Sociedade

Uma universidade, que nasceu popular e foi construída em um dos bairros mais populares da cidade, ganha vida ao envolver-se culturalmente com a população

Até os números podem ajudar a defender a Uerj do sucateamento a que os governos querem submetê-la. A universidade ocupa é a quinta entre as 23 melhores universidades brasileiras, é na 11ª mais bem posicionada da América Latina. Os dados são favoráveis não só à permanência da Uerj pública e gratuita, mas também ao incremento de mais recursos, a fim de melhorar ainda mais a qualidade dos serviços à população, mas a partir do golpe em 2016 aumentou o ataque à universidade, com a justificativa falaciosa da falta de recursos

A comunidade da Uerj acompanhou o ritmo de crescimento na última década. Foto:DCE/UERJ

 


A Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) tem 67 anos de existência dedicados à população. A Uerj é filha das lutas do povo brasileiro. No ano em que Getúlio voltava “nos braços do povo”, o presidente Eurico Dutra, ex-ministro da Guerra de Vargas, criava, em 4 de dezembro de 1950, a Universidade do Distrito Federal (UDF). Naquele tempo, o Rio de Janeiro era a capital da República. Ao longo dos anos, e das incessantes quedas de braço com os governos, a universidade também se modificava, acompanhando o ritmo das mudanças políticas, sociais e econômicas. Com a transferência da capital para Brasília, a UDF foi rebatizada Universidade do Estado da Guanabara (UEG), sob o governo do antigetulista Carlos Lacerda. Erguida sobre a Favela do Esqueleto, somente em 1975, a partir da fusão da Faculdade de Ciências Econômicas do Rio de Janeiro, da Faculdade de Direito do Rio de Janeiro, da Faculdade de Filosofia do Instituto La-Fayette e da Faculdade de Ciências Médicas, passou a chamar-se Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Uerj.

O presente artigo pretende ser uma defesa da Uerj como patrimônio da população do estado do Rio de Janeiro. Apresentamos, para tanto, um pequeno raio X da universidade, a fim de reafirmar, em linhas gerais, sua relevância social, técnica e científica. Em seguida, fizemos uma análise da perversidade do governo estadual pós-golpe, que montou um cenário falacioso de crise fiscal e financeira, invertendo as prioridades de destinação de recursos. O governo elegeu a universidade como inimiga principal, abrigado atrás do escudo de “lei” e da propaganda.

A Constituição de 1988, em seu artigo 207, outorgou à universidade pública a sua maior conquista: a autonomia universitária. Poucos administradores tiveram vontade ou determinação para fazer valer o que [ainda] diz a Constituição Federal. Ela conferiu poderes para a universidade definir e executar seus planos e adotar as medidas necessárias para o pleno funcionamento, dentro dos parâmetros legais.

Entre os anos de 2003 e 2016, as universidades tiveram sua autonomia respeitada, o que representou uma alavancada jamais vista nos anos anteriores. Como exemplo, pode-se citar a definição de um plano de carreira único, um para docentes e outro para os técnico-administrativos.

O maior patrimônio da universidade pública são seus trabalhadores, estudantes e a população, chamada pejorativamente de “usuária”. Sem essas personagens principais, nada aconteceria na universidade. A existência de uma instituição de ensino está condicionada pela presença dessas categorias. São as pessoas que fazem o espaço público em toda sua essência.

A Uerj é, em números, maior do que muitos municípios brasileiros. A comunidade interna acompanhou o ritmo de crescimento brasileiro na última década. Entre 2006 e 2016, o número de estudantes na graduação presencial cresceu de 20.776 para 26.672. Dentre os fatores que mais contribuíram para esse aumento, destacam-se a qualidade do ensino oferecido e a política de cotas conquistada pela população carente.

