Política

Nesta semana de comemorações, uma pequena homenagem a esse grande partido, não tanto em tamanho, mas na qualidade de sua intervenção histórica

Em 1945, Prestes saiu da prisão para os braços do povo, era o líder popular do comunismo brasileiro. Foto: Reprodução

Um século de PCB merece um textão de quem dedicou onze anos de sua vida (1968-1979) militando com muito orgulho nas fileiras desse partido. Nessa semana de comemorações vou me antecipar e contribuir com a minha pequena homenagem a esse grande partido, não tanto em tamanho, mas na qualidade de sua intervenção histórica.

Fundado no dia 25 de março de 1922, em Niterói, o PCB é o único partido do Brasil que pode ostentar um século de luta mantendo seus princípios fundadores. O PCB nasceu da evolução política e ideológica dos setores mais avançados do anarco-sindicalismo influenciados pela Grande Revolução Socialista de Outubro de 1917 na Rússia.

No início dos anos 1930, o PCB incorpora em suas fileiras, pelas mãos da Internacional Comunista, o reconhecido líder revolucionário do tenentismo, Luís Carlos Prestes, que foi acompanhado nessa filiação por muitos de seus seguidores, militares ou não.

Essa fusão ideológica do tenentismo revolucionário com a vanguarda comunista da classe operária conforma, a partir de então, o perfil político do PCB.

Nesses seus 100 anos de história não houve uma grande luta do nosso povo que o PCB não liderasse ou pelo menos não fosse parte ativa.

Para combater o fascismo integralista e o governo autoritário de Vargas o PCB criou em 1935 a frente ampla da Aliança Nacional Libertadora (ANL), que teve rápido crescimento, e rapidamente também foi decretada a sua ilegalidade. Em consequência disso a ANL organizou uma insurreição nacional, mas fracassou, sendo então brutalmente reprimida. A companheira de Prestes, a alemã Olga Benário, grávida, foi entregue pelo governo, com a aprovação do então STF, para a Alemanha nazista, onde morreu num campo de concentração. Prestes foi preso em março de 1936 e só foi libertado quase 10 anos depois, com a anistia de 1945.

Apesar da perseguição e clandestinidade, o PCB manteve acesa luta contra a ditadura do Estado Novo e em 1942 organizou o movimento popular para pressionar o governo Vargas, simpático do nazi fascismo, a declarar guerra ao Eixo.

Em 1945 Prestes saiu da prisão para os braços do povo. Continuava sendo visto como o “Cavaleiro da Esperança”, da época do tenentismo, mas agora também era o líder popular do comunismo brasileiro.

Na legalidade, com a força de Prestes e o prestígio internacional de Stalin e da União Soviética, em alta por terem derrotados o nazismo, o PCB logo se tornou o partido comunista de massas mais forte da América Latina. Por causa disso e por pressão da Guerra Fria, o partido foi novamente colocado na ilegalidade e teve cassados os mandatos do senador Prestes e de seus deputados federais, estaduais e vereadores em todo o país.

Nas difíceis condições de clandestinidade o PCB conseguiu organizar o movimento popular contra a entrada do Brasil na guerra da Coreia (1950), como queria os EUA e também a luta pela criação da Petrobras, com destaque para a atuação dos sindicatos e da UNE.

No governo Goulart o PCB, principalmente com a atuação de Prestes e do líder comunista camponês Gregório Bezerra, mobilizou as massas urbanas e rurais para respaldar as chamadas Reformas de Base, especialmente a Reforma Agrária.

O golpe militar de 1964 e a repressão fascista a partir do AI-5 representou um desafio para a sobrevivência física dos próprios comunistas.

No seu VI Congresso, realizado clandestinamente em dezembro de 1967, o PCB definiu como principal tática “unir e organizar a classe operária e demais forças patrióticas e democráticas para a luta contra o regime ditatorial, pela sua derrota e a conquista das liberdades democráticas”.

Não obstante as diversas e heroicas tentativas de enfrentamento armado da ditadura militar, a história da resistência antiditatorial mostrou que foi a tática defendida pelo PCB a que finalmente conseguiu isolar e derrotar o regime militar. Mas esse processo não pôde ser conduzido pelo PCB pois o "partidão", como era chamado, foi destroçado pela repressão e estava mergulhado em profunda crise interna.

Na prática, a luta pelas liberdades democráticas, a começar pelo direito de greve, foi conduzida a partir de 1978 pelo movimento operário combativo surgido na região do ABC paulista, sob a liderança do metalúrgico Lula, e pouco depois pelo novo partido operário de massas, o PT. A culminação dessa luta se deu em 1984, com o grande movimento de massas Diretas-Já, um direito democrático usurpado pelo golpe militar.

A compreensão da história do PCB estaria, no entanto, incompleta se não tocássemos no traumático processo de desestalinização promovida por Kruschev no XX Congresso do PCUS, em 1956, e que causou a ruptura entre a URSS e a China de Mao.

Como ocorreu nos demais partidos comunistas do mundo, a divisão interna também se instalou no PCB, fazendo com que a dissidência fiel à orientação stalinista, liderada por João Amazonas, Pedro Pomar e Maurício Grabois, fundasse outro partido comunista em 1962, com o nome de PCdoB. O destaque dado à preposição “do”, antes oculta na sigla PCB, foi para mostrar a continuidade com o passado stalinista do partido, que a partir de 1961 passou a ser denominado Partido Comunista Brasileiro, visando facilitar a sua legalização.

A formação do PCdoB a partir da dissidência do partido liderado pelo camarada Prestes não diminui em nada o valor revolucionário de sua heroica trajetória na luta contra a ditadura, destacadamente na guerrilha do Araguaia, e o seu enorme protagonismo nos movimentos popular e estudantil, na luta pela anistia e as Diretas-Já.

A experiência histórica mostrou que nas dificílimas condições da luta contra a ditadura e também no período da redemocratização do país a coexistência de dois partidos comunistas foi possível durante um certo tempo. Só não continuou porque a profunda e inconciliável luta interna do PCB, que até expulsou Prestes, acabou levando a extinção do próprio partido e a sua transformação no lamentável PPS, cujo único resultado positivo foi ter provocado a criação do novo e pequeno aguerrido PCB.

A história atual da luta pelo socialismo tem demonstrado que para ser comunista, ser marxista, um militante revolucionário não precisa obrigatoriamente fazer parte dos partidos comunistas constituídos. Por exemplo, o PT e o PSOL contam em suas fileiras com inúmeros militantes comunistas e mesmo tendências que se reivindicam marxistas de diferentes matizes atuando conjuntamente com as demais tendências da esquerda cristã, trabalhista, nacionalista e social-democrata e ecossocialista.

Ao refundir sob a sua bandeira e assumir de fato e de direito a história e a tradição revolucionária e o heroísmo dos comunistas brasileiros do PCB, de Prestes, Gregório Bezerra, Marighella, Olga Benário, Maria Prestes e vários outros, além de seus próprios heróis e de Marighella, rendendo justa homenagem a todos que deram a sua vida na luta pela democracia e o socialismo, o PCdoB merece todo o nosso respeito e admiração especialmente de alguém como eu que fui um militante orgânico do PCB nos anos de chumbo.

Val Carvalho é dirigente do PT-RJ