Especial

Reflexo da preocupação com a formação política e intelectual dos militantes, os laços de Alipio mais estreitos em Campinas se deram com “jovens” militantes mais abertos ao diálogo

Plenária do OP Campinas, cujo logo foi criado por Alípio Freire. Foto: Prefeitura Municipal

Alipio Freire é um conhecido de longa data na cidade de Campinas. Sua relação com a cidade antecede em muito a sua chegada em 2001, em especial com a militância campineira. Na sua campanha para deputado federal de 1982, já apresentava um núcleo importante de militantes na cidade, como Robêni, Batata, Glórinha, Mamizuka e núcleo de Barão. Seu vínculo com a cidade foi construído a partir da própria construção do partido com militantes históricos.

Sua relação se estreita em definitivo com a campanha para Prefeitura de 2000, quando Alípio veio para contribuir na comunicação da campanha de Toninho e Izalene. Com o final da campanha vitoriosa petista, Alipio permaneceu em Campinas.

Alipio Freire é um legitimo humanista, cuja formação foi influenciada pelo existencialismo francês, que transformou esse filho das elites baianas em um revolucionário extremamente humanista. Sua ruptura com aquelas elites se deu a partir de seu olhar das condições econômicas e objetivas de produção de riqueza e da cultural – de um olhar objetivo da realidade e da necessidade de intervenção concreta e ruptura estética, artística.

Em terras dos barões, esse militante já experiente consegue emoldurar muito rapidamente a dinâmica da cidade e suas contradições, passando a coordenar a comunicação do Orçamento Participativo na administração, “principal bandeira” na campanha municipal. Com Alípio Freire participando deste programa, tudo ganhava uma força política impressionante.

Sua larga experiência e sua concepção de mundo encontraram na coordenadoria de participação popular, sob o comando de Izalene, um ambiente único de interlocução. Seu conhecimento profundo sobre comunicação, artes plásticas e visuais permitia traduzir toda uma intenção de um governo democrático e popular.

Eram produzidos materiais que dialogavam com os setores mais oprimidos e que carregavam a profundidade de uma verdadeira arte revolucionária. Sem dúvida, nessas peças de comunicação, Alípio conseguia exprimir um conteúdo formador e transformador absolutamente revolucionário.

Seu olhar acerca da participação popular refletia o seu entendimento do papel central que o mesmo deveria ter nos governos democráticos e populares, entretanto, não se podia cair na tentação de implantar um processo de participação consultiva, meramente opinativa.

Dessa forma, na sua concepção, a transformação da sociedade passaria por um processo longo e profundo de formação e criação de espaços de protagonismo da população, uma construção na qual os governos democráticos e populares deveriam se debruçar.

Ao cabo, a participação popular, para Alípio Freire, assumiria também um conteúdo verdadeiramente revolucionário. Caberia aos governos de esquerda abrir espaços e oferecer instrumentos para que a população trabalhadora adquirisse sua consciência de classe, entendesse o que estava em jogo na sociedade, para que pudesse efetivamente assumir o protagonismo no processo político.

Tinha a absoluta convicção de que ampliar os espaços de participação da população sobre a reprodução das “condições materiais” da cidade, através da tomada de decisão sobre o orçamento público, era questão absolutamente necessária para a transformação social, política e econômica do município. Mas tinha também a consciência que não bastava criar espaços de participação, era preciso ocupá-los com formação, cultura e arte popular. Consciência esta que parece tão atual e necessária neste momento em que precisamos retomar o protagonismo popular e revolucionário na sociedade diante do avanço político dos setores mais reacionários no país.

A centralidade dos projetos de participação popular no governo se fazia presente no papel estratégico que Alipio Freire teve através de uma comunicação dinâmica e marcante. Não por outro motivo, a logomarca do Orçamento Participativo em Campinas, criação de Alípio Freire, tornou-se o maior símbolo da administração nos quatro anos, um símbolo de toda a arte revolucionária que Alípio trazia dentro de si.

Quando assumiu a Diretoria de Comunicação da Prefeitura, Alípio Freire imprimiu uma dinâmica estética única na comunicação das ideias, colocando sempre no centro do Diário Oficial e do site da prefeitura as demandas populares e as políticas públicas que estavam sendo produzidas pela administração.

A concepção do Alipio sobre o caráter estratégico da administração, em especial o papel da coordenadoria do orçamento participativo na democratização da coisa pública, se fez de maneira clara em sua particular interpretação sobre o ataque cotidiano por parte das elites campineira na gestão da prefeita Izalene Tiene. Esse ataque sistemático, no seu entender, era sinal de coerência exercida pela sua gestão e de seu caráter de classe e gênero. As elites da cidade dos barões não toleravam essa gestão.

Alipio Freire cultivou em Campinas outra marca pela sua passagem nas terras dos barões. Reflexo de sua formação e de seu compromisso, para além dos conflitos cotidianos da administração e do partido, ele tinha uma preocupação com a formação política e intelectual dos militantes. Não por acaso, seus laços mais estreitos em Campinas se deram com “jovens” militantes muito abertos ao diálogo do que as tradicionais direções.

Esse diálogo era horizontal e exprimia a condição de aprendizado de um militante histórico com jovens militantes, uma via de mão dupla, uma relação de aprendizado contínua e uma forma de estar em plena sintonia com as novas experiências praticadas por essas gerações – uma relação dialética entre esses jovens militantes e Alipio Freire.

Assim surgiu o grupo de estudos do Capital. Ainda que muitos achassem ser algo fora de contexto, ele se esforçou em ajudar a conduzir esse grupo de jovens a dialogar com Marx, para além do marxismo acadêmico. Seu jeito fácil de discutir, sua reflexão e paixão pelas novas gerações era uma marca de sua concepção de mundo. Um diálogo para além da condição econômica, de caráter estético. Alipio Freire exalava uma estética, uma arte revolucionária, que muitas vezes se chocava com as estruturas partidárias que são quase sempre imutáveis – onde muitos querem falar, mas poucos ouvem. Alipio Freire sabia ouvir.

A passagem de Alipio Freire nas terras dos barões foi mais do que uma estadia passageira, foi um encontro de gerações no espaço e no tempo, que levará esses diferentes personagens a refletir sobre o impacto de que a personagem – um legítimo tropicalista das artes e da política, marcou a vida desses jovens militantes e da cidade como uma tatuagem – Alipio é grande, é gigante, é presente.

Agradecemos a colaboração inestimável das companheiras Robêni Baptista da Costa, da Prefeita Izalene Tiene e de Marcos Martins pelo convite para prestar essa homenagem ao companheiro Alipio Freire.

José Alex Rego Soares é doutor pelo PROLAM/USP e pós-doutorando na FEA/USP. Professor de Economia na PUC-Campinas

Eduardo Marques é economista formado pela Unicamp e especialista em Gestão e Políticas Públicas pela FESPSP. Professor de Economia da UniAnchieta e do Instituto Cultiva