A atuação do movimento organizado na universidade foi responsável por contribuir para o crescimento de seus trabalhadores. Nos últimos anos, na contramão das medidas neoliberais, os sindicatos conquistaram, por ação no Ministério Público, a exigência de realização de concursos públicos, o que representou uma melhoria inquestionável dos quadros técnicos e docentes da universidade. Afastando-se o fantasma da precarização das relações de trabalho, o concurso trouxe oxigênio à universidade e diminuiu a utilização da “mão de obra” barata dos professores substitutos e contratos administrativos.

Dos cerca de 770 substitutos, o movimento organizado fez baixar para 102. O número de docentes efetivos aumentou de 2.221 para 2.918. Na categoria dos técnico-administrativos, em 2016 eles somavam 4.954 (DataUerj/2016), uma melhoria em torno de 20% em relação ao decênio anterior. Deve-se a maior parte à força do Termo de Ajuste de Conduta (TAC) celebrado entre a administração e o MP, após denúncia fundamentada das organizações sindicais.

A sociedade como um todo só tem a ganhar com o crescimento da universidade. A população foi a mais favorecida com as mudanças qualitativas apresentadas. A Uerj possui mais de trinta unidades acadêmicas. Dentre elas, há aquelas com notório destaque: o Hospital Universitário Pedro Ernesto, cujos serviços por si mesmos mostram a necessidade dos financiamentos:

Dos 512 leitos disponíveis para internação, 47 são leitos de terapia intensiva adulta, seis de terapia intensiva infantil e 25 de terapia intensiva neonatal, o que possibilita a realização de mais de 1.000 internações por mês. São 21 salas para procedimentos cirúrgicos no Hupe e seis na PPC, com capacidade para realizar anualmente 12 mil cirurgias. A capacidade instalada nas duas unidades de saúde permite a realização de 1,2 milhão de exames, 42 mil tratamentos ambulatoriais em oncologia e 8 mil quimioterapias. Tudo isso permite ao hospital oferecer consultas, exames, procedimentos e procedimentos de ponta, como transplantes, diálise, oncologia, cardiovascular, neurocirurgia, reumatologia e hematologia, dentre outras – com destaque para realização de radioterapia, quimioterapia, cirurgias oncológicas, transplantes e cateterismo cardíaco, tratamentos que não podem ser interrompidos1.

O atendimento do Hospital Universitário Pedro Ernesto (Hupe), que também funciona como escola da prática de ensino, está diretamente associado à política de saúde do estado. As lutas por melhores condições de salário e trabalho têm se revelado as maiores aliadas da população, pois seu objetivo é impedir o sucateamento do espaço público e o esfacelamento dos serviços essenciais. Os movimentos associativos organizados internamente contribuíram para fiscalizar, inclusive, os abusos administrativos e a corrupção.

O reforço das políticas públicas para a educação básica está no investimento na escola. A Uerj possui uma das melhores escolas básicas do Estado, o Instituto de Aplicação Fernando Rodrigues da Silveira. O colégio é responsável por proporcionar aos estudantes da graduação campo de pesquisa e de prática acadêmica, o que permite um contínuo aumento na qualidade do trabalho acadêmico. A população é quem mais se favorece com o fortalecimento da universidade.

Para além do ensino, o tripé da universidade é completado por duas outras áreas sem as quais não é possível dar sequência ao trabalho em sala de aula: a pesquisa e a extensão. A primeira tem relevância inquestionável para a sociedade por gerar autonomia ao pensar acadêmico e construir conhecimento científico novo. É a partir da pesquisa que há novas descobertas em todos os campos do conhecimento humano. De acordo com Faria (1981), “a instituição própria para atividades científicas é, sem dúvida, a universidade, onde vivem os profissionais de todas as manifestações da ciência, e a ferramenta fundamental, não a única, é o cérebro do pesquisador com sua capacidade criativa”. Constantino Tsalis (1985 apud Ohira, 1998), a respeito das motivações em torno da pesquisa científica para a universidade e seu valor social, afirmaria: