O ano de 1979 foi cheio de notícias. Quem estava acostumado com os telex da Censura Federal nas redações precisava aproveitar o espaço que desse para aproveitar e escrever, reunir, agir. As greves pelo país vinham de um ano antes, e Lula já era uma liderança nacional. Perseguido pela ditadura, mesmo assim ganhava páginas nos jornais. Impossível parar a História.
A Lei da Anistia de 28 de agosto, mesmo pela metade, trouxe de volta as centenas, talvez milhares de brasileiros que amargaram o exílio em várias partes do mundo. Ir ao aeroporto, saudar e abraçar os velhos companheiros dava um alívio, era um momento de felicidade.
A ditadura continuava, e o general de plantão dizia detestar cheiro de povo. Não dava para respeitar. O povo não queria saber dele. Preferia se organizar, sonhar com um outro mundo. E já se podia pensar em partidos políticos além da Arena e do MDB – este a oposição consentida, que vinha ganhando espaços no parlamento, nas urnas, desde alguns anos antes.
Os sindicatos e associações profissionais se fortaleceram, e em todos os setores apareceram às lideranças. Aqueles que nunca pararam de lutar e decidiram realizar seus sonhos.
Alípio Freire era um desses buscadores de utopias, como ele gostava de dizer. Na greve dos jornalistas, destacou-se em todas as reuniões e fez parte dos piquetes nas portas dos jornais, revistas e TVs. Conseguia conversar e convencer com os argumentos mais racionais e também mais amorosos pela profissão e pelos companheiros sem perder o bom humor, naquele sorriso inconfundível.
Foi eleito diretor da Associação Brasileira de Imprensa (ABI) em São Paulo, que tinha sede na Rua Augusta, ocupando todo o primeiro andar de um prédio meio antigo.
Alípio imediatamente tomou aquele espaço, fez uma campanha nas redações para conseguir novos sócios e criou ali um espaço de sonho, como dizia rindo. Reuniu não só os jornalistas mais combativos, como também artistas de teatro e cinema. Era impossível faltar às reuniões de segunda-feira à noite, todas animadas para a construção de um novo partido, o Partido dos Trabalhadores. Era um dos núcleos do Movimento Pró-PT, espalhado pelo país, principalmente São Paulo. Era o Núcleo das Estrelas, como ficou conhecido.
Dono da casa, Alípio garantia a disciplina com firmeza e alegria, sob a liderança e os ensinamentos dos grandes Perseu Abramo e José Dirceu. Ali se encontravam velhos companheiros, para debater as ideias e sugestões para o que seria o programa partidário com argumentos necessários à democracia que se buscava. “Sem perder o afeto e a alegria da luta”, como dizia Alípio, garantindo a palavra a todos e nos enchendo de um grato sentimento de pertencimento e mudança nos rumos da história.
Chegou o verão, e as reuniões foram ficando mais animadas. São Bernardo fervilhava. De Osasco vinham as melhores notícias. E também de Porto Alegre, de Belo Horizonte, de Santos, de Contagem, das cidades e dos campos de Pernambuco, Paraíba e Piauí. Do país todo.
O feminismo ganhava força e cada vez mais matérias nos jornais. As TVs falavam na “maior festa do mundo”, o Carnaval, que se aproximava. Os astrólogos lembravam que o signo era o de Aquário, que sonha com a vida coletiva e solidária, e ainda prevê o futuro.
No auditório de um antigo colégio de freiras na Avenida Higienópolis, o Nossa Senhora do Sion, num sábado quente, todo o Núcleo das Estrelas estava lá, ao lado de centenas e centenas de companheiros, lideranças sindicais e do movimento estudantil, professores e intelectuais, animados e com toda a força de quem acredita num mundo igualitário e justo. E o Alípio, emocionado, ria, gargalhava e abraçava quem podia, falando bem alto: Fundamos o PT!
Rose Nogueira é jornalista