Ao tratar da Lava Jato, o presente artigo busca não os desdobramentos da operação, mas suas origens, no artigo escrito em 2004 por Sérgio Moro em que exalta a operação Mãos Limpas, na Itália. A colaboração da Transparência Internacional foi fundamental para que a operação fosse realizada, assim como os movimentos de consolidação do sistema euro no país. Buscamos os fundamentos históricos de ambos os fenômenos no que Michel Foucault chamou de “grande encarceramento”, e os fundamentos filosóficos a partir do conceito de “sistema da crueldade”, de Friedrich Nietzsche. Trocam-se as “mãos limpas”, como o protótipo de muitos juízes, Pôncio Pilatos, pelos “pratos limpos”: com Lula, pratos limpos por causa da fome saciada; com Moro, por causa do aumento alarmante da miséria.
Desculpe a expressão, mas a referência é essa mesmo: a Lava Jato não é e não pode ser compreendida como um fenômeno isolado, mas como o desdobramento das intervenções das elites dirigentes transnacionais no sistema judiciário de um Estado-nação soberano, cujo protótipo foi a Operação Mãos Limpas ou mani pulite1. Nela podemos ver o genial Sérgio Moro vivenciando seu “momento na história contemporânea do Judiciário”. O “grande encarceramento” volta à baila, só a prisão dos “loucos e degenerados” pode trazer sanidade à Nação: “Dois anos após, 2.993 mandados de prisão haviam sido expedidos; 6.059 pessoas estavam sob investigação, incluindo 872 empresários, 1.978 administradores locais e 438 parlamentares, dos quais quatro haviam sido primeiros-ministros”, diz Moro em seu artigo de 2004, talvez já vislumbrando sonhos de grandeza.
Como bem mostrou Michel Foucault em suas investigações sobre a biopolítica, o primeiro “monstro humano” é o rei. Isso é um processo que se inicia na Reforma Protestante, mas pode ser visto nas tentativas, durante a Revolução Francesa, de dar bases legais à acusação a Luís XVI: como infringir uma pena a quem não fez parte do pacto social? O rei está fora do pacto, como enquadrá-lo? Segue toda uma discussão que, para não sermos acadêmicos como o genial Moro, prefiro ignorar olimpicamente. O marco histórico, mais concretamente, foi a acusação a Maria Antonieta de ser incestuosa. Toda uma literatura bizarra foi escrita em cima disso. Você tem no mesmo período o início dos romances de terror. O romance O Castelo dos Pirineus, ou seja, o castelo como lugar da civilidade, em meio à natureza selvagem (no alto de um penhasco), onde crimes macabros acontecem; tem também Jack, o Estripador; toda uma literatura popular ou produzida nos meios institucionais para caracterizar o “monstro humano” ou as “crianças masturbadoras”. O que não deixa de ser uma ótima comparação, tudo isso exposto no curso dele intitulado Os Anormais.
A seguinte confissão de Mario Chiesa se aplica a Lula ou ao aliado de Moro durante todo o processo de golpe de Estado, Eduardo Cunha? “Em substância, para entender as razões pelas quais eu tive de me expor diretamente no esquema de propina, é necessário entender que eu não me mantinha como presidente de uma organização como Trivulzio simplesmente porque eu era um bom técnico ou um bom administrador da área da saúde, mas também porque de certo modo eu era uma força a ser considerada em Milão, tendo um certo número de votos à minha disposição. Para adquirir o que atingiria no final 7 mil votos, eu tive, durante minha carreira política, que sustentar o custo de criar e manter uma organização política que pudesse angariar votos por toda Milão.” Hoje temos indícios suficientes para ver como Cunha montou sua máquina para conseguir votos de parlamentares. Nenhuma evidência, contudo, em relação ao Partido dos Trabalhadores.
De modo geral, a fé do juiz em acabar com os crimes de colarinho-branco de forma alguma tem qualquer relação com os objetivos da Lava Jato, muito menos com o realizado com a mani pulite. Como não tem nada a ver, pelo menos no sentido mais amplo, com a lavagem de dinheiro, se explica o fato (que não deixa de causar estranheza ao juiz no seu artigo) da eleição de Berlusconi. Se a nova criminologia tivesse alguma coisa a ver com dinheiro ilegal, o ex-presidente do Milan não teria sido eleito. É uma operação para desacreditar políticos, e só. Uma caça à incestuosa Antonieta, ao monstro Luís XVI, ao “sapo barbudo” também. E acaba por aí. Na Itália – o artigo não é explícito sobre isso, o que é sintomático de sua incompetência generalizada – pode ter havido uma relação com a máfia. De qual máfia se trataria no Brasil? Supostas ligações do PT com as Farc ou, pior, com Cuba? Ou a simples fabulação do “lulopetismo”? Pausa para o riso. O lugar fundamental do colarinho-branco foi a privataria e as contas cc-5, como largamente demonstrado pelo próprio Alberto Youssef. Mas “não vem ao caso”. O PT montou todo esse maquinário para se perpetuar no poder sem o auxílio de bancos, sem o auxílio de agentes no mercado negro. E esse doleiro entra no jogo no caso Banestado. Se a operação Mãos Limpas liquidou – pelo menos – com todos os partidos tradicionais italianos, onde está a isonomia por aqui? São perguntas de ordem geral, mas vamos voltar ao texto.
Logo no início de seu texto, o caráter “new age” da conduta morinha: “a) uma conjuntura econômica difícil, aliada aos custos crescentes da corrupção; b) a integração europeia, que abriu os mercados italianos a empresas de outros países europeus, elevando os receios de que os italianos não poderiam, com os custos da corrupção, competir em igualdade de condições com seus novos concorrentes; e c) a queda do ‘socialismo real’, que levou à deslegitimação de um sistema político corrupto, fundado na oposição entre regimes democráticos e comunistas”. O primeiro ponto é sobre o sexo dos anjos e a queda na carne. Nada mais abstrato por não se especificar as causas. No segundo tópico, o que fez a Transparência Internacional e demais instituições e agentes internacionais, intervir no país, foi a suposta urgência da Itália aderir ao sistema-euro, ou seja, abrir mão da soberania sobre a emissão da própria moeda e do poder executivo de criar crédito à população. No terceiro tópico, Moro ignora olimpicamente a importância do Partido Comunista italiano, seu papel histórico fundamental, como se, por causa do fim da URSS, a oposição entre comunistas e democratas deveria, por simples imposição de fatos externos, ruir. O que se viu, pelo contrário, foi todo o sistema ruir, inclusive se acentuar todas as mazelas econômicas do país, em consequência da caça às bruxas judiciária chamada Mãos Limpas.
A caça às bruxas na Itália acabou por levar diversos prisioneiros ao suicídio (e isso é encarado com certa naturalidade no artigo de Moro, como uma consequência, algo que possa ser sentida à flor da pele como efeitos do que consideram justiça – lembremos do reitor de Florianópolis) e promoveu em massa a prisão política porque o objetivo não era sanar o sistema político italiano. Como se com condenações, com o uso puro e simples da penalidade, se pudesse chegar a tanto. O que a Transparência Internacional ajudou a promover na Itália foi, com a derrubada dos partidos políticos tradicionais, a imposição do sistema euro. A eleição de Berlosconi é somente espuma, a parte mais evidente da história. Caberia aqui algumas considerações sobre a união de forças transnacionais para se impor o sistema euro, quais seus objetivos etc., mas acabaria tendo que abrir um tópico à parte. Mas o euro era algo não visto com bons olhos pela população e precisavam de alguma coisa para legitimá-lo, principalmente a questão das privatizações, um dos objetivos maiores da “operação euro”. Na verdade, precisavam retirar as referências tradicionais para se poder impor algo novo. Esse o objetivo maior da mani pulite.
