Sociedade

Estudo conclui que a participação do cidadão pode e deve ser uma ferramenta transformadora no combate às alterações climáticas

Cerca de mil cidades no mundo experimentam alguma forma de Orçamento Participativo. Foto: Sul 21

Apesar dos inúmeros compromissos assumidos pelos governos em todo o mundo, as emissões de CO2 aumentaram em cerca de 60% no intervalo de 25 anos, de 1990 a 2015, segundo estudo da Oxfam, publicado em 2020, e o Painel Intergovernamental sobre as Mudanças Climáticas (IPCC) prevê que em 2050 as cidades costeiras e seus milhões de habitantes serão mais frequentemente atingidos por enchentes e tempestades.

Não há mais dúvidas científicas de que aumentará em muito a exposição global a incêndios e tantos outros flagelos acarretados pelo aumento da temperatura no planeta. Basta ver como aumentaram as queimadas, as inundações, as ondas de calor e as secas para perceber que isso deixou de ser um risco e já é uma realidade alarmante em várias regiões do mundo.

Ainda que os compromissos e pactos de governança mundial considerem quase que exclusivamente os governos nacionais como atores de medidas mitigadoras, há uma série de iniciativas que estão sendo realizadas no âmbito das cidades que apontam caminhos para acelerar a resposta global às mudanças climáticas. Todos eles levam à participação ativa dos cidadãos na definição das prioridades na aplicação dos recursos públicos.

É esse o aprendizado trazido no estudo coordenado por Yves Cabannes, professor emérito de Planejamento de Desenvolvimento da University College London (UCL), publicada pelas organizações Cidades e Governos Locais Unidos (CGLU) e Observatório Internacional de Democracia Participativa (OIDP)1. Este trabalho inédito buscou responder se há relação causal entre as cidades adotarem práticas de orçamento participativo e o aumento das suas contribuições para minimizar os efeitos locais acarretados pelas mudanças climáticas.

Os organizadores selecionaram quinze cidades que “fornecem alguns exemplos de processos de Orçamento Participativo (OP) e começaram a se concentrar nas mudanças climáticas ou contribuir para a sua mitigação e esforços de adaptação” e são consideradas como representativas, mesmo que seja grande a “amplitude e profundidade de experiências neste campo”. As cidades estudadas estão localizadas em diferentes lugares do mundo – África, América do Sul e do Norte, Ásia e Europa e possuem diferentes classificações de vulnerabilidade às mudanças climáticas, de acordo com o Índice de Adaptação Global.

Apesar de suas realidades serem muito distintas, seu ponto em comum é a adoção do Orçamento Participativo (OP) como forma de definição da aplicação dos recursos públicos, incorporando os seus cidadãos em diferentes estágios do processo de deliberação. O OP no estudo é definido como um “mecanismo ou processo pelo qual as pessoas tomam decisões sobre o destino de parte ou de todo os recursos públicos disponíveis, ou de outra forma associados ao processo de tomada de decisão”. A sua origem e referência é a experiência iniciada em Porto Alegre, nos governos da administração popular, de 1889 a 2004.

O estudo analisou 4.400 projetos financiados pelos OPs em dez dessas cidades, cujos dados puderam ser consolidados e identificou mais de novecentos projetos com impacto na mitigação e/ou adaptação às mudanças climáticas, nos quais foram investidos cerca de US$ 22 milhões.

Ao concluir esse inédito estudo ficou evidenciado que a “participação do cidadão pode e deve ser uma ferramenta transformadora no combate às alterações climáticas. Para construir cidades e territórios mais sustentáveis, precisamos conscientizar a população e lideranças políticas, estimular e coordenar inteligência coletiva”.

Mesmo que as questões climáticas ainda não tivessem a emergência de hoje, ao longo das administrações populares em Porto Alegre foi construído um inovador “Sistema de Gestão Ambiental Urbana” que pode ser melhor conhecido no Atlas Ambiental de Porto Alegre2 e no livro Desenvolvimento Sustentável e Gestão Ambiental nas Cidades3.

Nesse “Sistema de Gestão Ambiental Urbana” foram articuladas as ações e programas realizados por inúmeras secretarias e órgãos do governo em estreita sintonia com o processo de democracia participativa na cidade, liderado pelo OP. Essa experiência foi reconhecida pelo ICLEI como referência de iniciativa municipal contra o aquecimento global, mostrando desde o nascimento do OP que há uma relação intrínseca entre sustentabilidade e democracia.

Após três décadas do início dessa exitosa experiência de democracia participativa, sua abrangência e diversidade de ações ainda é motivo de estudo e reconhecimento, a ponto de cerca de mil cidades no mundo estarem experimentando alguma forma de Orçamento Participativo.

Este estudo coordenado pelo professor Yves Cabannes é relevante para demonstrar que há relação causal entre o protagonismo dos cidadãos e a eficácia das políticas públicas para resolver os problemas que afligem o cotidiano das pessoas e lhes colocam em risco. É isto que torna a democracia imprescindível para a melhoria da qualidade, especialmente para enfrentar esse grave desafio das mudanças climáticas.

Gerson Almeida é sociólogo e ex-secretário de Meio Ambiente de Porto Alegre