Política

A participação dos evangélicos na política, um caminho que vai da “negação” ao “ativismo político”. Haverá indícios de mudança com relação ao posicionamento desse segmento nas eleições de 2018?

As pautas comportamentais continuarão sendo importantes para este segmento ou a situação atual do país trará novas perspectivas? Foto: Rovena Rosa/ABr

É consensual, nas análises do processo eleitoral de 2018, que o voto evangélico teve um peso importante para seu resultado. O deslocamento, estratégico e bem efetuado, dos assuntos de caráter socioeconômico (emprego, direitos, Saúde, Educação, habitação, entre outros) para uma pauta de comportamento – simbolizada pelo chamado “kit gay” –, contribuiu para que este eleitorado voltasse seu olhar para o, então, candidato à presidência da República, Jair Bolsonaro, e visse nele uma solução para os problemas do país. Some-se a isso, o desgaste do Partido dos Trabalhadores (PT), junto aos setores conservadores da sociedade, que disputou a eleição com Fernando Haddad, acusado, por seus opositores, por ser um dos responsáveis, com outros partidos de esquerda, pela destruição dos “valores morais” que esse segmento acreditava resgatar ao votar em Bolsonaro.

Este “voto evangélico”, porém, não deve ser visto como um movimento absolutamente espontâneo. Em alguma medida, é capitaneado por lideranças evangélicas, especialmente no campo religioso pentecostal, que possuem maior ou menor espaço no campo midiático e por integrantes da Frente Parlamentar Evangélica (FPE), que reúne parlamentares (em sua grande maioria de “direita” e conservadores) ligados a variadas denominações – com peso entre as igrejas Assembleia de Deus, Universal do Reino de Deus (IURD) e Igreja Batista (TADVALD, 2015). A depender dos temas que estejam em debate dentro do Congresso, a FPE pode se aliar a outros segmentos religiosos conservadores – católicos carismáticos, Opus Dei, entre outros – para aprovar ou barrar projetos (MARIANO e GERARDI, 2019).

Em geral, temas que envolvem questões de gênero ou sexualidade além de ensejos para um “estardalhaço”, tornam-se o gancho para a demonização dos partidos de esquerda, que possuem uma visão “progressista” com relação a esses temas. Como a FPE se apresenta como uma espécie de “primado moral” da nação (TADVALD, 2015), guardiã da moral e dos bons costumes, coloca-se como o modelo eleitoral a ser seguido. Em 2018, a pauta “moral”, por um conjunto de fatores, protagonizou o debate eleitoral, sobretudo nas redes sociais, sendo assim o discurso em defesa de Jair Bolsonaro emplacou.

Mas, se a conjuntura, em 2018, favoreceu o atual presidente da República, inclusive com o voto expressivo do segmento evangélico, qual a análise da atual situação? Ela ainda pode ser favorável a Bolsonaro, ou novos elementos, como a crise sanitária da Covid-19, que levou a óbito cerca de 670 mil pessoas, o aumento da inflação, o alto nível de desemprego, o recrudescimento da miséria, trazem novos elementos para as eleições de 2022? Há indícios que o eleitoral evangélico, que votou majoritariamente em Jair Bolsonaro, possa modificar seu voto? As pautas comportamentais continuarão sendo importantes para este segmento ou a situação atual do país trará novas perspectivas? Qual o impacto da presença, no cenário eleitoral, do ex-presidente Luiz Inácio da Silva (Lula)?

Os evangélicos e a política: da negação ao ativismo político

O ativismo político desse segmento “cristão conservador” tem se tornado cada vez maior e mais “barulhento” nas últimas décadas (MARIANO e GERARDI, 2019). Essa não é uma realidade exclusivamente brasileira. Outros países da América Latina (AL) registram situação semelhante (BOSSIO; SEMÁN; MARIANO e GERARDI, 2019). Em 2018, seis países latino-americanos (incluindo o Brasil) realizaram eleições presidenciais. Em todas elas, obtendo ou não bons resultados, houve a presença e o apoio de grupos cristãos conservadores a algum candidato (MARIANO e GERARDI, 2019).

O que há de comum, em todas essas eleições, é a pauta conversadora que defendem e, por outro lado, os temas que rechaçam, entre eles, a legalização do aborto, direitos sexuais e civis, descriminalização do uso de algumas substâncias psicoativas ou a criminalização da homofobia (TADVALD, 2015).