Falar de Berlusconi, colocar “três pontinhos” depois de seu nome, como se fosse uma aporia, quase que um momento trágico, de certa forma necessário ou inevitável, como parece afirmar Moro, não é o que importa. Como dito, Berlusconi é espuma. Mario Draghi dirigiu todo o processo de privatização italiano no pós-Mãos Limpas, como diretor do Comitê de Privatizações. Em 2 de junho de 1992, Draghi, a bordo do iate real Britannia, frente a uma plateia de financistas e especuladores, deu uma palestra como diretor-geral do Ministério da Fazenda italiano, na qual disse que o maior obstáculo para se criar um mercado financeiro “moderno” na Itália, ou seja, a venda de todo o setor público ao mercado de ações, era o sistema político do país. A Mãos Limpas, ao mesmo tempo em que dava boas-vindas ao euro, dava adeus às empresas públicas nacionais.
A “força tarefa” da mani pulite, composta pelos procuradores milaneses Antonio Di Pietro, Piercamillo Davigo, Gerardo d’Ambrosio e Gherardo Colombo, se engajou na política, à exceção de Davigo. Este, assim como Colombo, foi membro fundador da Transparência Internacional na Itália. Ainda que a entidade tenha sido fundada no país apenas em 1997, sua diretora, no mesmo ano, em entrevista ao Il Giornale, disse que os procuradores recebiam documentos diretamente do quartel-general da TI, em Berlim. Nos quadros políticos tradicionais, Antonio Di Pietro se tornou ministro e criou seu próprio partido, enquanto D’Ambrosio e Colombo foram eleitos ao Parlamento pelo Partido Democrático.
O setor político que começou a ganhar voz no meio da caça às bruxas (Giuliano Amato, Carlo Azeglio Ciampi, Lamberto Dini e Romano Prodi) fez o alerta sobre a necessidade de “reformas estruturais”, reduzir o déficit orçamentário para 3%, liberalização da economia – tudo isso para atender os requisitos para entrar na zona do euro. Segue trecho do memorandum da Executive Intelligence Review, traduzido em português de Portugal:
O setor público inteiro foi privatizado: notavelmente, quase todos os grandes bancos italianos, o setor do aço, o sistema de autoestradas, companhias de seguros, estaleiros navais, parte da companhia petrolífera nacional e da companhia de eletricidade. Isto ajudou a criar uma bolha no mercado bolsista italiano, no contexto da bolha do mercado bolsista global. Em 2000, sete companhias privatizadas capitalizaram mais de um terço da bolsa.
As famílias italianas, que historicamente tinham investido em certificados de aforro da dívida soberana italiana (a dívida italiana era 100% nacional antes da Mãos Limpas), foram induzidas a mover o seu dinheiro para o mercado bolsista. Como resultado, quando a bolha rebentou em 2001, juntamente com o rebentamento da bolha da nova economia global, essas famílias perderam 216 bilhões de euros.
Responsáveis por esse desastre foram economistas de “prestígio” tais como Carlo Azeglio Ciampi, o antigo chefe do Banco de Itália, que foi Primeiro-Ministro em 1993-94, Ministro do Tesouro em 1994-99 e Presidente da República em 1999-2006; e Mario Draghi, que dirigiu todo o processo de privatização como chefe do Comité de Privatizações. Ele demitiu-se em 2001 e foi a trabalhar para a Goldman Sachs. Em 2005 Draghi foi nomeado chefe do Banco de Itália e em 2011 foi nomeado presidente do Banco Central Europeu, desde onde ele tem ditado a política económica que tornou a União Europeia na economia mais deprimida do mundo.
O sistema político italiano não recuperou ainda do golpe Mãos Limpas. A classe política italiana é constituída por amadores e incompetentes que obedecem cegamente a decisões tecnocráticas tomadas em Londres, Bruxelas e Frankfurt. A economia italiana está num estado de grande confusão, tendo perdido um quarto do PIB desde 2008, tendo-se movido da posição de quinta para a de nona maior economia do mundo.
