Política

A decisão unânime do TSE foi por não cassar a chapa Bolsonaro/Mourão, apesar de reconhecer que houve disparos em massa executados por uma milícia digital

TSE não aceitará que “tentem novamente desestabilizar as eleições”, mas só no futuro. Foto:TSE

A decisão unânime do TSE foi por não cassar a chapa Bolsonaro/Mourão, apesar de reconhecer que houve disparos em massa organizados e executados por milícia digital intitulada "gabinete do ódio", que não tinha outra função senão promover a campanha de Jair Bolsonaro em 2018 e atacar seus adversários políticos. Nas palavras dos próprios ministros.

Uma decisão ambígua que parece ter sido inspirada na célebre resposta do então candidato democrata, Bill Clinton, à pergunta sobre se já havia feito uso de maconha: “fumei, mas não traguei”.

Para o relator da ação, ministro Luis Felipe Salomão, as provas levadas aos autos indicam sem sombra de dúvida que houve uso de atos ilícitos, com disparos em massa organizados e executados por milícia digital intitulada "gabinete do ódio", que visou promover a campanha de Jair Bolsonaro em 2018 e atacar seus adversários políticos.

Apesar disso, seguindo o voto do relator, o colegiado entendeu que as provas contidas nas Ações de Investigação Judicial Eleitoral (Aijes) não eram suficientes para atestar a gravidade dos fatos e que cabia ao autor do processo, a coligação O Povo Feliz de Novo, apresentar as provas cabais que comprovassem a gravidade dos ilícitos.

Ou seja, ficou demonstrado no processo que a chapa Bolsonaro/Mourão fumou nas fake news, mas não foi possível, segundo o colegiado, provar que que ela às tenha tragado.

Mesmo assim, parece que os processos analisados, assim como as investigações comandadas pelo próprio TSE no âmbito do inquérito das fake news, produziram provas suficientes para que o colegiado avançasse no tema e deliberasse, por 6x1, que o uso de “aplicativos de mensagens visando promover disparos em massa contendo desinformação ou inverdades contra adversários podem configurar abuso de poder econômico e uso indevido dos meios de comunicação”. Mas isso tudo apenas para o futuro, conforme palavras do ministro Barroso.

Mais assertivo, o ministro Alexandre de Moraes afirmou que “nós já sabemos agora quais provas rápidas [podem ser obtidas], em quanto tempo e como devem ser obtidas e não vamos admitir que essas milícias digitais tentem novamente desestabilizar as eleições, as instituições democráticas a partir de financiamentos espúrios não declarados”.

Alexandre de Moraes foi além e mandou um recado explícito “se houver repetição do que foi feito em 2018, o registro será cassado, e as pessoas que assim fizerem irão para a cadeia por atentarem contra as eleições e a democracia no Brasil”.

Ou seja, ficou claro que todos sabem que houve crime nas últimas eleições e que o TSE não aceitará mais que “tentem novamente desestabilizar as eleições” e que “as pessoas que assim fizerem irão para a cadeia por atentarem contra as eleições e a democracia no Brasil”. Mas consequências maiores... só no futuro!

Nas atuais circunstâncias esta decisão pode ser considerada um avanço, especialmente se isso representar um reposicionamento efetivo das instituições responsáveis pela licitude do processo eleitoral no país. É notório que a leniência e até mesmo participação efetiva de importantes setores do STF, do TSE e do MPF, foi decisiva para o desenvolvido do caldo de cultura antidemocrático e protofascista em curso no país.

É preciso ficar atento e acompanhar os próximos passos para ver se este pretenso reposicionamento implica uma efetiva retomada do respeito à soberania popular e uma reação – tardia, mas bem-vinda - ao avanço de tutela sobre o processo democrático brasileiro; ou, essa nova postura não passa de uma espécie de “freio de arrumação” para reorganizar o campo do golpe e apenas isolar a sua face lúmpen-miliciana, que inclusive teve um deputado cassado.

Neste caso, o objetivo seria apenas produzir uma versão mais palatável do golpe, mas unificada no compromisso de manter sob cerco qualquer alternativa popular e reforçar a tutela sobre o processo político que está sendo muito acelerado pelo agravamento da crise no país e a evidente incapacidade do governo em lidar com qualquer assunto relevante, nacional ou internacional.

Em qualquer hipótese, é evidente que o campo que se unificou para o golpe do impedimento de Dilma e a inviabilização da candidatura de Lula, passou a ser atacado pela criatura que gerou e teve que reagir para não perder relevância.

Por sua vez, a reorganização de um amplo campo democrático e a existência de uma alternativa política sólida e testada, como Lula, pode ser capaz de galvanizar os descontentamentos que se acumulam em praticamente todos os setores da sociedade com os retrocessos e falta de perspectivas.

O campo de disputa sobre rumos para o país está aberto. Assim como o campo do golpe não conseguiu manter sob controle seu setor lúmpen-miliciano e começa a reagir a ele, mesmo que ainda de forma ambígua, nada assegura que poderá produzir outra alternativa sob seu controle, por mais que deseje.

Afinal, todos os avanços obtidos na luta social ao longo do tempo foram conquistados pela insubmissão dos setores populares à qualquer ideia de que o futuro já está predeterminado e não passa de um alongamento do tempo presente. Ao contrário, o futuro é desenhado pela capacidade do campo democrático de galvanizar os descontentamentos e de produzir alternativas potentes.

Gerson Almeida é sociólogo