O que torna possível o segmento evangélico realizar esta disputa, no campo político, que para seus membros é sobretudo uma disputa “espiritual”, é o considerável crescimento, especialmente das igrejas pentecostais, nas últimas décadas. Embora não seja a intenção discutir aqui o tema, vale destacar que esse é um fenômeno amplamente estudado (BARRERA; NORONHA, 2016) e que registra a inserção, pentecostal, sobretudo nas regiões em que está presente a população em situação de maior vulnerabilidade social – as periferias urbanas, por exemplo.

Como indica Maria das Dores Campos Machado, “a explosão pentecostal na América Latina reproduz o fenômeno do florescimento do metodismo entre os setores mais pobres ingleses do século 19” (2013, p.52), na medida em que possibilita melhor acolhimento desta população por conseguir, nas regiões urbanas, reproduzir a religiosidade popular (com liturgia mais “emocional” e menos intelectual) presente nas regiões (Nordeste, por exemplo) em que boa parte de sua membresia é oriunda.

O pentecostalismo, como outros segmentos evangélicos, recebe influência do pensamento “puritano” – que implica em significativa sublimação dos instintos relacionados ao prazer –, por isso, as pautas comportamentais (ligadas à sexualidade) ganham relativa importância e, atualmente, colocam-se como objeto de disputa do que pode ser legalizado ou não. Vale destacar que não há uma absoluta homogeneidade em relação a como pensam os evangélicos, em especial os pentecostais, sobre todos esses temas. Como indica Machado (2013), há uma pluralidade de discursos sobre a modernidade, a política e a ordem social.

Destacar isso é importante, porque dialoga com o que estamos refletindo neste texto. Embora, em 2018, as pautas comportamentais tenham tido protagonismo para o universo evangélico, e seu voto seguiu essa linha de argumentação, continuarão tendo, a mesma importância, em 2022?

A negação da política

Nas primeiras décadas da República, até 1930, a presença dos protestantes é praticamente nula, e os registros apontam para poucos prefeitos, deputados federais e senadores (GONÇALVES e PEDRA, 2017). Com o novo código eleitoral de 1932 e a Constituinte de 1933-34, acontece algum tipo de articulação entre os evangélicos, mas algo ainda distante de um ativismo político organizado1. Entre os anos de 1946 e 1964, a despeito de mudanças estruturais que poderiam favorecer a participação evangélica na política, isso só aconteceria, de forma pontual, até a década de 1980. Após 1964, com alguma ambiguidade, as igrejas protestantes, especialmente a Igreja Presbiteriana no Brasil, mantiveram-se próximas ao regime militar (GONÇALVES e PEDRA, 2017). Na década de 1960, surgiu o primeiro candidato oficial de uma igreja pentecostal. Em 1962, Levy Tavares, da Igreja O Brasil para Cristo, foi candidato a deputado federal pelo Partido Social Democrático (PSD)2.

Embora os evangélicos, no Brasil, não tivessem uma participação organizada na política até finais dos anos 1970, cujo lema era “crente não se mete em política” (TADVALD, 2015), eram fortemente influenciados por uma ideologia conservadora, que vinha de grupos religiosos estadunidenses. “O fato é que, desde o fim da Primeira Guerra Mundial (...), grupos protestantes brancos norte-americanos lideram um conservadorismo avesso às forças pluralistas e cosmopolitas, que encaram como ameaças à identidade nacional, à civilização e aos valores cristãos tradicionais” (MARIANO e GERARDI, 2019, p.65). Tais valores concentram-se,

na família, na defesa da autoridade masculina e do criacionismo, na contenção da sexualidade, da autonomia e dos direitos das mulheres, na oposição radical às demandas feministas (acusadas de corroer o patriarcado, afeminar os homens e masculinizar as mulheres), ao aborto, à homossexualidade, à educação sexual nas escolas (ibidem).

O ativismo político

Esse cenário começa a mudar nos anos 1980. A possibilidade de participar ativamente da nova Constituição, regimentou o “eleitorado evangélico”, com destaque no campo evangélico pentecostal. “(...) em meados dos anos 80, as maiores igrejas pentecostais (e neopentecostais) decidiram ingressar na política, rompendo com a postura sectária e isolada de outrora, apresentando candidaturas oficiais das igrejas (...)” (GONÇALVES e PEDRA, 2017, p.87). Em 1982, foram eleitos dois deputados federais assumidamente pentecostais. Em 1986, foram dezoito. O lema passa a ser, então, “irmão vota em irmão” (TADVALD, 2015).

