Canção que tocava
Na parede da minha
memória
o quadro do Velho
sempre tem
gente jovem
reunida
Eduardo Campos Lima
Poema da continuidade
(de nossas conversas sobre Drummond)
Alguns anos convivi contigo.
De certo modo, renasci contigo.
Por isso estou triste mas sereno.
Não tem porcentagem
— o preço do feijão e do apreço não cabem no poema.
Esse alheamento
essa falta de comunicação
é dificuldade em aceitar tua morte.
A vontade de amar, de dizer-te
me paralisou o trabalho.
Hoje apenas.
Nossa amizade veio de noites vermelhas
sempre repletas de horizontes
mesmo sob o pior cenário.
Nunca tiveste o hábito de sofrer.
Agora, para desespero de teus inimigos, poderás escrever em tua lápide:
—Gostei, quero mais!
A diversão na adversidade é doce herança tua.
De ti carregarei prendas diversas:
o poema, terra maleável
a fotografia, exsicata dos fatos
a notícia, faca de dois gumes
—armas na luta do povo.
Não chorarei
nem te alçarei ao posto de santo ateu post mortem.
Dito isso
em respeito e saudade
hoje estou de cabeça baixa
Hoje.
Amanhã vai ser outro dia
e a luta continua.
Não caberão as lágrimas.
Entre nascermos nus e analfabetos
e morrermos despossuídos
um inventário de prazeres e sequelas
sou funcionário público
mas tu não serás apenas uma fotografia na parede.
Ah, meu camarada
como dói!
Filipe Peres
Um novo erro
Quando aquele 22 de abril chegou
debaixo duma bruta chuva
Levou o poeta
Que pena.
Fosse uma manhã de sol
o poeta montaria um elefante
desfilaria nas ruas
Punho esquerdo em riste
—Mais fortes são os poderes do povo.
Jonathan Constantino