Economia

É difícil esperar que a reforma tributária em pauta no Congresso faça justiça sem pressão popular, a exemplo da escorchante e excludente reforma da Previdência

O consumo no Brasil é taxado, na média, em quase 50% e na OCDE esse índice é, em média, de 32,7%. Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

A narrativa que prevalece nos debates sobre a PEC (Proposta de Emenda Constitucional) 45, na Câmara, e 110, no Senado, sobre reforma tributária é reveladora de quem as conduz, senão a elite, com o maior número de parlamentares que a servem. Desde que postas na ordem do dia, tanto dos corredores do Congresso quanto da imprensa hegemônica, o que se ouve são os mantras da desburocratização e da agilidade. Nada contra, pelo contrário, a criação de mecanismos e de rotinas fiscais que tornem o Brasil mais competitivo e polo de atração de investimentos deve ser comemorada. Desde julho, a Comissão de Finanças e Tributação está debruçada sobre a PEC 45, que, igualmente à irmã da Câmara Alta, tem o mesmo problema. Não será unificando cinco ou nove impostos, pura e simplesmente, que se produzirá justiça fiscal.

Em incontáveis reuniões e audiências públicas, ocorridas desde julho, circularam pelo corredor das comissões o Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil, representado pela Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), Confederação Nacional da Indústria (CNI), Confederação Nacional do Comércio (CNC), Confederação Nacional dos Transportes (CNT), Confederação Nacional de Saúde (CNS), Federação Nacional dos Bancos (Febraban), Confederação Nacional dos Dirigentes Lojistas (CNDL) entre outras representativas da elite, os sindicatos das instituições de fiscalização e controle do Fisco, como Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal (Anfip), Federação Nacional do Fisco Estadual e Distrital (Fenafisco) e Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal (Sindifisco), entre outras representativas da classe trabalhadora, até o então secretário Especial da Receita Federal Marcos Cintra, entre outros técnicos da área, no serviço público. Em nenhuma das apresentações dos representantes e dos parlamentares que defendem os interesses do andar de cima se ouviu ou se leu a expressão justiça fiscal. A julgar pela injusta e escorchante reforma da Previdência, é difícil ter esperança de que a reforma tributária faça alguma justiça sem pressão popular no Congresso Nacional; as injustiças tão indecentes quanto históricas serão perpetuadas, como a de taxar mais o consumo que a renda e o patrimônio.

O problema é que os debates travados no Congresso passam pelo filtro dos grandes veículos de comunicação, que têm total interesse em que a reforma não vá mesmo além de promover a agilização dos processos fiscais e que, no Brasil, não se taxem grandes fortunas, heranças, auferimento de lucros e dividendos de aplicações financeiras, veículos de uso exclusivo da elite, como helicópteros, aviões, iates, lanchas. Esses aspectos da reforma tributária são solenemente sonegados à população, que só encontra informação na imprensa marginal, uma trincheira a ser reverenciada e valorizada pelo campo progressista. Por exemplo, a mídia corporativa não levam ao conhecimento da população o estudo intitulado “A Reforma Tributária Necessária, do Movimento Reforma Tributária Solidária”, que tem à frente Anfip e Fenafisco e elaborado por 40 especialistas.

O estudo traz resultados que devem causar temor em certa imprensa brasileira e calafrios na elite, que não paga imposto algum. Os dados apontam que é possível aumentar em R$ 357 bilhões as receitas com a taxação da renda, do patrimônio e de transações financeiras, ao mesmo tempo que é possível reduzir em R$ 310 bilhões a tributação sobre bens e serviços e sobre a folha de pagamento. A pesquisa escancara que a injustiça está na raiz dos problemas tributários. Enquanto a Seguridade Social consome 11,3% do PIB, a sonegação e as renúncias fiscais consomem 12,8%. A carga tributária brasileira não é a maior do mundo, como alardeiam alguns formadores de opinião. A incidência de 32,6% está bem próxima da média da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), que é de 34%.

O que acontece no Brasil é um caso mesmo de injustiça. A média de incidência de impostos sobre a renda, na OCDE, é de 34,1%. Já no Brasil é de 18,3%. Enquanto o consumo é taxado em 32,7% na OCDE, no Brasil o índice é de quase 50%. Seguindo a mesma ordem para a alíquota-teto do Imposto de Renda de Pessoa Física (IRPF), são 43,3% e 27,5%. O estudo, da mesma forma que o Partido dos Trabalhadores, também tem uma proposta para ampliar o número de faixas de incidência na tabela do IRPF, isentando renda de até R$ 5 mil. As decisões sobre a reforma tributária são eminentemente políticas e não técnicas. A narrativa que ora se impõe no Congresso Nacional não é outra senão a forma, em detrimento do conteúdo. A única maneira de se produzir uma reforma com justiça fiscal é ocupando e pressionando os parlamentares. Caso contrário, nem todos os estudos mais balizados serão levados em consideração por um parlamento cuja maioria está a serviço do capital financeiro.

Enio Verri é economista e professor do Departamento de Economia da Universidade Estadual de Maringá (UEM) e está deputado federal pelo PT/PR