Economia

É praticamente consenso que o Banco Central pode emitir moeda, comprar títulos públicos e privados e monetizar a economia sem impacto inflacionário

É possível a retomada do crescimento em curto e médio prazo, mas isso depende da mudança de abordagem da política monetária. Foto: Marcello Casal/ABr

A crise atual oferece oportunidade para uma nova política monetária como estratégia para promover o crescimento econômico.

A teoria quantitativa da moeda em sua mais simples apresentação: quantidade da moeda em circulação (M) vezes a velocidade de circulação da moeda (V) é igual ao nível de preços multiplicado pela produção ou renda disponível (YD). Ou seja: MV = PY.

É praticamente consenso que o Banco Central (Bacen) pode emitir moeda, comprar títulos públicos e privados e monetizar a economia sem impacto inflacionário. O que é da maior importância, todavia, é a seletividade da dotação de crédito e o papel da iniciativa dos bancos públicos (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social – BNDES, Banco do Brasil – BB, Caixa Econômica Federal – CEF) no processo de redução da capacidade ociosa da maioria dos setores, no incentivo à retomada de investimentos e no apoio às micro e pequenas empresas.

Tendo em conta que as restrições para uso intensivo de política fiscal através de aumentos de gastos governamentais resultarão em significativa elevação da dívida pública, cabe uma política monetária seletiva à canalização de recursos visando reduzir a capacidade ociosa de setores prioritários intensivos em mão de obra; viabilizar investimentos, particularmente em infraestrutura; garantir renda das famílias de menor poder aquisitivo; linhas de crédito de apoio às micro e pequenas empresas e geração de emprego.

Essas proposições estão, de certa forma, na contramão do Ministério da Economia e do Bacen, que vêm adotando modesta política fiscal e expansão monetária que favorecem os bancos, inclusive para aplicações livres sem quaisquer seletividades no que diz respeito aos objetivos e públicos-alvos acima mencionados.

Segundo a argumentação de economistas neoliberais considerados “novos clássicos”, que comandam o Ministério da Economia no Brasil, a moeda é neutra e exógena, as expectativas são, ou devem ser, racionais, e as informações são relativamente simétricas. Logo, qualquer aumento da oferta de moeda terá forte impacto no nível de preços. Essa corrente considera que o Bacen tem como tarefas fundamentais de política monetária construir e controlar expectativas na direção das metas previamente fixadas para os níveis de inflação e garantir a solidez do sistema financeiro.

Em outras palavras: o Bacen, através da fixação das taxas de juros básicas (Selic, no caso do Brasil) e de medidas macroprudenciais (fixação de depósitos compulsórios, requisitos de capitais por instituições financeiras, taxas de câmbio etc.), tem plenas condições para minimizar incertezas e induzir o comportamento dos agentes econômicos na fixação de seus preços de modo a garantir as metas de inflação.

Sob esse enfoque não cabe ao Banco Central qualquer atribuição visando estimular a geração de emprego e de renda. Em outras palavras, na medida em que eleva e sinaliza que poderá adotar novos aumentos das taxas de juros reais, o Bacen espera obter como resultados que:

  • as empresas entendam que o aumento exagerado de seus preços e margens de lucros será punido com a elevação de juros e de custos financeiros, com a redução da demanda, com respectivo aumento da capacidade ociosa e com diminuição de suas margens de lucros;
  • os trabalhadores entendam que reivindicações salariais superiores aos aumentos da produtividade da mão de obra serão punidos com elevação do nível de desemprego resultantes da diminuição das atividades produtivas e geração de capacidade ociosa empresarial consequentes da própria elevação de juros reais;
  • o governo atente para a necessidade de evitar gastos superiores às receitas para não aumentar a dívida pública, a qual será penalizada com maiores encargos financeiros em prejuízo de investimentos governamentais.

É importante chamar atenção ao fato de que as elevações de juros, que têm sido utilizadas como instrumento para controle da inflação, podem estar contribuindo para gerar aumentos dos níveis de preços devido a uma economia oligopolizada como a brasileira, na qual as empresas são oligopólicas ou monopólicas, por conseguinte são capazes de garantir elevadas margens de lucros.

Além disso, o regime de metas vem gerando efeitos colaterais negativos sobre a estrutura de distribuição da riqueza e da renda através do rentismo: transferência de recursos da sociedade como um todo para famílias de maior renda (classes A, B e parcela C), das empresas lucrativas e das instituições financeiras, através de suas aplicações em títulos de renda fixa (públicos e privados) baseadas na taxa Selic. Assim, é necessário chamar atenção para os efeitos negativos que altas taxas reais de juros promovem à diminuição do PIB potencial na medida em que desestimulam investimentos na modernização, na diversificação e na expansão da estrutura produtiva; em infraestrutura; em ciência e tecnologia; em educação; em saúde; em programas de transferência de renda como o Bolsa Família, o Luz para Todos, o Benefício de Prestação Continuada (BPC); o Minha Casa Minha Vida; o Financiamento Estudantil (Fies); o Programa Universidade para Todos (Prouni) etc.

Em suma, é possível a retomada do crescimento em curto e médio prazo, em um contexto de grave crise fiscal no Brasil, mas depende da mudança de abordagem da política monetária para reativar a demanda agregada.

No que tange ao papel dos bancos públicos, vale ressaltar que na medida em que o BNDES, o BB, a CEF, o Banco do Nordeste (BNB) e o Banco da Amazônia (Basa) praticarem prazos de amortização, juros e spreads adequados, estarão induzindo as demais instituições bancárias a seguir o mesmo caminho para não perderem participação no mercado financeiro.

Nesse contexto cabe lembrar o uso seletivo da antiga conta de movimento experimentada pelo Banco do Brasil quando proporcionou a implementação de programas estratégicos capazes de elevar a produção, principalmente do setor agropecuário, sem consequências inflacionárias. Mas, ao mesmo tempo, é necessário impedir o uso da nova conta de movimento para atender demandas políticas sem contrapartida produtiva.

Cézar Manoel de Medeiros é economista, doutor pelo IE-UFRJ