Nesse contexto, a obra do fundador da IURD, bispo Edir Macedo, Plano de Poder: Deus, os cristãos e a política, é um exemplo do trabalho realizado no sentido de fortalecer, entre os fiéis, essa mudança de paradigma. “Para o bispo, só através do conhecimento da política, inclusive com a sapiência filosófica, é que todos conseguirão compreender o projeto de poder elaborado por [Deus para o povo]” (GONÇALVES e PEDRA, 2017, p.83). Lideranças como Edir Macedo, e Silas Malafaia (Assembleia de Deus, Ministério Vitória em Cristo), extrapolam os limites do campo religioso em busca da proximidade do “poder” no campo político.

Desse período (anos 1980) para cá, os evangélicos disputam, no campo institucional, espaços políticos visando prevalecer pautas conservadoras. É nesse período que surge a “bancada evangélica” (em 1987, no Congresso Constituinte), grupo que comporia, em 2004, a FPE (RELIGIÃO e PODER, 2020).

Em, 2013, a figura de Marcos Feliciano, deputado federal, ficou em evidência quando assumiu a Comissão Parlamentar de Direitos Humanos e tentou se apropriar deste “espaço” para, entre outras coisas, diminuir conquistas do público LGBTQIA+. Nessa ocasião chegou a colocar em pauta a controversa “cura gay” (TADVALD, 2015).

Em 2014, todo um movimento de lideranças – entre elas, a atual ministra Damares Alves – atuou para combater a candidatura de Dilma Rousseff. Um vídeo – intitulado “Sua família corre perigo, Cuidado” – patrocinado pelo Fórum Evangélico de Ação Social e Política, foi amplamente circulado com o objetivo de divulgar ações nos governos Lula e Dilma que “ameaçavam” a família (MACHADO, 2013).

Desde sua eleição de 2018, Bolsonaro vem fazendo uso do espaço institucional, através de ministérios, como é o caso da ministra Damares, para tentar contrapor pautas que, para ele e o agrupamento de extrema-direita que representa, destroem os valores morais, como é o caso daquilo que passaram a chamar de “ideologia de gênero”. Com argumentos que apelam para a “destruição da família brasileira” vão desmontando estruturas públicas (ministérios, secretarias, projetos sociais) que tinham como objetivo proteger, valorizar e emancipar setores da sociedade historicamente fragilizados, como mulheres, negros e grupos LGBTQIA+.

Este, brevíssimo e simplificado, panorama sobre a passagem de uma posição de “negação” para o “ativismo político” traz elementos que nos ajudam a compreender por que lideranças do campo religioso evangélico organizam, atualmente, sua participação no campo político, o que passa por eleger representantes em diversos espaços políticos institucionais, como o Legislativo e Executivo, ou até mesmo o Judiciário.3 “[o estado é laico, mas o povo é religioso] (...) e, como qualquer outro setor da sociedade, os pentecostais têm o [direito de eleger representantes] para defender seus interesses nos poderes legislativo e executivo”4.

Posição dos evangélicos(as), nas eleições presidenciais de 2022, conforme pesquisas de intenção de votos

Em 2018, Jair Bolsonaro obteve 69% dos votos evangélicos. Vale registrar que não foi somente entre os evangélicos que o atual presidente obteve maioria dos votos (válidos) no contexto religioso. Entre os católicos obteve 51%; entre os kardecistas, 55%; e no grupo denominado “outras religiões” obteve 68%. Fernando Haddad, entre os adeptos das religiões de matriz africana (70%), entre os “sem religião” (55%) e entre os ateus e agnósticos (64%), obteve a maioria dos votos (IHU, 2018).

Esse processo eleitoral ocorreu em meio a fatos que, de alguma forma, influenciaram no resultado, como o impedimento (jurídico/político) do ex-presidente Lula de concorrer às eleições e o “atentado” ao candidato Jair Bolsonaro, exaustivamente registrado pela mídia, que o levou para a primeira colocação já no final do primeiro turno. Outro elemento importante foi o “deslocamento” do debate econômico para o debate moral. A defesa da família, contra o “ativismo gay”, e o discurso da segurança, com base no armamento da população, levou Bolsonaro, num país com o clima político conturbado (pós-impeachment), a representar uma alternativa política a ser experimentada.