Nenhuma relação com os objetivos econômicos pós-Dilma... É bom lembrar que com toda a caça às bruxas promovida pelos agentes oligárquicos curitibanos não encontram nada que possa incriminar Lula. É bom lembrar que acharam, no condomínio no Guarujá, a Mossack Fonseca, com a soltura imediata da empresária que supostamente lavaria dinheiro para a Odebrecht e também estava envolvida na construção da “mansão de Parati” da família Marinho. Moro procura Lula e não o achou até hoje: será que o faz com o mesmo desvelo com que investigou as imorais contas cc-5 do caso Banestado? Será tão bom detetive (mas ele não é juiz?) assim? Lula novamente sai limpo, totalmente. Mesmo com o sistema da crueldade implantado:
A publicidade conferida às investigações teve o efeito salutar de alertar os investigados em potencial sobre o aumento da massa de informações nas mãos dos magistrados, favorecendo novas confissões e colaborações. Mais importante: garantiu o apoio da opinião pública às ações judiciais, impedindo que as figuras públicas investigadas obstruíssem o trabalho dos magistrados, o que, como visto, foi de fato tentado. Há sempre o risco de lesão indevida à honra do investigado ou acusado. Cabe aqui, porém, o cuidado na desvelação de fatos relativos à investigação, e não a proibição abstrata de divulgação, pois a publicidade tem objetivos legítimos e que não podem ser alcançados por outros meios. As prisões, confissões e a publicidade conferida às informações obtidas geraram um círculo virtuoso, consistindo na única explicação possível para a magnitude dos resultados obtidos pela operação mani pulite.
Sim, como diz acima, Moro sempre cuidou devidamente da honra das pessoas com seu sistema da crueldade; cuidou do corpo físico também, como no caso das figuras sempre abatidas quando saem em suas fotos – o caso mais emblemático talvez seja o de José Dirceu ou o do herói nacional, o septuagenário almirante Othon. Agora, o sistema de tortura não funciona para quem delata certo, delata petista, delata o Lula. Deve ser muito bom viver numa mansão, ainda que com algumas restrições, mas milhões devidamente guardados no bolso – regalia do sistema de compensações curitibano. Não só Lula, mas até seus advogados saem lisos dessa história – verdadeira vergonha nacional –, ainda que tenham sofrido grampos ilegais e ilegalmente vazados.
O sistema da crueldade (ou “sistema punitivo”, na releitura foucaultiana de Nietzsche) é exposto no talvez mais belo texto de Nietzsche, sua terceira dissertação da Genealogia da Moral. Colocamos aqui alguns enxertos do aforismo 14 de seu texto para caracterizar o homem do ressentimento e da má consciência: “Grosso modo, não é absolutamente o temor ao homem, aquilo cuja diminuição se poderia desejar: pois esse temor obriga fortes a serem fortes, ocasionalmente temíveis – esse mantém em pé o tipo bem logrado do homem. O que é de temer, o que tem efeito mais fatal que qualquer fatalidade, não é o grande temor, mas o grande nojo ao homem, e também a grande compaixão pelo homem. Supondo que esses dois um dia se casassem, inevitavelmente algo de monstruoso viria ao mundo, a ‘última vontade’ do homem, sua vontade do nada, o niilismo”.
