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Por trás do caos provocado, há uma política articulada que atende a interesses de setores do agronegócio, que se pudessem voltariam às práticas dos engenhos do século retrasado, além de determinados círculos empresariais e políticos norte-americanos

Ao fragilizar as estruturas de fiscalização, o governo abre caminho para o avanço predatório de desmatadores. Foto: Ronan Frias Semas/Fotos Públicas

Estou próximo de completar 40 anos ininterruptos acompanhando de perto, seja como assessor político de entidades, atuando em organizações não governamentais e agora no segundo mandato de deputado federal pelo estado de São Paulo, o arcabouço ambiental no país, os avanços nas políticas públicas de defesa do meio ambiente, limites e debates acalorados apontando contradições entre projetos de desenvolvimento nacional e a necessária preservação ambiental e social, tanto da natureza quanto das comunidades que vivem no entorno de empreendimentos de qualquer tipo. Nesse período, nunca presenciei nada parecido com a sanha destrutiva do governo Bolsonaro em relação ao meio ambiente, o pouco caso com as leis e o salvo-conduto estatal a criminosos ambientais, personificado na figura de seu ministro Ricardo Salles, filiado ao Partido Novo, que de novidade trouxe apenas a aceleração da destruição da Amazônia em índices alarmantes.

A ação de Bolsonaro está assentada em um tripé para atacar o meio ambiente: desmonte das estruturas de fiscalização e fragilização dos órgãos de promoção de políticas ambientais, desqualificação de dados e estudos técnicos, espalhando desinformação e notícias de teor duvidoso para confundir a opinião pública aplicando conceitos como a defesa da soberania de forma distorcida, e a criminalização de movimentos ambientalistas, em especial as organizações não governamentais (ONGs), qualificando-os como “inimigos nacionais”, algo típico da retórica bolsonarista.

O desmonte das políticas ambientais não surpreende, pois esteve presente como promessa de campanha nos discursos de Bolsonaro há muito tempo. Quem votou nele apoiou um projeto carregado de preconceitos sem nenhum embasamento real e um discurso que remonta aos ideais bandeirantes da colonização paulista, de levar o “desenvolvimento”, eufemismo de desmatamento desenfreado em prol de negócios lucrativos, à custa do desaparecimento do modo de vida, dos hábitos culturais e até mesmo das próprias populações de povos indígenas e comunidades tradicionais.

Reportagem do jornal Folha de S. Paulo publicada em 1º de setembro resumiu oportunamente as medidas de Bolsonaro que criaram caminhos efetivos e simbólicos para incentivo a crimes ambientais. É o caso, por exemplo, da extinção da Secretaria de Mudanças Climáticas e Florestas do Ministério do Meio Ambiente (MMA); a transferência da Agência Nacional de Águas do MMA para o Ministério do Desenvolvimento Regional; a redução dos membros do Conselho Nacional do Meio Ambiente de 96 para 23, eleitos por sorteio, metodologia inconstitucional e sem precedentes; a nomeação de militares para postos de comando do ICMBio; a crise diplomática com os governos da Alemanha e da Noruega, que resultou na perda de R$ 3,6 bilhões para o Fundo Amazônia; a exoneração dos superintendentes do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) nos 26 estados e no Distrito Federal e, por fim, a polêmica exoneração de Ricardo Galvão, diretor do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), por fazer o seu trabalho e constatar a evolução do desmatamento na Amazônia.

Portanto, é falso o argumento que parte da tropa de Bolsonaro nas redes sociais levanta, a de que ele acabou de assumir e, portanto, não tem responsabilidade alguma pela crise instalada. Todas essas medidas indicam um viés contrário às políticas de meio ambiente, e ao fragilizarem as fiscalizações e estruturas abriram caminho para o avanço predatório de desmatadores.

Além das medidas executivas, as falas públicas do presidente e de seu (anti)ministro do Meio Ambiente exortaram a prática de crimes ambientais, em discursos que trataram os fiscais do Ibama como bandidos e, no ápice do conluio entre agentes estatais e destruidores da Amazônia, a vista grossa ao chamado “dia do fogo”, ação terrorista orquestrada por produtores rurais do Pará com o objetivo de incendiar conjuntamente grandes áreas da Amazônia “para mostrar ao presidente Bolsonaro que queriam trabalhar”. Ao invés de condenar os atos criminosos, Bolsonaro, Salles e seus aliados na Câmara dos Deputados, sobretudo do PSL, minimizaram os incêndios e mentiram à opinião pública dizendo que o fogo era “normal” para a época, devido ao clima seco da região. A inação proposital foi passo fundamental na impunidade dos criminosos, apesar de as investigações estarem em andamento.

