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Os conflitos sociais pelo uso da água são freqüentes. O grande desafio das últimas décadas é como tratá-los, principalmente no cenário atual de escassez hídrica

Boa iniciativa na revitalização do São Francisco foi entre os anos de 2004 e 2014, com investimento de R$ 1,2 bilhão dos governos Lula e Dilma Rousseff. Hoje, o problema é que possíveis ações para tentar socorrer o rio estão submetidas a um programa de congelamento de gastos que impede a sua realização. Além do que nesse governo ganharam muita força setores conservadores da bancada ruralista ligados ao agronegócio nessa região

Correntina, a população prejudicada foi com a captação de água para irrigação promovida por uma empresa agrícola. Foto: Reprodução

O rio São Francisco percorre 2.830 quilômetros desde sua nascente até desaguar no mar. O Velho Chico atravessa cinco estados, desde Minas Gerais, passando pela Bahia, Sergipe, Alagoas e Pernambuco, 504 municípios e uma população de 18 milhões de pessoas em sua bacia, que vai da serra da Canastra, em Minas Gerais, até a sua foz, entre os estados de Sergipe e Alagoas.

Em 1º de dezembro último, realizamos um seminário no município sergipano de Propriá, atendendo a um requerimento de minha autoria na Comissão de Meio Ambiente da Câmara dos Deputados, para debater “A Bacia do Rio São Francisco e propostas para a sua revitalização”, que contou com a participação de várias entidades populares e sindicais, pescadores, trabalhadores do setor elétrico, representantes do Comitê da Bacia Hidrográfica do São Francisco, Secretaria Estadual de Meio Ambiente, da Frente Parlamentar Mista de Meio Ambiente, Segurança Alimentar e Comunidades Tradicionais da Assembleia Legislativa, presidida pela deputada estadual Ana Lúcia (PT), entre outros.

Segundo o engenheiro agrônomo Ailton Rocha, superintendente de Recursos Hídricos da Secretaria de Meio Ambiente e Recursos Hídricos do Estado de Sergipe – estudioso com vinte anos de dedicação a pesquisas sobre esse importante rio e que deu sua contribuição durante o seminário –, “os impactos provocados pela operação de reservatórios associadas a alguns fatores como o crescimento populacional; degradação da qualidade dos corpos d’água, mau gerenciamento dos recursos hídricos e a escassez de água promovem pressões sobre as bacias hidrográficas, ocasionando conflitos de dimensões ambiental, social, cultural e de política pública em toda a bacia hidrográfica do rio São Francisco. Os conflitos sociais pelo uso da água são frequentes e o grande desafio das últimas décadas é como tratá-los, principalmente no cenário atual de escassez hídrica. Esses conflitos envolvem a agricultura irrigada, a geração de energia hidroelétrica, o atendimento ao abastecimento humano, a navegação, a diluição de efluentes urbanos, industriais e da mineração e a manutenção dos ecossistemas”.

Como pudemos observar nos estudos realizados e nas discussões ocorridas no seminário, em Propriá, quase 80% da água retirada do São Francisco é utilizado para irrigação e 48% da área de sua bacia se encontra desmatada.

É necessário que se observe que 95% do potencial hídrico da bacia desse rio são formados por uma espécie de grande caixa d’água localizada no Alto e Médio São Francisco, nos estados de Minas Gerais e Bahia, com uma área de recarga que deveria ser protegida pela cobertura natural das florestas nativas, mas que está sendo submetida a enorme degradação em favor do agronegócio, que vêm desmatando a região para implantação de grandes projetos agrícolas e empresariais. Estudos da Embrapa já apontam para o risco de desertificação na região.

Podemos ver aí a falta de cuidados e a necessidade imediata da adoção de medidas para a resolução e prevenção dos problemas que afetam o rio São Francisco. É urgente a concretização de um planejamento e de uma ação de Estado que estabeleçam metas, regras e programas de fiscalização, para que junto com a sociedade possa ser promovida uma grande ação de revitalização do Velho Chico, nome dado àquele que é realmente o Rio da Integração Nacional.

Para isso, será necessário que a União invista de forma permanente num programa que garanta a curto, médio e longo prazo a utilização das águas de toda a bacia do São Francisco de forma sustentável.

Uma boa iniciativa na revitalização do São Francisco foi entre os anos de 2004 e 2014, com o investimento de R$ 1,2 bilhão feito pelos governos Lula e Dilma Rousseff. Hoje, o problema é que possíveis ações que venham a tentar socorrer o São Francisco estão submetidas a um programa de congelamento de gastos que impede a sua realização. Sem falar que nesse governo ganharam muita força setores conservadores da bancada ruralista ligados ao agronegócio nessa região.

O que se observa é que com a operação de reservatórios associada a alguns fatores, como o crescimento populacional; degradação da qualidade dos corpos d’água, mau gerenciamento dos recursos hídricos e a escassez de água, promovem pressões sobre as bacias hidrográficas, ocasionando conflitos de dimensões ambiental, social, cultural e de política pública, principalmente no cenário atual de escassez hídrica. Esses conflitos envolvem a grande agricultura irrigada, a geração de energia hidrelétrica, o atendimento ao abastecimento humano, a navegação, a diluição de efluentes urbanos, industriais e da mineração e a manutenção dos ecossistemas.

Um exemplo recente foi o que ocorreu em Correntina, na Bahia, onde a população prejudicada com a captação de água para irrigação promovida por uma empresa agrícola protestou na fazenda e realizou grandes manifestações com milhares de pessoas, em solidariedade aos protestos ocorridos.

Vários movimentos sociais, como o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), Via Campesina e entidades sindicais e pescadores, têm se posicionado sobre a situação do São Francisco, inclusive com apoio da Igreja Católica, das Pastorais e com participação dos bispos de toda a região, que em carta denunciam o uso predatório de suas águas e os conflitos daí resultantes.

Esse também será um tema a ser discutido no Fórum Alternativo Mundial da Água (Fama), que se reunirá em Brasília, em março de 2018, em contraposição ao fórum das corporações que se realizará no mesmo período.

No Fama vamos tratar da questão da água como um direito universal e não como mercadoria. No Congresso Nacional vamos trabalhar para que as bancadas de Minas Gerais e do Nordeste – estados envolvidos na luta pela revitalização do São Francisco – estabeleçam metas para sua revitalização. Nós acreditamos que somente com a participação da sociedade será possível promover ações que lancem luz sobre o problema que, sendo enfrentado de forma coletiva, comprometida e planejada, irá permitir a utilização da água como bem fundamental para a atual e as futuras gerações.

João Daniel é deputado federal pelo PT-SE e vice-líder da bancada do PT na Câmara dos Deputados