O homem da má consciência, do ressentimento, são os doentes – na perspectiva nietzschiana, os poderosos – os verdadeiros monstros morais. Continua: “Ao menos representar o amor, a justiça, a superioridade, a sabedoria – eis a ambição desses ínfimos, desses enfermos! (...) Eles agora monopolizam inteiramente a virtude, esses fracos e doentes sem cura, quanto a isso não há dúvida: ‘nós somente somos os bons, os justos’, dizem eles, ‘nós somente somos os homines bonae voluntatis [homens de boa vontade]’. Eles rondam entre nós como censuras vivas, como advertências dirigidas a nós – como se saúde, boa constituição, força, orgulho, sentimento de força fossem em si coisas viciosas, as quais um dia se devesse pagar, e pagar amargamente: oh, como eles mesmos estão no fundo dispostos a fazer pagar, como anseiam a ser carrascos!”. Moro se desembaraça de qualquer escrúpulo moral ao enfatizar a importância da “cruzada judiciária”, da justiça utilizada como meio de se exercer a vingança. No caso nietzschiano, a cruzada dos doentes contra os sãos:
Um acontecimento da magnitude da operação mani pulite tem por evidente seus admiradores, mas também seus críticos. É inegável, porém, que constituiu uma das mais exitosas cruzadas judiciárias contra a corrupção política e administrativa. Esta havia transformado a Itália em, para servirmo-nos de expressão utilizada por Antonio Di Pietro, uma democrazia venduta (“democracia vendida”).
E vendeu, de fato, a partir de Curitiba, nossa democracia. Vendeu para interesses inconfessáveis de todos aqueles que o apoiam. O primeiro delator da história é Moro; delata o nordestino, o pobre, o “bebedor de cachaça”, para assim se sagrar herói, efêmero e perverso, como seu precursor de roupas pretas, Joaquim Barbosa.
A forma de se utilizar da justiça como meio de se exercer a vingança é um tema foucaultiano e nietzschiano por excelência: “Entre eles encontra-se em abundância os vingativos mascarados de juízes, que permanentemente levam na boca, como baba venenosa, a palavra justiça e andam sempre de lábios em bico, prontos a cuspir em todo aquele que não tenha olhar insatisfeito e siga seu caminho tranquilo”. Essas são as “almas belas”, não só Moro, mas todos os que se indignam quando não repetimos como robôs os mantras anticorrupção, todos os versos desse pessimismo quase sublime com que tentam recobrir a esperança natural do povo brasileiro, ainda mais acentuada, exercitada, depois dos governos nacionalistas, de afirmação nacional, do Partido dos Trabalhadores. “Nunca antes na história desse país”, como nunca mais pudemos ouvir...
Como descrever, portanto, o neomacartismo – essa nova “nobre indignação” – que toma conta de parcela considerável de nossa população? Vamos voltar ao texto do século 19: “Olhe-se o interior de cada família, de cada corporação, de cada comunidade: em toda parte a luta dos enfermos contra os sãos – uma luta quase sempre silenciosa, com pequenos venenos, com agulhadas, com astúcia mímica de mártir, por vezes também com esse farisaísmo de doente de gestos estrepitosos, que ama mais que tudo encenar a ‘nobre indignação’. (...) Estes são todos homens do ressentimento, estes fisiologicamente desgraçados e carcomidos, todo um mundo fremente de subterrânea vingança [ah, os coxinhas...], inesgotável, insaciável em irrupções contra os felizes, e também em mascaramentos de vingança, em pretextos para vingança: quando alcançariam realmente o seu último, mais sutil, mais sublime triunfo da vingança? Indubitavelmente, quando lograssem introduzir na consciência dos felizes sua própria miséria, toda a miséria, de modo que um dia começassem a se envergonhar da sua felicidade, e dissessem talvez uns aos outros: ‘é uma vergonha ser feliz’, existe muita miséria!”. E assim se tenta inculcar toda a atmosfera derrotista, neocolonialista, vira-latista na mente de boa parte da população. O rancor, o ressentimento, a má consciência tentando se estabelecer, tentando fazer dos sãos pessoas doentes. É o que queremos com este texto: “Ar puto, portanto! Ar puro! E afastamento de todos os hospícios e hospitais da cultura! E portanto boa companhia, nossa companhia! Ou solidão, se tiver de ser! Mas afastamento dos maus odores da degradação interna e da oculta carcoma da doença!... Para que nós, meus amigos, ao menos por algum tempo ainda nos defendamos das duas mais terríveis pragas que podem estar reservadas para nós precisamente – o grande nojo do homem e a grande compaixão pelo homem!...”.