Como estão, no entanto, as intenções de voto dos evangélicos e evangélicas para o processo eleitoral deste ano? Nas pesquisas realizadas até maio, com alguma oscilação, sobretudo pela entrada e saída de candidatos (Sergio Moro, João Dória), o ex-presidente Lula aparece na liderança das intenções de voto seguido pelo atual presidente. Entre os eleitores e eleitoras, do segmento religioso evangélico, Jair Bolsonaro continua tendo um melhor desempenho. Em consulta realizada em abril – pesquisa “PoderData” –, Bolsonaro tinha 53% das intenções de voto entre os evangélicos; Lula, 24% (OLIVA, 2022a). Em maio, Bolsonaro aparece com 52%, contra 25% de Lula (OLIVA, 2022b).

Embora Bolsonaro (ainda) apresente um bom desempenho neste eleitorado, as pesquisas de intenção de voto mostram que a presença do ex-presidente Lula na disputa tem provocado outro cenário, quando se compara ao processo eleitoral de 2018. Os homens evangélicos continuam, majoritariamente, com Bolsonaro, mas as mulheres estão divididas entre os dois candidatos (PASSARINHO, 2022).

O perfil evangélico explica, em parte, esta situação. A maioria é formada por mulheres (58%), negros (59%) e jovens, entre 14 e 44 anos (60%) (PASSARINHO, 2022). De forma geral, as mulheres têm indicado votar menos em Bolsonaro. Seu discurso reproduz, sem autocrítica, o machismo estrutural presente na sociedade brasileira. Questões como “as mulheres devem ganhar menos do que os homens”, proferidas pelo atual presidente, ou mesmo seu discurso “belicista” do armamento da população, afasta o público feminino. As eleitoras, em alguma medida, sabem que o armamento, devido à cultura da violência contra as mulheres, que ainda é reproduzido e aceito em nossa sociedade, mesmo no universo religioso (VILHENA, 2022), se voltaria contra elas. Infelizmente, muitas das mulheres assassinadas (feminicídio) são vítimas de seus próprios companheiros.

Vale lembrar, também, que parte importante das mulheres pobres e negras, o que inclui boa parte das evangélicas pentecostais, vive nas periferias urbanas (NORONHA, 2022). Elas compreendem que o discurso da segurança pública, neste governo, está mais centrado na eliminação, pura e simples, dos “bandidos” do que na criação de projetos sociais que diminuam as desigualdades sociais. Esse tipo de discurso legitima as “chacinas” de jovens negros nas favelas.

De acordo com a organização [ONU], em 2018, de cada 100 mortes violentas intencionais no Brasil, 11 ocorreram durante embates com policiais. Segundo a carta, 75,5% das vítimas eram negras. Além disso, dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública mostram que a [taxa de mortalidade em 2019 devido a intervenções policiais foi 183,2% maior para pessoas de descendência africana do que para os brancos]5.

A atual conjuntura socioeconômica, com aumento da pobreza, manutenção das taxas altas de desemprego, do trabalho informal, aumento da inflação, também sensibilizam mais as mulheres que esperam do Estado projetos de inclusão social. Vale lembrar que durante a pandemia da Covid-19 a população das periferias urbanas foi a que mais sofreu, chegando à situação de extrema pobreza (NORONHA, 2021). Embora o pagamento do auxílio emergencial tenha, em determinados momentos, melhorado a popularidade de Bolsonaro, parte dos moradores das periferias acreditam que não há um projeto, deste governo, para a população em situação de maior vulnerabilidade social. O depoimento, abaixo, de uma jovem que tem a intenção em votar em Lula, ilustra a situação.

Eu procuro um candidato que queira realmente mudar o quadro que está o país, porque literalmente virou um caos. As pessoas estão comprando osso para comer em casa, é desumano. Quero uma pessoa que fique indignada, porque muitas pessoas estão sendo realmente esquecidas por serem pretas e por serem pobres (PASSARINHO, 2022, online)

Tudo indica que os eleitores evangélicos, que registram o voto no atual presidente, continuarão mantendo seu interesse em pautas “conservadoras” e centrando o discurso na “defesa da família”, como aponta uma eleitora que votou e pretende, novamente, votar em Bolsonaro.

Vi que Bolsonaro era um homem conservador, alguém que zela pelo pai, pela mãe. Percebi nele alguém de punho firme, que queria lutar pela família, lutar pela causa. Porque sabemos muito bem que a família é a base de tudo (PASSARINHO, 2022, online).

