Cultura

Segundo o IBGE, as mãos dos artesãos e artesãs brasileiras movimentam R$ 50 bilhões anuais na economia do país e geram 10 milhões de empregos diretos

Janja com as bordadeiras de Timbaúba dos Batistas, cidade da região de Seridó, no Rio Grande do Norte, que confeccionaram o seu vestido de casamento. Ricardo Stuckert

Não foi por acaso que a primeira foto divulgada do casamento de Lula e Janja tenha sido a do (belo) vestido da noiva, foi confeccionado pelas bordadeiras de Timbaúba dos Batistas, de Seridó, no Rio Grande do Norte. Um vestido de cor “off white” que, na tradução para o português, pode ser chamado de “quase bege”, uma denominação que se dá para uma cor que não é o branco puro, já que existem mais de 67 variações da mesma cor.

A noiva poderia ter utilizado seda do Japão, ou tecidos que a maioria dos casais com poder aquisitivo alto podem utilizar, como cetim de seda, cetim duchese, renda chantilly, renda soutache, guipure, tule ou tule point d'esprit. Poderia ter convidado um estilista internacional, mas a opção foi utilizar um produto brasileiro e contar com o trabalho de artesãs brasileiras e de uma estilista brasileira, a Helô Rocha.

Esse vestido bordado traz história e guarda muitas simbologias. As bordadeiras de Timbaúba de mulheres que formam um grupo de trabalho primoroso na região do Seridó, encontrando no trabalho manual uma fonte de renda para seus familiares, muitas vezes a única da família. O trabalho, para além da renda, gera poder feminino para as mulheres daquela região, visto que a cidade, de 2.414 habitantes, não tem muitas opções de emprego.

Mas o que o vestido pode nos dizer? O governo do presidente Lula foi marcado, principalmente por grandes realizações na área cultural, como a valorização da cultura popular, criação dos setoriais de teatro, da música e do artesanato. Este último conseguiu chegar no governo Dilma com um produto indicativo de políticas públicas que é o chamado Plano Setorial do Artesanato, cuja versão final foi terminada na gestão da ministra Marta Suplicy. Registra-se ainda que as discussões iniciadas na gestão do presidente Lula culminou também na lei Lei nº 13.180, de 2015, que reconhece a profissão do artesão, demanda antiga dos milhares de profissionais que atuam no setor.

Após o golpe contra a presidenta Dilma Rousseff, os dois projetos ficaram parados: o primeiro, carente de implantação e o segundo, de regulamentação. São mais de 12 milhões de artesãos brasileiros que esperam a regulamentação da lei de profissão para poderem planejar aposentadoria, pagar o seu INSS e ver os seus direitos trabalhistas reconhecidos pelo Estado brasileiro.

Lula fala, em seus discursos pelo país, que irá valorizar a cultura brasileira como fez em seus governos anteriores. No seu casamento, o gesto de destacar o vestido bordado de Janja, produto da cultura popular, reforça que o seu discurso de investimento na cultura brasileira é sério, é fugaz e tem compromisso.

Quando Janja escolhe o vestido das bordadeiras de Timbaúba dos Batistas, reconhece a importância da aldeia local, a importância dos produtos nacionais, do investimento nos pequenos produtores. Com isso, ela reforça também o discurso de Lula. O gesto pode ser lido como sinal de que os bons ventos soprarão a favor da cultura mais uma vez, com a possível eleição de lula a presidente da República.

Muitos não sabem que as mãos dos artesãos e artesãs brasileiras, segundo o IBGE, movimentam R$ 50 bilhões anuais na economia brasileira e geram empregos direto para 10 milhões de artesãos (se considerarmos as famílias beneficiadas com o trabalho, estamos falando de uma possibilidade de benefícios indiretos de quase 50 milhões de pessoas).

Para se ter uma ideia da importância econômica do setor para a economia brasileira, o setor de veículos movimenta R$ 150 bilhões/ano, na sua maioria com subsídio do governo federal para o setor, gerando uma média de 140 mil empregos diretos, uma vez que o processo de fabricação de veículos é quase todo comandado por robôs.

O artesanato brasileiro movimentará muito mais recursos, gerando mais impostos e mais empregos para a população brasileira. Ele tem muito mais potencial de dinamizar a economia com muito mais distribuição de renda.

É preciso escancarar que o segmento do artesanato, assim como toda a cadeia produtiva da cultura, foi totalmente desprezado pelo governo do presidente Jair Bolsonaro, cujo conjunto dos ministros não conseguem perceber a importância econômica deste setor para a economia nacional.

A cultura transforma meros executores em pensadores, trabalhadores em artistas, pobres em intelectuais, palavras em poesias transformadoras. Talvez por isso incomode tanto aqueles que tem o dinheiro como mero agente de transformação.

Vilmar Oliveira natural é historiador, fotógrafo, poeta, pós-graduado em Gestão Estratégias das Políticas Públicas, pela Unicamp. Foi eleito para o Setorial do Artesanato Nacional em 2015 e publicou o livro de fotografias Descendo o Rio, os Caminhos da Cerâmica no Vale do Jequitinhonha (Português, inglês e espanhol – 2007)