Lula na verdade fez o Brasil ver o futuro, quase senti-lo em suas mãos... Sair do Mapa da Fome da ONU, uma taxa de desemprego que chegou a 4,5% em 2014, toda a questão social tão ressaltada, a soberania quando se trata de política externa. “Nunca antes na história desse país”... disse o Fundo Monetário Internacional (FMI) que a Lava Jato impactou em pelo menos 2% o PIB de 2015. Olha quem diz! As perdas são incontáveis e vai numa espiral cujas consequências não estão somente nos números do “economês”, mas também na subida ao poder do medíocre Michel Temer. A venda do país de novo nos noticiários, quando os canalhas perderam todo o pudor. Privatização de tudo, até das universidades, defendidas sem qualquer remorso nas manchetes e editoriais dos jornais; aumentos descarados (junto à criação de inúmeros privilégios) ao Judiciário, à Polícia Federal; a maluquice da limitação dos gastos da União em saúde e educação; a dilapidação do pré-sal... Tantas loucuras que é impossível enumerá-las, fora os casos clássicos de corrupção que, como ocorreu com Jucá, se tirou um ministro não foi capaz de retirá-lo das articulações do governo, das propostas de governo, como o “sombra” Moreira Franco, nunca derrubado, sempre “eminência parda”. Personagem deplorável agora com ainda mais poder (teve sua cota no governo do PT, caso clássico das exigências quase imorais da democracia de coalizão, da parceria com o PMDB), e que faz lembrar das razões por que o novo túnel no Rio de Janeiro, por debaixo da antiga Perimetral, ter ganho o nome de outro neofascista, Marcelo Allencar, responsável pelo desmonte dos Centros Integrados de Educação Pública (CIEPs), anti-brizolista, entreguista clássico como o Moreira acima citado, que infelizmente não tem como sobrenome “da Silva”, para lembrar de uma figura iluminada de nossa cultura popular.
O país do passado novamente. Mas enquanto Moro, em seu artigo de 2007, talvez ainda não esperasse que pudesse tornar real seus sonhos mais íntimos, Lula fazia história, fazia o governo mais bem-sucedido de toda a trajetória do nosso país. Deixava os brasileiros com os pratos limpos, saciados da fome. Enquanto Moro – ah, Moro! – promoveu a paralisação das obras públicas, a criminalização de qualquer atividade política nacionalista e se saciou com o ódio criado entre o povo brasileiro. Moro deixou os brasileiros com os pratos limpos, sem nada para comer, sem a esperança sequer de talvez conseguir um trabalho. Depois de quantos anos o pessimismo voltou a nos assolar? Será coincidência que ele aconteceu ao mesmo tempo da entronização do juiz de província como herói nacional? Ainda há muito a se saber sobre as metamorfoses do que uma vez foi chamado, por John Perkins, de “assassino econômico”.
Rogério Mattos é professor formado em História, mestre em Letras pela UERJ e doutorando em Filosofia pela mesma faculdade. Filiado desde 2009 ao PT-RJ. Mantém o site http://www.oabertinho.com.br, onde publica alguns de seus escritos
Referências bibliográficas
Executive Intelligence Review. Como Derrotar a Tentativa de Golpe de Estado dos Banqueiros Contra o Governo do Brasil de Rousseff. 4 de abril de 2016. Memorando de circulação limitada.
MORO, Sérgio. Considerações sobre a operação Mani Pulite. Brasília: R. CEJ, n. 26, jul./set. 2004.
NIETZSCHE, Friedrich. Genealogia da Moral: uma Polêmica. São Paulo: Companhia das Letras, 2009.