Mas será que a pauta comportamental – baseada em elementos morais – terá a mesma força que teve em 2018? Essa questão deverá, sim, influenciar o voto de parte dos eleitores religiosos, especialmente, os evangélicos. Mas, tudo indica que esse tema – “moral” – não conseguirá monopolizar o debate presidencial. O Brasil pós-pandemia é outro. É provável que sejam outras as expectativas da população e do eleitorado, tanto o eleitorado em situação mais vulnerável, o que incluiu parcela dos evangélicos, como também a “classe média”.

Embora os erros cometidos pelo governo, durante a pandemia da Covid-19 – que somam inabilidade técnica e negacionismo político/ideológico –, tenham atingido em maior grau a população mais vulnerável, o conjunto da população sofreu com a falta de um melhor planejamento, seja no campo da saúde (diretamente relacionado à crise sanitária), seja no campo econômico. O comportamento “controverso” do presidente e seus ministros, com objetivo de desviar a atenção dos problemas do país, que vem se agravando – descontrole da inflação, aumento exorbitante dos combustíveis, entre outros –, levou parte importante da população, não somente a mais pobre, a desaprovar o governo. A taxa de rejeição, do atual presidente, como indicam as pesquisas, é alta6.

Nesse cenário, é pouco provável que as pautas “comportamentais” – centradas em questões identitárias (como gênero ou sexualidade) – consigam, por si só, reeleger o atual presidente. Questões sociais e econômicas voltarão para o centro do debate eleitoral. Esse será um grande desafio, para o atual presidente, visto que o ex-presidente Lula, apesar do desgaste político decorrente de sua prisão em 2018, deixou a presidência, em 2010, com uma boa taxa de aprovação justamente pelos aspectos positivos, nesse âmbito, em seu governo. As mesmas pesquisas que apontam uma vantagem, ainda, para Bolsonaro no segmento evangélico, mostram que o ex-presidente Lula tem melhor desempenho em outros grupos, como os católicos, por exemplo7. Isso é uma indicação de que as questões “morais” perderam alguma importância, quando se compara à eleição de 2018.

Considerações finais

Ainda há muita coisa para acontecer até as eleições de outubro de 2022. O cenário eleitoral ainda está indefinido. O que se pode dizer, com relação ao voto evangélico, é que esse, muito provavelmente, não seguirá o caminho puro e simples da “moralidade”. A conjuntura econômica, que hoje apresenta relativa instabilidade, torna a situação complexa. A despeito do resultado das eleições em 2018, não existe nenhuma garantia que os evangélicos (em especial as mulheres, os negros e os jovens) seguirão a orientação de suas lideranças religiosas, mesmo aquelas cujo ativismo político (conservador) se fará presente tentando a qualquer custo reeleger o atual presidente, este “compromissado” com as pautas conservadoras.

Isso porque é razoável dizer que não há voto confessional. “Es preciso desactivar una impresión que facilmente se impone luego de verificar o crescimento de los evangélicos en las últimas décadas: es imposible afirmar la existência de un voto confesional em el caso de los evangélicos” (SÉMAN, 2019, s/n). O crescimento dos evangélicos, tanto no Brasil como na América Latina, não é uma indicação de que, em toda e qualquer situação, os “crentes” votarão em “crente”. Os evangélicos, como todo e qualquer eleitor, têm seus critérios de escolha que são mais complexos do que muitas vezes se imagina. Dessa forma, as evangélicas podem ter um papel decisivo, por isso, não por acaso, há uma estratégia para reconectar a confiança com esse grupo, por parte do atual governo (PASSARINHO, 2022).

Até o atual momento, tudo indica que o atual presidente, por seu discurso “moral”, que esbarra no machismo, na homofobia, e no belicismo, atenda aos interesses de parte dos evangélicos, especialmente os homens, mas os limites para isso podem esbarrar nos problemas sociais do país que agora estão mais evidentes do que em 2018. Embora tenhamos centrado, aqui, os dados eleitorais em Lula e Bolsonaro, há parcela, em torno de 23%, que aponta (até o momento) que não votará, pelo menos no primeiro turno, em nenhum dos dois candidatos. Tudo isso, torna a eleição deste ano, no que diz respeito ao voto evangélico, um campo aberto para muitas possibilidades.

Claudio Pereira Noronha é graduação em Administração de Empresas (Centro Universitário Fundação Santo André); pós-graduado (Lato sensu) em Globalização e Cultura (Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo); mestre e doutor em Ciências da Religião pela Universidade Metodista de SP; assessor do Sindicato dos Bancários do ABC

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