Política

Nosso foco deve ser construir comitês populares em todos os municípios, estendendo a direção do processo às organizações das Frentes Brasil Popular e Povo Sem Medo

Lula em reunião ampliada da Comissão Executiva Nacional do PT, em 25 de janeiro de 2018. Foto: Ricardo Stuckert

O julgamento do ex-presidente Lula no TRF-4 foi mais um capítulo do processo que tem por objetivo eliminar as resistências do povo brasileiro à perda de direitos e conquistas. A estratégia é impedir que Lula, sob o custo da democracia e da legalidade, venha a ser presidente do Brasil e reverta as reformas antipopulares de Temer e seus aliados.

O golpe de Estado, cuja primeira etapa foi o impeachment da presidenta Dilma, projeta-se agora contra a soberania popular, consagrada, até então, no direito inalienável da sociedade em escolher quem governa o país. Um direito reconquistado nas fortes manifestações pelas eleições diretas em 1984, com as quais o povo brasileiro enterrou a ditadura e levou os núcleos políticos dirigentes a selarem um pacto democrático, arranhado com desfaçatez nos anos presentes.

Diante da politização judiciária de hoje, é impossível não lembrar que a ditadura também teve seus tribunais instituídos como simulacro, apenas para condenarem inocentes, como o acórdão publicado pelo TRF-4 – mais uma vez em tempo “excepcional” –, que terá o peso e a medida de um ato institucional da ditadura civil e militar de 1964. O que sucedeu a isso foram cassações de parlamentares e ampliação do cerco à oposição. Embora seja protagonizada por atores distintos, a semelhança de conteúdos que consubstanciam a ação das instituições brasileiras naquele tempo nem tão distante do presente dá procedência às nossas maiores preocupações e exige atitude. A situação é gravíssima.

A jornada de resistência, construída no início do ano pelas organizações populares cientes do Estado de exceção que nos assombra, nos dá condições de resistir e seguir em frente a esta que será uma luta longa e intensa. Impedir as privatizações de empresas impulsionadoras do desenvolvimento nacional, tais como Eletrobras, Caixa, Correios e Petrobras, e barrar a nefasta reforma da Previdência se constituem em bandeiras concretas pelas quais devemos caminhar juntos. Bem como resistir em novas investidas que venham a desconstituir ainda mais a CLT, aumentando o emprego informal e precarizando as relações trabalhistas.

As expressões acima demonstram que o modelo de resistência para o período deve ser construído sob bandeiras populares. Contudo, pesa sobre o nosso campo político a necessidade de atualizarmos de maneira suficiente uma plataforma programática. A síntese dessa plataforma deve reunir a leitura da situação econômica, com ênfase na situação dramática vivida por grande parte da população, combinada com uma mensagem de esperança à Nação. A luta pela revogação das reformas antipopulares e pelo direito de Lula ser candidato é a base de uma necessária frente democrática, reunindo a esquerda e os setores comprometidos com a soberania popular.

Será em nome da esperança e do compromisso com a democracia que o Partido dos Trabalhadores deverá dispender o melhor de suas energias. Nosso foco deve ser a construção de comitês populares em todos os municípios, estendendo a direção do processo às organizações abrigadas nas frentes Brasil Popular e Povo sem Medo. Na tensionada conjuntura que vivemos, nenhuma organização política sozinha ou isolada terá chances de prosperar.

A nosso juízo, aquele capaz de mobilizar setores tão diversos da esquerda, de alimentar essa construção e produzir uma linha de ação que seja representativa deste campo, segue entre nós. Assim, qualquer tentativa do cerceamento de sua liberdade exigirá uma resposta enfática. Sem Lula, nós, mas, sobretudo o povo, perde o seu maior trunfo na luta contra o golpe e seus efeitos.

Para que não estejamos nós diante de um caminho que levará novamente 25 anos para ser percorrido, a custa de outra geração a ser cortejada pela resistência por “fora” da institucionalidade, para que outra geração de intelectuais não seja obrigada a abandonar o país, devemos tomar todas as providências possíveis para denunciar e resistir diante de atos de arbitrariedade que têm se avolumado contra Lula, pois eles começaram a dirigir-se também contra as lideranças do movimento social, tal como vimos após as manifestações realizadas em 23 e 24 de janeiro em Porto Alegre.

As conquistas do povo nunca foram alcançadas por atos de ofício, jamais foram conquistadas com o beneplácito daqueles que despacham nos grandes salões. Ainda sim, é preciso caracterizar o que se sucede na conjuntura para melhor intervir e alterar o rumo sombrio que se avizinha. A direita tomou a decisão de eliminar a resistência popular e para isto precisa tirar de cena seu maior líder. A democracia, para este setor, não é um princípio. Jogam-na no fundo dos porões para conquistar seus objetivos.

Francamente, na situação em que nos encontramos, não podemos prescindir de uma estratégia que chame cada coisa pelo seu nome, que assuma os riscos e as consequências de um padrão de disputa política muito distante de um clima de normalidade do funcionamento das instituições. A travessia do Rubicão já está feita: ou erguemos as nossas mais poderosas barreiras, com propostas de mudanças radicais no Brasil e de luta popular denunciando este golpe, ou o fim da linha será posto sobre nossas cabeças.

Maria do Rosário é deputada federal pelo PT-RS