social. Isso significa a saída de R$ 120 bilhões por ano da Seguridade.

A reforma da Previdência é um dos maiores crimes cometidos contra o povo brasileiro. Não há nenhuma necessidade de realizá-la. Foi pensando nesse cenário, capitaneado pelo governo federal e pelos entreguistas nacionais, que fomos à luta com o objeto de criar uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar a realidade do caixa da Previdência Social.

O primeiro passo foi dado no dia 19 de janeiro, no meu gabinete, em Brasília, em reunião com a Confederação Brasileira de Aposentados, Pensionistas e Idosos (Cobap) e com o Movimento Nacional dos Servidores Públicos Aposentados e Pensionistas (Mosap).

A ideia foi ao encontro do que ouvimos durante os anos 2015 e 2016, nas nossas andanças pelos 26 estados realizando audiências públicas com as sociedades locais sobre as reformas previdenciária e trabalhista, terceirização, negociado acima do legislado, trabalho escravo, entre outros ataques à CLT e à Constituição Cidadã. Tínhamos, portanto, uma convergência da necessidade de uma CPI.

Vale destacar que uma enquete realizada pelo DataSenado indicou que 93% dos internautas entrevistados eram favoráveis à CPI da Previdência. A maioria (87%) também acreditava que a CPI auxiliaria no debate da reforma previdenciária. Outro parâmetro foram as redes sociais. As mensagens que nos chegavam eram de total apoio. Já tínhamos aí uma noção de que a sociedade brasileira clamava pela CPI.
Acompanhados de representantes dos movimentos sociais, protocolamos no dia 21 de março, na Secretaria Geral da Mesa do Senado Federal, o pedido para a instalação da CPI com a assinatura de 62 senadores. Fato inédito. Eram necessárias 27 assinaturas. No dia 26 de abril, uma quarta-feira, com o apoio da população e de todos os partidos, a comissão foi instalada.

Ela tem um prazo de 120 dias para a realização dos seus trabalhos, prorrogáveis por igual período, e é integrada por 7 membros titulares e 7 suplentes. O meu nome foi escolhido para presidir, sendo o senador Telmário Mota o vice, e o senador Hélio José o relator.

Até o momento já ouvimos várias entidades e especialistas. Segundo o presidente do Sindicato Nacional dos Procuradores da Fazenda Nacional, Achiles Frias, a dívida ativa da União já alcança, hoje, mais de R$ 1,8 trilhão, dos quais mais de R$ 500 bilhões são de dívidas relativas à Previdência. Somente o Grupo JBS deve cerca de R$ 2,3 bilhões. “Há um interesse claro de paralisar a Procuradoria, privatizar a dívida por meio de securitização e vendê-la para os bancos, em sua maioria grandes devedores. Os bancos devem hoje cerca de R$ 100 bi.”

Já o presidente do Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho, Carlos Fernando da Silva Filho, informa que, somente em 2015, mais de R$ 46 bilhões em contribuições previdenciárias dos trabalhadores deixaram de ser pagos pelas empresas à União. O valor que os empregadores deixaram de pagar entre 2012 e 2015 soma, segundo o auditor, mais de R$ 108 bilhões. “O governo federal não prioriza a fiscalização dessas contribuições, o que gera um volume alarmante de tributos não recolhidos, com dívida reconhecida pelo sonegador e não inscrita em dívida ativa.”

O objetivo da CPI é a verdade. Esclarecer as receitas e as despesas, os desvios, desonerações, desvinculações e sonegações. O Brasil tem o direito de saber o que está dentro dessa verdadeira caixa-preta. E, de uma vez por todas, dizer ao país inteiro que a reforma da Previdência é desnecessária.

Paulo Paim é senador do PT/RS e presidente da CPI da Previdência