Política

O discurso do ex-presidente Lula articula a soberania nacional com a soberania popular e o do pré-candidato a vice expressa o caráter programático da aliança contra o neofascismo

A bandeira do Brasil no fundo emoldurando a figura do líder recupera, de alguma maneira, no imaginário, o segundo Vargas. Foto: Ricardo Stuckert

Pode-se argumentar, com razão, de que se trata apenas de uma frente de caráter eleitoral. Não há, porém, como desconsiderar o fato político mais relevante até agora, do ponto de vista das forças populares, no processo de disputa da Presidência da República em 2022.

A apresentação para a sociedade brasileira da composição política que reúne o Partido dos Trabalhadores, o Partido Socialista Brasileiro, o Partido Comunista do Brasil, o Solidariedade, o Partido Verde, o PSOL, a Rede e que já conta com setores de outros partidos com negociações ainda em curso marcou o fim da primeira semana de maio e poderá marcar todo o processo eleitoral.

O ato ocorrido em São Paulo, no último dia 7 de maio, em recinto fechado, buscou resgatar símbolos para conferir maior densidade e eficácia ao discurso dos porta-vozes dos setores populares.

A presença da bandeira do Brasil no fundo do palco emoldurando a figura do líder recupera, de alguma maneira, no imaginário da sociedade, o segundo Vargas. O bordão do discurso ancorado na soberania nacional só reforça com sua afirmação atada a todas as políticas públicas de combate à fome, às desigualdades sociais e regionais, inclusão social e cultural, defesa do SUS, das políticas educacionais, a sustentabilidade ambiental do novo projeto de desenvolvimento.

Ao encarar o desafio da reconstrução dos instrumentos democráticos e da economia do país, o discurso do ex-presidente Lula busca articular a soberania nacional com a soberania popular (respeito aos princípios democráticos) e à justiça social (combate às desigualdades).

A própria postura incomum do líder de ater-se ao texto escrito – com raras incursões no território do improviso, em geral bem-sucedidas, foram economizadas para deixar claro o caráter de compromisso formal de um estadista provado diante do país e do mundo com o projeto de reconstrução nacional que apresenta para a sociedade.

Busca recuperar o apelo à emoção e à sensibilidade da juventude com os instrumentos simbólicos das lutas passadas (particularmente da música do jingle apresentado) para mobilizar a sociedade contra um inimigo que ameaça diariamente a democracia.

O conteúdo assertivo e convincente da fala do vice ao expressar o caráter programático da aliança contra o neofascismo, marcou profundamente o evento. Registrou de maneira franca e leal as divergências de perspectivas abrigadas pela ampla concertação social que a frente representa e ressaltando o objetivo incontornável dos setores progressistas de subordinar suas divergências ao objetivo maior de derrotar o neofascismo instalado no governo.

O discurso consistente e cuidadoso de Geraldo Alckmin adverte para uma nova realidade política que emerge como resposta à crise das democracias e à ascensão do neofascismo no Brasil e no mundo: a aliança que se estabelece no campo dos setores democráticos e progressistas no Brasil não significa uma adesão ao programa ou ao ideário do Partido dos Trabalhadores, mas a busca de uma solução política capaz de enfrentar e vencer a extrema-direita.

Implica, portanto, em estabelecer critérios de convivência democrática entre forças assimétricas, empenhadas em alcançar esse objetivo respeitadas as identidades e os interesses de classe de cada uma das agremiações.

Nesse sentido, o discurso de Alckmin correspondeu plenamente às expectativas, entre outras, de clarear o ambiente para aqueles que, de boa fé, ainda buscam construir as alternativas de uma terceira via. Afirmou, sem deixar margem a dúvidas para esses setores que a via para derrotar o neofascismo é uma só: a candidatura Lula.

Concretamente, o 7 de maio se constituiu numa vitória maiúscula dos trabalhadores e dos democratas brasileiros que responderam positivamente ao chamado do ex-presidente Lula. Chamado que despertou inicialmente um acalorado debate no campo das esquerdas, no sentido de construir uma ampla frente democrática e antifascista para derrotar a extrema-direita.

Confiando em sua intuição o ex-presidente Lula colheu no ato de lançamento da pré-candidatura à Presidência da República, com a parceria do ex-governador Geraldo Alckmin como candidato a vice-presidente, a materialização de um desejo de amplos setores sociais, políticos, sindicais e empresariais cujos líderes foram sensíveis à percepção da magnitude do desafio que a sociedade brasileira tem diante de si, neste pleito de 2022.

Aqueles líderes que compreenderam que a disputa eleitoral deste ano se dá em torno da prevalência da democracia contra o neofascismo que conduz um governo de liquidação do país e nos remeteu à barbárie social.

Não por acaso, o conteúdo do discurso do ex-presidente Lula buscou articular todos os desafios sociais e políticos do Brasil para o próximo período em torno da afirmação da soberania nacional e da soberania popular para nos afirmarmos como uma nação que aspira recuperar sua dignidade e respeito diante do mundo.

E, ao mesmo tempo, nos defendermos contra as repetidas tentativas do governo de extrema-direita de violar a Constituição, de ameaçar permanentemente a sociedade com a chantagem dos atalhos golpistas para impor soluções autoritárias em benefício de segmentos oligárquicos e da escória miliciana que assaltou o poder em 2018.

O atual governo já deixou de ser representante direto mesmo dos importantes setores empresariais que inicialmente o apoiaram. O colapso da economia, os efeitos desastrosos da pandemia de Covid-19, a insegurança institucional que prevalece desde a posse em janeiro de 2019, afastaram os investimentos produtivos e criam diariamente um ambiente que não estimula ninguém imobilizar recursos numa economia com altas taxas de inflação e desemprego somadas a uma crônica instabilidade política.

Há vozes que aqui e ali se manifestam alertando para o fato do programa apresentado trazer consigo o forte apelo ao que foi realizado pelos governos populares no passado recente. Para dialogar com essas legítimas observações, há que se considerar o retrocesso imposto ao país desde o golpe de 2016.

Ao adotar a autodenominada “Ponte para o futuro”, o governo golpista devolveu o Brasil a um sem-número de problemas que já havia superado. Devolveu o país ao mapa da fome e vimos, nos seis últimos anos, explodir o desemprego e a precarização do trabalho em escala avassaladora, agravados ambos pela irresponsabilidade do atual mandatário.

Um dia histórico, esse 7 de maio de 2022. Foi uma espécie de ressurreição da humanidade que palpita em nós, militantes dos movimentos sociais dos trabalhadores! Velhos e velhas militantes que tiveram o privilégio de presenciar a pulsação de uma energia social, de uma vontade transformadora, inesgotável capaz de capturar uma juventude que emerge para a cena pública do país catalisada por um líder e um partido que haviam sido lançados na maldição e na infâmia!

Cerca de 4 mil pessoas de todas as idades com diferentes histórias, vindos de diferentes segmentos sociais, movimentos culturais, partidos e sindicatos unificadas em torno de um programa e de uma liderança popular sem paralelo na História do Brasil!

Uma liderança que incide em todos os aspectos da vida. Até na culinária... Temos que preparar com renovado empenho o jantar para servir Lula com “Chuchu” acompanhado de camarão vermelho, que ninguém é de ferro! Para celebrar o nascimento de fato da frente eleitoral antifascista que haverá de derrotar o energúmeno!

Em defesa da democracia e contra a barbárie, já! No primeiro turno.

Pedro Tierra é poeta. Ex-presidente da Fundação Perseu Abramo.