Política

É possível apostar numa solução duradoura que prescinda de uma ampla mobilização popular nas ruas? Todos às ruas contra Bolsonaro no próximo dia 9 de abril!

É necessário demonstrar por todos os meios que organizamos uma força social capaz de ancorar a retomada desse projeto. Foto: Joana Berwanger/Sul21

Em poucos dias aconteceu o que era inimaginável há alguns meses: o Brasil assistiu ao fracasso e à humilhação do super-herói mascarado da extrema-direita, Sérgio Fernando Moro. Caiu a máscara. Moro está reduzido à sua real condição de indigente mental. Seguirá por algum tempo vagando pelo labirinto do sistema partidário, como um zumbi, até que um túmulo o acolha.

O ex-juiz foi expelido pelos aliados e aqueles que dele se serviram na maré montante da criminalização da política por meio da famigerada operação Lava Jato que abriu caminho para o golpe de Estado e a ascensão do neofascismo, alimentada pela mídia corporativa e por ele protagonizada.

A farsa ruiu estrepitosamente. O protagonista tinha os pés de barro. E, encapsulado dentro das concepções provincianas, autoritárias, de almanaque de quadrinhos mal encobertas pela toga, revelou-se incapaz de inserir-se na disputa política, mesmo no campo direita.

Quem se beneficia do fracasso retumbante do ex-juiz, ex-ministro, ex-consultor, ex-candidato agora reduzido à sua própria nulidade? De imediato o próprio campo da extrema-direita na medida em que reduz com sua saída a dispersão das intenções de voto. Portanto, Bolsonaro se beneficia. Mas, também, em alguma medida, Ciro pode capturar alguns desses órfãos. A conferir nos resultados das próximas pesquisas.

A “janela da infidelidade partidária” significou um inegável revigoramento da base parlamentar do governo, com a expansão do Centrão. Fato que deve acender um sinal amarelo no painel das forças progressistas. Aquelas capazes de entender o que significam esses deslocamentos para a reconfiguração dos palanques regionais.

Os setores conservadores, oligárquicos, tradicionais operam a tática de pactuar uma sólida base parlamentar para oferecer sustentação ao Bolsonaro ou para enfrentar a possibilidade de uma vitória de Lula em outubro próximo. Observe-se a aproximação do União Brasil-MDB empenhados em pôr de pé os alicerces de uma muralha de contenção às pretensões de um possível governo popular que deseja pôr em pauta a revisão das reformas neoliberais que vem destruindo os direitos dos trabalhadores desde o golpe de 2016.

Em meio a essa recomposição dos vários setores conservadores há uma peça solta. É de difícil compreensão para qualquer analista sóbrio, que se disponha a acompanhar a interminável cerimônia do adeus que o PSDB concebeu para si mesmo, como se imitasse o “suicídio assistido” anunciado pelo astro Alain Delon. Mas, a essa altura, o desfecho tende a ser pouco relevante. A experiência de uma direita contemporânea, que algum dia animou os tucanos, nesses primeiros meses de 2022, foi tragada pela cupidez dos golpistas Aécio Neves e João Dória e seguirá como uma condenação esse enredo trágico até a convenção prevista para julho/agosto, pelo menos.

Os dilemas de uma campanha em defesa da democracia para conquistar uma sólida âncora popular não são menores. É necessário examinar por que uma postulação que se encontra estável desde maio de 2021 – a candidatura Lula –, ou seja, há quase um ano se mantém em percentuais de intenção de voto acima de 40%, em algumas consultas chega a tocar a metade do eleitorado, não se traduz em forte capacidade de convocação popular nas ruas contra o neofascismo?

Evidentemente não se pode ignorar os efeitos da pandemia da Covid-19 sobre as mobilizações de massas nas ruas do país. Não se pode, porém, atribuir somente a esse fator. Convém examinar atentamente a efetividade dos mecanismos de mobilização dos setores populares organizados e a sintonia entre suas bandeiras e as expectativas dos trabalhadores que lutam pela sobrevivência na base da sociedade.

Não há como negar que o ex-presidente Lula se move desde o primeiro semestre de 2021, trabalhando em busca de articulações políticas regionais e nacionais nos espaços de centro esquerda e centro-direita, buscando atrair para sua proposta de reconstrução democrática os segmentos sociais e políticos que se descolaram de Bolsonaro. Ou por frustração diante do fracasso do projeto neoliberal ou vitimados pelo descalabro do governo na condução dos assuntos públicos em qualquer dimensão: economia, emprego, pandemia, cultura, inflação, meio ambiente, prevenção de catástrofes climáticas etc.

Os efeitos da pandemia da Covid-19 constituem evidentemente um fator condicionante. Há outro fator relevante que não pode ser ignorado: a segurança física do ex-presidente Lula diante de um processo em que a extrema-direita não só se qualificou nos métodos de provocação como, ao seu estilo, não esconde o tom de ameaça e disposição para a violência física que estimulará no decorrer da campanha.

Não é demais perguntar: haverá uma ilusão disseminada na sociedade – de efeito anestésico sobre os setores organizados – que alimenta a expectativa de uma solução democrática, pacífica, exclusivamente por meio do voto? É possível apostar numa solução duradoura que prescinda de uma ampla mobilização popular nas ruas, agora que o país superou os limites mais restritivos da pandemia? Como articular uma resposta eficaz para fazer frente a essa conjugação de crises que abriram sob os pés do país um abismo e nos mergulhou nos mesmos – imensos – problemas que vínhamos superando desde a reconstrução democrática a partir de 1988, agravados pela pandemia da Covid-19 e por um governo de caráter claramente neofascista?

Não é necessário um grande esforço para perceber que Bolsonaro trabalha para criar uma possibilidade de golpe como fez no 7 de setembro de 2021, caso Lula seja eleito. Ou mesmo antes. Ele próprio se encarregou de anunciar na cerimônia fechada de transferência do comando do Exército. E fez vazar convenientemente para a sociedade por meio de seus porta-vozes da Jovem Pan.

Não será apenas ampliando alianças ao centro, explicando aos banqueiros, aos empresários do setor produtivo, ao agronegócio que não somos uma ameaça à economia do país. Ao contrário somos precisamente a alternativa para expandir o mercado interno, retomar o desenvolvimento com distribuição de renda, geração de emprego, combate à fome, investimento em infraestrutura, educação, pesquisa, ciência, tecnologia e inovação, saúde e cultura e afirmação da soberania num mundo que avança aceleradamente para se converter em um mundo multipolar.

É necessário demonstrar por todos os meios que organizamos uma força social capaz de ancorar a retomada desse projeto. Essa será a contribuição essencial dos movimentos populares aos esforços do ex-presidente Lula em aglutinar em torno de si uma ampla composição social e política, capaz de derrotar o neofascismo encarnado por Bolsonaro e garantir sua autonomia para remover os pressupostos econômicos neoliberais que deram fundamento à aventura do golpe de 2016 e mergulharam o Brasil no abismo em que se encontra.

Todos às ruas contra Bolsonaro no próximo dia 9 de abril!

Pedro Tierra é poeta. Ex-presidente da Fundação Perseu Abramo