O episódio resultou em uma das piores vergonhas diplomáticas da história recente do país, nos ataques gratuitos de Bolsonaro à esposa do presidente da França, Emmanuel Macron, depois de este ter disponibilizado ajuda financeira para estancar os incêndios que chocaram o mundo. A defesa da soberania brasileira sobre a Amazônia é fundamental na nossa luta, no entanto não queremos que a floresta seja destruída por incompetência ou má-fé de um governante.

O tema mobilizou a sociedade e os brasileiros foram às ruas, espontaneamente, no dia 23 de agosto em defesa da Amazônia. Pesquisa do Datafolha comprova que o tema unifica até mesmo grupos sociais opostos devido à conjuntura radicalizada e polarizada dos últimos anos. Vejam: 88% consideram que a Amazônia é um orgulho nacional e 94% entendem que sua preservação é necessária para manter a identidade do Brasil; 96% avaliam que o presidente deve aumentar a fiscalização na região para evitar o desmatamento. Ironicamente, o bolsonarismo não conseguiu incutir na cabeça dos seus seguidores defenderem ao mesmo tempo valores patrióticos e a destruição da Amazônia como um “sinal de amor ao desenvolvimento e a quem produz” – certas ladainhas que alguns fanatizados insistem em proferir.

Esses números fizeram o presidente recuar e sair da negação de que crimes ambientais estavam queimando a Amazônia, indicando supostas ações para conter os incêndios. O recuo indica margem de pressão e de mobilização social para impedir novos atos e políticas destrutivas ao meio ambiente.

Precisamos entender que por trás do caos provocado por Bolsonaro, há uma política articulada e que atende a interesses de alguns setores do agronegócio, que se pudessem voltariam às práticas dos engenhos do século retrasado, bem como de determinados círculos empresariais e políticos norte-americanos. Sob um manto irreal de “autenticidade” e “patriotismo”, que ainda conta com um número razoável de seguidores dispostos a defender com idolatria e messianismo seu líder, estamos diante de um dos governos mais entreguistas de todos os tempos, ciente do que está fazendo.

Como coordenador da Frente Parlamentar Ambientalista, estou em uma série de iniciativas de resistência na Câmara dos Deputados a projetos danosos ao meio ambiente e ao desenvolvimento sustentável. É o caso, por exemplo, da Medida Provisória 884, que pode extinguir pontos cruciais da implementação do Código Florestal, a participação na Comissão Mista Permanente sobre Mudanças Climáticas e a construção de um novo marco de Licenciamento Ambiental no país, em que estou engajado na elaboração de um texto que articule a atualização da lei sem significar qualquer abrandamento nas salvaguardas ambientais.

Porém, apenas a ação parlamentar não basta. É preciso mobilização popular efetiva, além de protestos, atos políticos e manifestações nas redes sociais, conscientização diária com nossa família, nos locais de trabalho, estudo e lazer, pois a unidade nacional, inclusive entre pessoas de esquerda e direita em torno da defesa da Amazônia, ainda que cada um com seus argumentos e visões de mundo, mostra o papel unificador da questão ambiental e seu potencial para minimizar as tensões políticas, disputando a narrativa e consolidando a ideia de que um presidente eleito não pode ter salvo-conduto para destruir nossos recursos naturais, patrimônio dos brasileiros. A formação e a difusão do conhecimento também são tarefas de todos nós que militamos na causa ambiental. É o caso, por exemplo, do curso “Desenvolvimento e Transição Ecológica”, realizado pela Secretaria Nacional de Meio Ambiente e Desenvolvimento do meu partido, o PT, da qual tenho a honra de ser titular, em parceria com a Fundação Perseu Abramo, que aborda uma série de elementos relevantes na compreensão da importância da transição ecológica em nosso tempo.

Os desafios são muitos, mas nossa disposição em enfrentá-los é muito maior, com a resiliência e a força que o povo brasileiro sempre encarou.

Nilto Tatto é deputado federal (PT-SP), vice-líder e coordenador da Frente Parlamentar Ambientalista da Câmara dos Deputados. Presidiu a Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da Câmara em 2017