Sociedade

A elite oligárquica não aceita a melhoria de vida dos oprimidos, discriminados e criminalizados, assim, deturpa a pauta LGBTI como forma de disputar a opinião pública por um viés moralista

O PT deve combater sem trégua a narrativa construída pelos adversários. Foto: Kamila Ferreira/Agência PT

A luta pelos direitos humanos tem assumido um papel preponderante nas conquistas sociais ao longo da história. O que possibilitou que a cidadania LGBTI seja hoje importante pauta de luta na sociedade. Assim como a valorização dos trabalhadores e trabalhadoras, os direitos das mulheres, o enfrentamento das violências por preconceito racial, por orientação sexual e identidade de gênero, bem como o fortalecimento e a autonomia dos órgãos de controle e fiscalização, aliados a uma política cuja primazia foi estabelecida em seu caráter social, foram legados dos governos democrático-populares das duas últimas décadas.

O Partido dos Trabalhadores sempre esteve ao lado de todas as lutas e pautas dos direitos humanos, afinal sua constituição fundou-se no anseio de que todos possuam os mesmos direitos, ou seja, o “Estado democrático de direito” firmado a partir da ampla democracia. Logo, do tempo da ditadura até os dias atuais, não há como falar em Brasil sem lembrar o compromisso do PT com causas que qualquer cidadão minimamente sério acharia importante, como por exemplo pluralidade de ideias.

As eleições de 2018 trouxeram uma nova exigência organizacional e operativa para o Partido dos Trabalhadores, a qual está vinculada aos principais desafios e lutas da sociedade.

O maior agravante nesse contexto é que vivemos um momento de profunda disputa que se polarizou, de um lado, entre a direita que possui em seu cerne os fundamentalistas religiosos, as elites oligárquicas da mídia e das grandes fortunas e uma nova categoria social emergente simpática ao fascismo; e de outro, as esquerdas, os movimentos sociais, artistas, intelectuais, sindicatos que buscam realinhar a rota do governo em direção à cidadania do povo brasileiro.

A elite oligárquica não aceita a melhoria de vida daqueles e daquelas que historicamente são oprimidos, discriminados e criminalizados, desse modo deturpa a pauta LGBTI como forma de disputar a opinião pública por um viés moralista, que apaga os debates sobre o projeto político de uma nação forte e próspera com igualdade de direitos para uma população tão plural como se tem no Brasil. Com isso, promove seus interesses e em outros momentos usa a garantia desses direitos como moeda de barganha política, deixando, na maioria das vezes, os preceitos constitucionais do Estado laico e da universalização dos direitos em segundo plano.

Esse é o conjunto e caos social no qual fomos mergulhados e que não tivemos a capacidade aglutinativa de construir alternativas viáveis para o enfrentamento desse grave momento histórico.

Nosso pior inimigo foi a construção de uma narrativa na qual passamos a ser os violões e algozes do povo que se beneficiou de nossos projetos e ações desenvolvidos e implementados no governo federal.

Jair Bolsonaro sempre teve em seu alicerce de discurso o ódio e o preconceito contra a população LGBTI. Todavia, há algo mais imediato. Bolsonaro foi eleito negando o identitarismo com promessas e retóricas violentas. Esse discurso de ódio e negação impulsionou a união de milhares de pessoas e organizações na formação de movimentos opositores que culminaram em manifestações como o #EleNão, que ampliou em muitos milhões as chances de derrotar o atual presidente no segundo turno. Esse movimento não pode ser ignorado. Se for, desidratará a referência na esquerda. Tampouco esses públicos, especialmente em seus extratos mais populares, podem ficar à mercê de serem cooptados pelo governo, que tem trabalhado para ressignificar o próprio identitarismo em uma versão conservadora.

É claro que num programa de esquerda, é tradição que sem o papel indutor do Estado a economia não cresce, o emprego não é gerado, a renda diminui, o bem-estar inexiste. Assim como os direitos trabalhistas e sociais devem ser expandidos e universalizados num patamar de qualidade e por via pública. Porém, se não combater as iniquidades específicas a uma diversidade de opressões – gênero, etnia, orientação sexual e outras questões identitárias –, esse processo, esse “projeto nacional” será deficitário.

O combate à agenda conservadora nos costumes e ultraliberal na economia deve ocorrer em conjunto, colocando para a sociedade escolher entre um modelo autoritário e desigual e outro democrático e igualitário.

Diante do cenário que se desenha, a Secretaria Nacional LGBT do PT entende que o Partido dos Trabalhadores deve primeiro iniciar o combate sem tréguas à narrativa construída pelos adversários, em segundo lugar apresentar para a sociedade a verdadeira face do autoritarismo que se traveste de liberal, mas é puramente fascista e hegemônico. Isso deve ser realizado por nossas bancadas com denúncia e combate diário ao PSL, braço institucional e legitimado pelas urnas para fazer combate à esquerda e a quem defender a democracia. O terceiro ponto é fortalecer os mecanismos de participação e controle social como conselhos, fóruns, com participação expressiva de organizações da sociedade civil, ONGs, redes e coletivos que representam os diferentes segmentos sociais.

Entre as tarefas iniciais, a Secretaria Nacional LGBT do PT entende ser fundamental para a resistência a criação da Rede Democrática de Proteção Solidária, cujo objetivo principal é oferecer ajuda jurídica e social a toda e qualquer pessoa vulnerável, coordenada pelas secretarias setoriais do PT.

Além disso, iniciamos o diálogo com organizações nacionais do movimento social LGBT para a criação de uma frente específica, conversando com outros partidos de esquerda e centro que têm o segmento LGBT organizado, com a bancada do PT na Câmara, para debater os projetos na casa e sobre a frente parlamentar LGBT. Entendemos que os nossos mandatos terão um papel fundamental na resistência, bem como a troca de experiência e o debate sobre o avanço do conservadorismo com organizações LGBT internacionais e partidos.

É importante lembrar que o atual governo não tem como objetivo o respeito às “ditas minorias”. O papel desempenhado na campanha, a invenção e propagação do “kit gay”, a criação da ideologia de gênero, o estímulo à violência contra a população LGBT foram somente uma etapa do ataque conservador. Nesse governo não podemos crer que haverá qualquer avanço nesse tema, as reformas promovidas nos ministérios já demonstram isso. Logo, não se trata de um governo progressista e inclusivo e, portanto, seremos alvo no sentido de alimentar o falso discurso moral e conservador.

Apesar das eleições de 2018, a democracia não foi restabelecida, o golpe permanece. Não devemos com isso deixar de cobrar políticas públicas, muito pelo contrário, devemos monitorar e reivindicar e sempre que preciso denunciar. Não seremos apagados da história, resistiremos para continuar a existir.

Janaina Oliveira é secretária Nacional LGBT do Partido dos Trabalhadores