Política

A mídia, submetida aos interesses comerciais de seus donos e aos interesses ditos “nacionais”, atiça ódio e mais ódio à enorme fogueira da guerra

A mídia nos empurra para a guerra, por meio de inúmeros artifícios. Reprodução/CNN

A guerra produz e se alimenta do ódio. Para se assassinar/matar, sem remorsos, pessoas desconhecidas, é preciso que elas sejam destituídas de sua humanidade por meio do ódio. A guerra e o ódio transformam pessoas em seres abomináveis, cruéis e sanguinários, sem nenhuma qualidade minimamente humana. Em inimigos prontos ao aniquilamento. Os campos de batalhas disseminam o ódio à exaustão. Em todos os lados, sem distinção, soldados educados pelo ódio matam outros soldados educados pelo ódio e muitos, muitíssimos civis, alvos de todas as guerras. No campo de batalha, todos os limites de civilidade são esquecidos. A barbárie brota autorizada pelo acionamento do ódio, dado imprescindível à carnificina de seres humanos, que antes não se conheciam e não se odiavam.

O efeito devastador de vidas humanas na guerra não se restringe aos campos de batalha. Para além do cenário da guerra, toda sociedade é contaminada pelo ódio. Ele não atua apenas para preparar a matança dos soldados educados pelo ódio, prisioneiros de cargas descomunais de ódio injetado sistematicamente pela educação militar. O ódio, ardiloso, atravessa toda sociedade e todos os seres humanos, mesmo os distantes da cena da guerra. O ódio pretende envolver todos no clima de guerra e na guerra.

A mídia, na imensa maioria, tem papel primordial na guerra. Ela deveria informar sobre a guerra, os interesses dos empresários e de seus governos, que criam incessante guerras, inclusive para lucrar com empreendimentos em armas e em outros negócios. Para as classes dominantes, que manipulam os interesses nacionais a seu prazer, guerra é lucro. São negócios gigantescos em armas, na destruição de concorrentes e na apropriação bélica de negócios pertencentes aos outros, antes adversários comerciais e agora inimigos a destruir. Guerra é negócio e o ódio é sua moeda universal.

Em tese criada para formar cidadãos com base em informações e opiniões plurais, a mídia, na maioria dos casos, transforma-se em enorme máquina de propaganda de guerra. Ela, submetida aos interesses comerciais de seus donos e aos interesses ditos “nacionais”, atiça ódio e mais ódio à enorme fogueira da guerra. Ela toma partido descaradamente e entra na guerra para produzir os inimigos, simbolicamente. Eles são invariavelmente maus, covardes, criminosos, destituídos de qualquer sinal de humanidade, conjugando todas as maldades do mundo. Para construir inimigos vale tudo, inclusive o recurso às notícias falsas, à manipulação de informações e qualquer outro expediente por mais calhorda que seja. Um simplório mundo de maus e bons se instala na mídia. Os aliados dos interesses comerciais e ideológicos dos donos da mídia são pintados como bondades personificadas, altruístas que defendem o mundo de bandidos, sanguinários e cruéis. As superproduções de super-heróis são modelos para a mídia criar a “realidade” na guerra.

A mídia nos empurra para a guerra, por meio de inúmeros artifícios. Não podemos cair na armadilhada. Não devemos nos deixar enredar pela mídia. Ela que nos transformar em simbólicos combatentes, em seres movidos pelo ódio aos outros, muitas vezes distantes e desconhecidos. A guerra não se faz apenas no campo de batalha. A mídia quer colocar a todos no campo da guerra simbólica. Ela quer derrotar nossa justa e correta repulsa à guerra, quaisquer guerras. Ela pretende manipular nossas emoções e nos transformar em seres que odeiam e se movem a favor de guerras. Quando nos damos conta aderimos e estamos em guerra.

Na atual guerra da Ucrânia o procedimento de repete à exaustão. A mídia ocidental produz cotidianamente o ódio aos russos e a mídia russa, que não tenho acesso, muito provável, produz o ódio aos ocidentais. Nas guerras, geográfica e simbólica, quem perde, inclusive a vida, são as populações civis, mais uma vez tripudiadas pelos interesses dos poderosos. É preciso estar atento e forte, como diz a bela canção. Não nos deixar cair no canto da sereia. Não nos deixar enganar e encantar pelos senhores da guerra, que estão nos espaços geográficos e simbólicos tentando nos capturar para o ódio e para o inaceitável absurdo da guerra. Contra as guerras, pelo desmantelamento das máquinas de guerra, a começar pela Otan, pelo fim das armas nucleares, pelo fim imediato da guerra. Por negociações para garantir a paz e nos proteger da destruição das populações e do planeta Terra.

Antonio Albino Canelas Rubim é pesquisador do CNPq e professor da UFBA