Política

Um embate político-cultural central para o próximo ano: como reagir ao sequestro do verde-amarelo e sua ordinária e perigosa transmutação em amarelo-verde CBF

Vestem amarelo-verde CBF e se transvestem em “patriotas” de um Brasil que bate continência à bandeira americana. Arte:Nathalie Nascimento

Acabo de receber de um amigo pelas redes sociais a seguinte indagação, dessas que circulam intensamente: “pessoal, ano que vem tem Copa do Mundo, como fazer pra vestir as cores do Brasil sem parecer retardados?”. Ou sem parecer neofascistas, se quisermos politizar a questão. A pergunta trás para a cena uma dúvida existencial e política nada desprezível se pensarmos que em 2022 teremos múltiplas e genuínas solicitações verde-amarelas. Talvez até uma saturação das cores.

Com provável mobilização canarinho, teremos a já referida copa, tardia temporalmente, deslocada pela primeira vez para 21 de novembro a 18 de dezembro de 2022 a fim de atender os interesses mercadológicos da mercenária Fifa, que impôs jogar futebol no deserto. Mas também as comemorações dos 200 anos da inacabada Independência do Brasil e as fundamentais eleições para escolher entre uma democracia abalada e vilipendiada desde o golpe de 2016, e a barbárie, cotidianamente gestada e alimentada pela extrema-direita no poder, com o apoio das classes dominantes e de suas instituições.

As comemorações dos 200 anos de independência em ano eleitoral serão estopim para muito verde-amarelo e muito amarelo-verde CBF (Confederação Brasileira de Futebol). Para certa gente não importa que a independência esteja inacabada até hoje, com graves recaídas em situações de perda de soberania e brutais dependências internacionais; que a versão oficialista e idealizada da independência, expressa na pintura de Pedro Américo, restrinja o olhar ao esteticamente falseado quadro do Grito do Ipiranga, invisibilizando as lutas pela independência ocorridas em diversos lugares do Brasil, a exemplo da Bahia, do Piauí e do Grão-Pará; não importa que o fajuto nacionalismo das classes dominantes e da extrema-direita de Bolsonaro venha destruindo o verde de nossas florestas, entregando o amarelo de nosso ouro e de nossos minérios, poluindo o azul de nossos céus, regredindo o progresso do lema positivista e tentado insistentemente transformar ordem em ditadura. Para certa gente hipócrita importa instrumentalizar e transformar o verde-amarelo nacional em amarelo-verde CBF, em ativo político para manipular a política e as eleições e fazer vencer, acionando os expedientes mais baixos, a barbárie em 2022.

Desde o sequestro do verde-amarelo, orquestrado pelos dominantes e seus aparelhos político-culturais-ideológicos, e sua mutação em amarelo-verde CBF, para destruir a frágil e limitada democracia brasileira, vemos as cores e a bandeira brasileiras serem sistematicamente usadas por manifestações e grupos autoritários, sem nenhum escrúpulo e sem nenhuma verdade. Em tempos de fake news e pós-verdade, os que maltratam e destroem a nação e a nacionalidade, ampliando desigualdades, privilégios, violências físicas e simbólicas, vestem amarelo-verde CBF e se transvestem em “patriotas” de um Brasil acima de tudo, que, sem vergonha e sem constrangimento, bate continência à bandeira norte-americana, achincalha a soberania nacional e humilha internacionalmente o país.

A pergunta do meu amigo, mais que questionar como vestir/torcer na Copa do Mundo, coloca em cena um embate político-cultural central para o próximo ano: como reagir e atuar frente ao sequestro do verde-amarelo e sua ordinária e perigosa transmutação em amarelo-verde CBF? Tal luta não pode de modo algum ser politicamente menosprezada e considerada irrelevante. Subestimar a luta político-cultural já nos impôs um caçador de marajás Collor amarelo-verde CBF, um Brasil de amarelo-verde CBF acima de tudo de Bolsonaro e ameaça nos arrastar e consolidar de modo trágico a barbárie vestida de amarelo-verde CBF.

Antonio Albino Canelas Rubim é professor da UFBA